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TOKIO MARINE SEGURADORA

Da Transferência Do Interesse (Destaque)

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Voltaire Marensi - Advogado e Professor Voltaire Marensi - Advogado e Professor

Prosseguindo nos comentários sobre a nova lei de seguros, o Capítulo II, na Seção III, cuida da transferência do interesse garantido que implica na cessão do seguro correspondente, obrigando-se o cessionário no lugar do cedente.[1]

O Título II da Parte Especial, no livro I, do Direito das Obrigações, no Capítulo I, trata da cessão de crédito. [2]

Neste pensar, se aplica às inteiras esse instituto no que tange ao novel diploma legal da lei de seguros, ora sob comento.

Irei direcionar meus comentários também à luz de pensamentos filosóficos estribados, quer no direito contractual, quer inserto em uma teoria embasada na justiça.

A cessão do interesse garantido, que implica a sub-rogação do cessionário nos direitos e obrigações do cedente, não se trata de um mero expediente técnico, mas de um desdobramento da teoria contratual e do princípio da autonomia da vontade, presentes desde os escritos de Immanuel Kant. Em sua obra Metafísica dosCostumes[3], Kant estabelece que as relações contratuais derivam da liberdade dos indivíduos em firmar compromissos jurídicos, os quais devem ser respeitados segundo o princípio da reciprocidade. A necessidade de anuência da seguradora para a cessão da apólice decorre, precisamente, dessa exigência de equilíbrio entre as partes, evitando que a vontade unilateral do cedente gere ônus indevidos à contraparte.

Deveras. Esse entendimento se dessume da leiturado enunciado do caput do artigo supramencionado em nota de rodapé.

Incontinenti, seu §1º determina:

“A cessão do seguro não ocorrerá sem anuência prévia da seguradora quando o cessionário exercer atividade capaz de aumentar de forma relevante o risco ou não preencher os requisitos exigidos pela técnica de seguro, hipóteses em que o contrato será resolvido com a devolução proporcional do prêmio, ressalvado, na mesma proporção, o direito da seguradora às despesas incorridas”.

Essa regra estabelece que a cessão (transferência) do seguro para outra pessoa ou empresa depende da aprovação da seguradora se o novo segurado (cessionário) apresentar características que aumentem significativamente o risco ou não atendam aos critérios técnicos exigidos para o contrato. Caso isso ocorra, a seguradora pode recusar a cessão e resolver o contrato.

No entanto, ao resolver o contrato, a seguradora deve devolver a parte proporcional do prêmio (valor pago pelo seguro) ao segurado original, descontando as despesas já incorridas na mesma proporção. Isso garante um equilíbrio entre os direitos do segurado e da seguradora, evitando que esta última fique prejudicada com custos administrativos e operacionais já realizados.

O princípio subjacente a essa previsão ressoa com a noção hegeliana de que as instituições jurídicas devem harmonizar o particular e o universal, como exposto na Filosofia do DireitoporGeorg WilhelmFriedrich Hegel[4].

O contrato de seguro, longe de ser uma simples relação bilateral, insere-se em uma dinâmica coletiva na qual a manutenção da previsibilidade atuarial é fundamental. A anuência da seguradora, nesse sentido, representa um mecanismo de proteção do sistema como um todo, impedindo que a introdução de novos riscos desvirtuem a lógica do mutualismo.

Reza o §2º deste dispositivoem exame:

“Caso a cessão do seguro implique alteração da taxa de prêmio, será feito o ajuste e creditada a diferença à parte favorecida”.

Esse dispositivo expressa o ideal de justiça corretiva, na linha do pensamento aristotélico[5], pois busca restaurar o equilíbrio econômico do contrato diante da modificação subjetiva da relação securitária. Tal adequação financeira reafirma a natureza sinalagmática do pacto, evitando distorções patrimoniais.

Dita o §3º deste artigo:

“As bonificações, as taxações especiais e outras vantagens personalíssimas do cedente não se comunicam com o novo titular do interesse”.

Tal determinação está plenamente alinhada com princípios do direito contratual e securitário. Quando há uma cessão de direitos, o cessionário (novo titular) assume a posição jurídica do cedente, mas apenas naquilo que for transmissível. Vantagens personalíssimas, como bonificações, benefícios exclusivos ou condições especiais que foram concedidas ao cedente com base em sua relação específica com a outra parte, não são automaticamente transferidas ao cessionário.

Cuida-se de princípios considerados intuitu personae, ou seja, concedidas em razão das características específicas do cedente, como seu histórico, perfil de risco ou relacionamento com a instituição. Dessa forma, a transferência do direito não implica necessariamente na transferência dessas condições especiais.

Dita o artigo 109, caput, da nova lei:

“A cessão do seguro correspondente deixará de ser eficaz se não for comunicada à seguradora nos 30 (trinta) dias posteriores à transferência do interesse garantido”.Grifo meu.

É imperioso ressaltar, ao azo, os três planos do fenômeno jurídico,

vale dizer, da existência, validade e eficácia da norma jurídica.

A diferenciação entre esses planos foi proposta pelo jurista alemão Heinrich Zachariae[6], frequentemente apontado como o criador da distinção entre esses três planos, desenvolvido teoricamente no século XIX, influenciando diversos juristas.

No Brasil foi desenvolvido pelo imorredouro Pontes de Miranda em seu Tratado de DireitoPrivado, com 60 alentados volumes da maior profundidade e aprimoramento técnico em nosso direito privado até os dias de hoje. Acredito que essa assertiva seja uma unanimidade entre os nossos atuais juristas.

A Teoria da Escada Ponteana desenvolvida pelo mestre dos mestres, consiste na definição de uma tricotomia de planos que formam um negócio jurídico, sendo eles o da existência, da validade e da eficácia.

Neste último plano, doutrina o jurisconsulto: “A eficácia jurídica é irradiação do fato jurídico; portanto, depois da incidência da regra jurídica no suporte fático, que assim, e só assim, passa a pertencer ao mundo jurídico.[7]

O Código Civil de 2002 não mencionou os requisitos de existência, pois o legislador tratou diretamente a partir do plano de validade, utilizada pela doutrina para o estudo e compreensão do negócio jurídico.

Os atributos das normas jurídicas são relativamente independentes, ou seja, a falta de um ou mais deles não implica, necessariamente, a de outro. Tanto que sua eficácia depende da comunicação do segurado à sua seguradora dentro do prazo de 30(trinta) dias posteriores à transferência do interesse garantido.

O §1º, deste dispositivo em exame, preceitua:

“A seguradora poderá, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da comunicação, resolver o contrato”.

O nosso Código Civil não estabeleceu prazo, mas determina que “a cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada”.

Essa previsão reforça o princípio da segurança jurídica, alinhando-se ao pensamento de John Rawls em Uma Teoria da Justiça[8], na medida em que impõe um prazo certo para a manifestação da seguradora, garantindo previsibilidade às partes

O seu §2º tem a seguinte dicção:

“A recusa deverá ser notificada ao cedente e ao cessionário e produzirá efeitos após 15 (quinze) dias contados do recebimento da notificação”.

Nesta toada diz o artigo do Código Civil:

“Mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita”.[9]

De sorte que, embora não haja prazo preestabelecido em nosso diploma material, a notificação operará efeito quando do recebimento desta notificação como é o caso do que diz o legislador na literalidade da parte final do dispositivo em foco.

Finalizando este artigo da nova lei, enuncia seu §3º:

“Se a seguradora resolver o contrato nos termos do §1º deste artigo, o segurado fará jus à devolução proporcional do prêmio, ressalvado, na mesma proporção, o direito da seguradora às despesas incorridas”.

As bonificações, as taxações especiais e outras vantagens personalíssimas do cedente não se comunicam com o novo titular do interesse.

A vedação da extensão automática de benefícios remete à noção kantiana de que contratos se fundam na individualidade dos sujeitos e não podem ser despersonalizados a ponto de ignorar as condições subjetivas originalmente pactuadas[10]. Trata-se, assim, a meu sentir, da preservação da individualização do risco, um dos pilares da equação atuarial.

Essa disposição está alinhada com princípios gerais do contrato de seguro. Quando a seguradora resolve o contrato antes do término da vigência, o segurado tem direito à devolução proporcional do prêmiopago, correspondente ao período não utilizado da cobertura. No entanto, a seguradora pode deduzir as despesas incorridas, como custos administrativos e de corretagem, de forma proporcional.

Essa norma protege o equilíbrio contratual, evitando que a seguradora retenha valores indevidos e, ao mesmo tempo, garantindo que ela seja ressarcida pelos custos já assumidos. A meu sentir, as condições contratuais específicas previstas na apólice de seguro podem detalhar melhor os critérios exatos dessa devolução.

O artigo 110, da nova lei, determina:

“Nos seguros obrigatórios, a transferência do interesse garantido implica a cessão do seguro correspondente, independentemente da comunicação à seguradora”.

Em se tratando de seguros obrigatórios, a transferência do interesse garantido implicará automaticamente a cessão do seguro correspondente, sem a devida comunicação à seguradora.

A transferência do interesse segurado não exige a anuência da seguradora ou sua comunicação para atualização da apólice. Tal normatização ocorre porque o risco assumido não muda com a nova titularidade. No caso de seguros obrigatórios, a exemplo do DPVAT (quando ainda era vigente) ou o Seguro Habitacional do SFH, havia regras específicas para sucessão e transferência, mas, em geral, a seguradora precisava ser informada.

No norte de um alinhamento filosófico que procurei mesclar neste ligeiro ensaio, a supressão do requisito de comunicação nos seguros obrigatórios remete ao contratualismo de Thomas Hobbes[11], para quem determinados pactos devem prescindir da anuência individual em prol da ordem coletiva. Como o interesse protegido nesses seguros transcende a esfera individual, a imposição de formalidades excessivas poderia comprometer a finalidade social do contrato.

Por fim, no encerramento desta Seção, disse o legislador no artigo 111:

“A cessão do direito à indenização somente deverá ser comunicada para evitar que a seguradora efetue pagamento válido ao credor putativo”.

A comunicação da cessão do direito à indenização à seguradora é recomendável para evitar que o pagamento seja feito ao credor putativo (aquele que aparenta ser o legítimo credor, mas não é mais o titular do direito). É o caso do pagamento feito a credor putativo/aparente, previsto em nosso atual Código Civil.

O princípio aqui envolvido é a da boa-fé objetiva, pois a seguradora, ao desconhecer a cessão, pode realizar o pagamento ao segurado original ou a um beneficiário anteriormente indicado, liberando-se validamente da obrigação. Se isso ocorrer antes da comunicação formal na hipótese elencada neste último dispositivo legal desta Seção, o novo cessionário poderá enfrentar dificuldades para receber a indenização.

Portanto, ainda que a cessão seja válida entre as partes independentemente da anuência da seguradora, a comunicação prevista no vertente artigo em análise, irá evitar problemas práticos garantindo que o pagamento seja feito ao verdadeiro titular do crédito.

Alinhado com princípios filosóficos resultantes nos comentários desta Seção, a disciplina normativa da cessão securitária, ao mesmo tempo em que resguarda a autonomia privada, impõe limites inspirados na justiça contratual e na estabilidade econômica do sistema. O regramento examinado reflete um equilíbrio entre o individual e o coletivo, fundamento essencial da filosofia do direito e das concepções clássicas de justiça.

Porto Alegre, 05 de março de 2.025

Voltaire Marensi - Advogado e Professor

[1]Art. 108 da nova lei.

[2]Artigos 286 a 298 do nosso Código Civil.

[3]Editora Vozes Limitada, 2013.

[4] Princípios da Filosofia do Direito. Editora Martins Fontes, 2003.

[5]Ética a Nicômaco. Livro V. Coleção “Os Pensadores”. São Paulo. Abril Cultural, 1987.

[6]Handbuch des Deutschen Civilprozessrechts, amplamente desenvolvida por Norberto Bobbio em sua Teoria do Ordenamento Jurídico.

[7]Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado. Editor Borsoi. Rio de Janeiro, 1970, volume 5, página 3.

[8]Uma Teoria da Justiça Tradução Almito Pisetta e Lenita Esteves. Editora Martins Fontes, 2000.

[9]Artigo 290 do Código Civil.

[10]Obra citada.

[11]O Leviatã. L&PM Pocket.


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