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Inaplicabilidade da carta protesto

  • Crédito de Imagens:Divulgação - Escrito ou enviado por  Aparecido Rocha – insurance reviewer
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Após diversos artigos e matérias publicadas com esclarecimentos sobre a verdadeira função da carta protesto; quando é devida, a quem se destina, prazo, e formas de envio, o assunto merece retornar ao debate com alguns esclarecimentos importantes aos envolvidos nas atividades de transportes, seguros, comércio exterior e direito.

Para melhor entendimento, reproduzimos o texto do art. 754 do Código Civil (Art. 754. As mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos. Parágrafo único. No caso de perda parcial ou de avaria não perceptível à primeira vista, o destinatário conserva a sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em dez dias a contar da entrega).

A fim de dirimir eventuais dúvidas dos operadores do direito de seguro, é importante destacar que o protesto previsto no art. 754 do CC e seu parágrafo único, não é prova inequívoca da ocorrência do dano e nem serve para impor responsabilidade, é um simples instrumento jurídico de declaração de ocorrência para preservação de direito, que permite ao recebedor de mercadoria reclamar eventuais danos supostamente ocorrido durante o transporte e constatados posteriormente à entrega.

Os recentes debates de profissionais do setor de seguros e prestadores de serviços sobre o protesto do recebedor, seguem evidenciando apenas os interesses das seguradoras, que através de seus corretores transmitem orientações equivocadas sobre o envio de protestos em situações inaplicáveis, como por exemplo na exportação, em caso de perda total, ocorrências de avaria grossa, e a destinatários ilegítimos, como Depositários, incluindo os Terminais de Cargas, Armazéns Alfandegados, EADIs, Infraero e Agentes de Cargas.

Quanto ao destinatário do protesto, a lei é clara e trata tão somente do transportador (pessoa ou empresa que efetua o transporte). O art. 754 do CC tem natureza cogente de caráter decadencial não admitindo interpretação extensiva de seus termos, condições, exigências e, especialmente, prazos. Portanto, os termos “transportador” e “destinatário” não devem ser interpretados extensivamente para outras atividades empresariais não operante do transporte ou a qualquer participante da cadeia logística.

O protesto é cabível na constatação do dano, o que é possível somente com a verificação física da carga após a entrega, conforme estabelece o art. 754 do CC. “Entrega” é o momento em que a mercadoria é entregue ao importador na retirada da carga no armazém alfandegado após a nacionalização, quando já pode verificar e conferir a mercadoria recebida.

Sobre a forma de envio do protesto, não há definição legal indicando uma maneira específica, adota-se os meios tradicionais de envio com comprovação de entrega. Assim, o protesto deve ser enviado sob protocolo na cópia do próprio documento, por Aviso de Recebimento dos Correios (AR) e demais empresas de courier, por Cartório de Registro de Títulos e Documentos, através do sistema de recebimento de mensagens eletrônicas com selo de comprovação certificado por órgãos competentes ou simplesmente por e-mail com o retorno do destinatário confirmando o recebimento da correspondência.

A Advocacia-Geral da União (AGU), Procuradoria-Geral Federal e Procuradoria Federal Especializada junto à Susep, em setembro de 2019, em resposta a consulta recebida, emitiu a Nota n. 00119/2019, aprovada pelos Despachos n. 01630/2019 e n. 00003/2019 da Procuradoria Federal esclarecendo que embora o protesto não faça parte integrante da apólice de seguro de transporte, mesmo assim, o artigo 754 do CC constitui-se em regra balizadora, podendo a seguradora valer-se da regra prevista no referido artigo como parâmetro aos prazos ali estabelecidos. A AGU ratificou que a contagem do prazo para envio do protesto inicia-se após a constatação de fato da avaria com o recebimento da mercadoria pelo importador e que a “entrega” se caracteriza apenas com o recebimento da mercadoria (física) pelo importador, o que desqualifica o protesto apenas pelos registros no TFA (Termo de Falta e Avarias) e no Mantra (Sistema Integrado da Gerência do Manifesto, do Trânsito e do Armazenamento). A AGU reconheceu ainda, que o destinatário do protesto é exclusivamente o transportador (marítimo, aéreo e terrestre) conforme estabelece o parágrafo único do art. 754, dando-lhe correta interpretação.

As exigências de protesto a partir da emissão do TFA e Mantra, cujos terminais de cargas e depositários não verificam o estado real das mercadorias e por proteção e interesses próprios, lançam apontamentos indiscriminados e padronizados com indicações de “diferença de peso, quebrado, indícios de violação, container amassado, arranhado, enferrujado, furado, rasgado, entre outros, são vícios do mercado segurador que causam instabilidade no setor de transportes e comércio exterior.

Algumas seguradoras, mesmo tendo obtido outros elementos que comprovam o sinistro têm a ousadia de alegar que a recusa do pagamento de sinistro se deve ao fato do segurado não ter providenciado tempestivamente a carta protesto, e desse modo as ações de ressarcimento por sub-rogação junto ao causador ou responsável pelos prejuízos estará prejudicada. Vincular o pagamento de um sinistro coberto à certeza de ressarcimento é uma afronta ao princípio do seguro e do direito e um desrespeito aos segurados, pois o seguro não é um jogo e sim um contrato de risco.

Um caso que serve para mostrar a falta de conhecimento da seguradora e do corretor de seguros se desenvolveu no tratamento de um recente sinistro de Avaria Grossa (General Average) decretada em 27.05.2021, pelos proprietários no navio NYK Delphinus. Nesse episódio, por orientação do corretor de seguros e seguradora, o importador enviou carta protesto ao agente de cargas brasileiro com a absurda alegação de que é incontestável a sua responsabilidade pelos prejuízos e que oportunamente seria enviada a nota de débito para ressarcimento. Além do endereçamento errado da carta protesto ao agente de cargas que não é transportador, o protesto do recebedor previsto no art. 754 do CC não é aplicável em avaria grossa, a qual não pressupõe dano a carga, pressupõe obrigação de contribuição financeira.

A indústria de seguros é mantida pelos segurados, os quais pagam os prêmios e no cumprimento de suas obrigações exigem que as seguradoras cumpram com seus deveres e não busquem subterfúgios para negar o pagamento de sinistros cobertos com exigências indevidas que não caracterizam obrigação contratual.

Aparecido Rocha – insurance reviewer


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