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TOKIO MARINE SEGURADORA

Um enfoque deturpado da boa-fé no contrato de seguro (Destaque)

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Voltaire Marensi - Advogado e Professor Voltaire Marensi - Advogado e Professor

Recentemente a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco confirmou uma decisão que isentou uma seguradora de pagar indenização de carro roubado, rectius, furtado, em local diferente do declarado como pernoite na apólice. Segundo o entendimento daquele colegiado, a divergência de informações teria comprometido a boa-fé objetiva, fundamental em sede de contratos de seguro.

Em entrevistanesta semana, na Rádio Nacional, combati essa decisão que, a meu sentir, destoa de uma correta interpretação do que se entende por boa-fé objetiva plasmada neste contrato relacional.

Valho-me do que escreveu meu saudoso professor, um dos Coordenadores do Código Civil de 2002, Clóvis do Couto e Silva de que “o princípio da boa-fé, no CC brasileiro, não foi consagrado em artigo expresso, como regra geral, ao contrário do previsto no §242 do BGB”.

Ademais, segundo seu magistério,“o próprio tempo, elemento duradouro, se relaciona com a essência do dever de prestação, constituindo uma de suas características a maior consideração à pessoa, partícipe do vínculo, com maior intensidade de deveres, resultante da concreção do princípio da boa-fé”.[1]

Neste norte, doutrinou o professor Emílio Betti, Catedrático da Universidade de Roma:

“En cambio, labuenafecontractual, consiste, no yaenunestado de ignorância, sino en uma actitud de activacooperacion que lleva a cumprir la expectativa ajena, conuna conducta positiva propria, lacual se desarrolla em favor de uninteréseajeno”.[2]

Teria havido no caso concreto uma atitude negativa da segurada em prestar informações à seguradora?

Penso, data vênia, que não.

No voto condutor daquele Tribunal, disse o relator-substituto, Desembargador José Raimundo dos Santos Costa, verbis:

“Portanto, a decisão de 1º grau corretamente reconheceu que cabia à autora a comprovação de ausência má-fé na informação de endereço distinto da realidade. Tal demonstração era essencial para a configuração do direito à indenização securitária. Até porque, o fato de a apelante não ter informado alteração no local de pernoite é uma circunstância que compromete a análise do risco pela seguradora. É necessário reconhecer que a seguradora, ao firmar o contrato, baseia-se nas informações fornecidas pelo segurado para avaliar o risco e calcular o prêmio, e qualquer alteração significativa deve ser informada. Em que pese haver jurisprudência favorável à condenação de pagamento de seguro diante de divergência de endereço, tal entendimento não se aplica ao presente caso. Explico: a diferença de localidade — envolvendo estados distintos — altera significativamenteo perfil de risco calculado pela seguradora”. Grifo Meu.

Prossegue o relator:

“Sobre o tema, destaco julgado relevante:

ALTERAÇÃO NA INDICAÇÃO DO LOCAL DE PERNOITE FORNECIDA PELO SEGURADO QUE INTERFERE DIRETAMENTE NO VALOR DO CALCULO DO SEGURO, DIANTE DO FATOR RISCO, O QUE JUSTIFICA A PERDA DO DIREITO À COBERTURA, UMA VEZ QUE O SINISTRO OCORREU NO REAL LOCAL DO PERNOITE, COMPROVANDO O AGRAVAMENTO INTENCIONAL DO RISCO POR INICIATIVA DO SEGURADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO DE PAGAMENTO DO SINISTRO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL, DETERMINANDO A DEVOLUÇÃO DO VALOR PAGO PELO SEGURO, DIANTE DA VEDAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA COM INVERSÃO DA SUCUMBÊNCIA, NOS TERMOS DO ARTIGO 86 DO CPC. EMBARGANTE QUE ALMEJA REFORMA DO JULGADO QUANTO A DEVOLUÇÃO DO VALOR PAGO PELO SEGURO. QUESTÃO QUE FOI OBJETO DE FUNDAMENTAÇÃO DO V. ACÓRDÃO CONCLUINDO QUE CONFIGURA ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA POR PARTE DA SEGURADORA TAL RETENÇÃO. MATÉRIA JÁ SUPERADA NOS PRESENTES AUTOS. NÃO HÁ NO ACÓRDÃO PONTO OBSCURO, DUVIDOSO, CONTRADITÓRIO OU OMISSO.

Dessa forma, a negativa da cobertura securitária está plenamente respaldada pelo ordenamento jurídico. Consequentemente, não há que se cogitar a ocorrência de danos morais. Entendo que, à luz da análise fática e jurídica, que não há motivos para reforma da sentença recorrida”.

Como enfatizei supra, data vênia, era caso, sim, de reforma da sentença.

Elenco algumas razões que seguem em prol do que julgo adequado e pertinente ao caso concreto.

Invoco aqui ensinamentos deBruno Miragem e Luiza Petersen, hauridos em reconhecidos doutrinadores alienígenas, de que “o reconhecimento da boa-fé e seus efeitos sobre o contrato observa a transmutação de sua concepção subjetiva vinculada mais proximamente à conduta do tomador/ segurado de não falsear ou omitir informações relevantes sobre o risco, ou não favorecer a ocorrência do sinistro – para o a boa-fé objetiva, fonte de novos deveres jurídicos em comum às partes, a partir da lealdade e cooperação que devem presidir a relação entre os contratantes”.[3]Grifomeu.

Entendo, portanto, que não houve omissão de informação relevante dorisco pelo fato do automóvel segurado pernoitar em outro Estado da Federação.

Quid jurisse o segurado(a) viaja de automóvel para um local distante de onde reside? E se cruza a nossa fronteira no Rio Grande do Sul se deslocando até Rivera, uma cidade do Uruguai a mais ou menos 6 horas e 20 minutos de Porto Alegre?

Por excesso de cautela, a segurada poderia ter informado sua seguradora. Não o fez. Haverá uma punição rigorosa de não pagamento da indenização securitária? Penso que não.

Até porque como doutrina J.C. Moitinho de Almeida, ao tratar da prestação de suportação do risco “por haver assumido uma multiplicidade de riscos o segurador nunca perde, compensando-os entre si”.[4]

De outro giro, não há que se falar em alteração significativa do perfildo risco calculado pela seguradora, tal como foi lançado no voto do relator do processo sob comento.

Por amor ao debate, se poderia dizer que se a segurada estivesse deixado seu veículo pernoitando em um lugar ermo, escuro, sem qualquer proteção, estaria agravando significativamente o risco.

Outro clássico exemplo seria deixar a chave na ignição, sem qualquer tipo de cautela.

Isto posto, entendo que a decisão prolatada pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco desafia e oportuniza o aviamento de Recurso Especial por haver literal violação à lei infraconstitucional.

É o que penso.

Porto Alegre, 28 de março de 2025.

Voltaire Marensi - Advogado e Professor

[1] A Obrigação como Processo, 1.976. Apud, Judith Martins Costa. Comentários ao Novo Código Civil, volume V, tomoI, Editora Forense, 2005, página 69. Passim, Voltaire Marensi, O Seguro no Direito Brasileiro, 9ª edição. Lumen/Juris, páginas 49/50.

[2] Teoria General De LasObligaciones, Tomo I, página 77. Editorial Revista de Derecho Privado. Madrid,1.969.

[3] Direito dos Seguros. Editora Forense, 2022, página 167.

[4] O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado. Livraria Sá da Costa Editora. Lisboa, 1971, página 30.


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