Furto de veículo. Automóvel utilizado de modo diverso do declarado na apólice de seguro (Destaque)
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
Diante de diversas manifestações postadas por alguns leitores, depois de alguns decisões de Tribunais, a nível de segundo grau, que foram divulgadas na mídia relatando a negativa de indenização securitária a segurados que pernoitaram seus veículos em lugares diferentes dos consignados em apólice de seguro, em dias da semana próxima passada, manifestei meu entendimento sob o tema em pauta.
Neste ensaio pretendo focalizar este tema sob um outro viés, procurando traçar paralelos que guardam sintonia com o que desenvolvi alhures.
Pois bem. Trago à colação apenas dois processos julgados, um deles, mais recente, em agravo em um recurso especial, e outro mais antigo, embargos de declaração em sede de recurso especial, da lavra de dois eminentes ministros do Superior Tribunal de Justiça.
No Aresp 2.642.678, a Relatora, ministra Maria Isabel Gallotti, acolheu a tese de que o local escolhido pela empresa de transporte permitia que o motorista, -que também figurava como coautor -, neste processo, estacionasse o caminhão que conduzia em outro local para pernoite, o que indica que um determinado “posto” (lugar eleito para pernoite)teria sido considerado seguro o suficiente para tal finalidade. Isso teria ocorrido mesmo diante da inconformidade da parte adversa, que sustentava que os motoristas dos caminhões somente poderiam realizar paradas em locais autorizados pela seguradora.
A decisão tomada pelo condutor do veículo da empresa transportadora foi acatada, de vez que não havia no juízo de origem qualquer indício de descuido por parte daquele, atenuado pelo fato de que rastreadores colocados nestes veículos teriam a função de comunicar à seguradora qualquer desvio de rota que tornasse o fato inverossímil com a boa fé do preposto da transportadora.[1]
No outro processo, julgado pelo nosso saudoso ministro gaúcho, Paulo de Tarso Sanseverino[2], a ementa guerreada guardou a seguinte redação:
“Recurso Especial. Processual Civil (CPC/2015). Ação de Reparação de danos materiais, consistente em cumprir contrato de seguro e reparação de danos morais. Contrato de seguro automóvel. Negativa de cobertura securitária. Divergência quanto ao endereço do veículo segurado. Má-fé não comprovada. Acordão recorrido em consonância com o entendimento desta Corte Superior. Revisão de matéria fático-probatória. Impossibilidade. Súmula 07/STJ. Recurso especial não conhecido”.
A parte embargante, em suas razões, alegou, em síntese, omissão da decisão embargada no que tange à “ausência de boa-fé do segurado, que é intrínseca à divergência de informações quanto ao CEP de pernoite do veículo encerrando dever legal objetivo do segurado e seguradora, prescindindo de qualquer demonstração da intenção do autor de agir de modo vil[3].
Vou pinçar desta decisão, apenas dois excertos, desta decisão que rejeitou os embargos de declaração.
O primeiro deles afirmou que a recorrente, uma empresa seguradora, em sede de recurso especial, alegou ofensa aos artigos 765 e 766 do atual Código Civil, aliás, objeto de meus comentários sobre o Novo Marco Legal de Seguros, que na futura lei está mais detalhada,[4] em seu caput do artigo 9º e seus respectivos parágrafos.
Diz o caput deste artigo:
“O contrato cobre os riscos relativos à espécie de seguro contratada”. A redação do §1º é a seguinte:
“Os riscos e os interesses excluídos devem ser descritos de forma clara e inequívoca”. Este parágrafo se encontra em perfeita sintonia com a Seção III – Dos Contratos de Adesão do Código de Defesa do Consumidor.[5]
Retornando ao centro da decisão, o ministro registrou que o segurador só poderia exonerar-se de sua obrigação se ficasse comprovado dolo ou má fé do segurado, consoante prevê o art. 768 do CC. Logo, não tendo a parte ré se desincumbido em comprovar a conduta dolosa por parte do autor, não poderia a seguradora deixar de efetuar o pagamento da indenização relativa ao acidente envolvendo o veículo segurado.
Mais, disse:
“O cerne da controvérsia cinge-se ao fato de saber se a declaração inexata relativa ao endereço de pernoite do veículo segurado é capaz de excluir a indenização securitária. Ora, sobre o tema, convém destacar o entendimento desta Corte Superior, qual seja, o de que a penalidade para o segurado que agir de má fé, ao fazer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta pela seguradora ou na taxa do prêmio, é a perda do direito à garantia na ocorrência do sinistro”.
Finalizando seu entendimento com base em outros precedentes daquele tribunal, arrematou:
Ademais, prossegue a decisão, “resta patente que a pretensão da recorrente – seguradora – não merece acolhida, uma vez que, analisar se o recorrido – segurado- ao não informar, de modo preciso e correto, o verdadeiro endereço de pernoite do veículo segurado, teria agido com dolo ou má fé, demandaria o revolvimento do conjunto fático – probatório dos autos, providência vedada nesta sede especial a teor da Súmula 07/STJ”.
Pelas breves razões acima esposadas, em ambas as decisões, se vislumbra que a falta do dever de informação à seguradora deve ser interpretada cumgrano salis, em vernáculo, com certo grão de sal, ou seja, com bastante reserva e cuidado atentando para os fatos evidenciados no decorrer do caminho processual.
Em síntese apertada: a boa-fé é fundamental como princípio básico para negar, ou liberar a indenização securitária, pela eventual e aleatória mudança de pernoite do veículo segurado. Para isto que a nova lei é bastante clara quando fala em ajustamento do prêmio, se for o caso.
É o que penso.
Porto Alegre, 02/04/2025
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
[1]DJe 12/10/24.
[2]EDcl no Recurso Especial nº 1.772.522- RJ.
[3]DJe 13/02/2019.
[4] Lei nº 15.040/2024.
[5] Lei nº8.087/1990, § 4º do artigo 54.
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