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A Liquidação Extrajudicial nas Seguradoras e na Previdência Complementar

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Voltaire Marenzi - Advogado e Professor Voltaire Marenzi - Advogado e Professor

Ao ensejo de recente pauta referentemente ao julgamento em sede de um recurso especial sob número 1.852.165/MG, Antonio Carlos Ferreira, que inclusive trabalhou nesta área securitária, antes de ser designado Ministro do Superior Tribunal de Justiça, na condição de relator na Quarta Turma, em data de 23/04/2024, através de votação unânime, deu parcial provimento ao recurso de uma instituição financeira, em sede de liquidação extrajudicial, nos termos assim ementado pelo voto condutor.

FALÊNCIA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. REGIMES DE RESOLUÇÃO DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. PRÉVIA SUBMISSÃO A REGIME DE LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. RISCO SISTÊMICO DE PREJUÍZOS SOCIOECONÔMICOS. PEDIDO DE FALÊNCIA PELO LIQUIDANTE.

AUTORIZAÇÃO DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. ART. 21, ALÍNEA "B", DA LEI 6.024/1976. ACIONISTAS EX-ADMINISTRADORES E CONTROLADORES. LEGITIMIDADE. ASSISTÊNCIA LITISCONSORCIAL SUI GENERIS. ART. 103 DA LEI N. 11.101/2005. FALÊNCIA COMO PROCESSO ESTRUTURAL. AUTORIZAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL PARA O PEDIDO DE AUTOFALÊNCIA. ART. 122, IX, DA LEI N. 6.404/1976. DESNECESSIDADE. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. ATRIBUIÇÃO EXCLUSIVA DO LIQUIDANTE. TEORIA DA CAUSA MADURA. REQUISITOS. IMPOSSIBILIDADE DE REANÁLISE. CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7 DO STJ. RECURSO PROVIDO EM PARTE.

  1. Cinge-se a controvérsia jurídica a definir se os acionistas ex-administradores e controladores de instituição financeira têm legitimidade para intervir no processo de falência instaurado a pedido do liquidante e se há necessidade de prévia autorização da assembleia geral.
  2. Instituição financeira submetida a regime especial de liquidação extrajudicial decretado pelo Banco Central do Brasil, fundado no comprometimento de sua situação econômico-financeira e na existência de graves violações às normas legais e estatutárias que disciplinam sua atividade, além da ocorrência de sucessivos prejuízos que sujeitavam seus credores quirografários a riscos anormais. Posteriormente, devido à existência de integração, manifestada pela administração comum e pela relação de controle, foi decretada a liquidação extrajudicial, por extensão, a outras instituições financeiras.
  3. Em primeiro grau de jurisdição o processo foi extinto, sem resolução do mérito, em virtude da ausência de autorização da assembleia geral, nos termos do art. 122, IX, da Lei n. 6.404/1976. Apelação dos acionistas ex-administradores e controladores, na qualidade de terceiros interessados, não conhecida.
  4. Admitida a existência de interesse jurídico apto a permitir a intervenção de terceiro pela assistência em qualquer fase do processo judicial, não se pode repeli-la em relação aos mesmos intervenientes na fase recursal, ao argumento de que não demonstrado o interesse jurídico. Ademais, a intervenção da falida – ou dos acionistas ex-administradores ou controladores – constitui modalidade de assistência litisconsorcial sui generis, em razão da possibilidade de colisão ou divergência com os interesses da massa.
  5. Os direitos do falido foram expressamente previstos no art. 103 da Lei n. 11.101/2005 porque, com a decretação da quebra, ele perde o direito de administrar seus bens ou deles dispor, passando a geri-los o administrador judicial nomeado pelo juiz ou, na hipótese de falência de instituição financeira, o liquidante previamente nomeado pelo Banco Central do Brasil.

5.1. Isso não significa, contudo, que o empresário ou sociedade falida sejam extintos ou percam a capacidade processual, tanto que os dispositivos legais em referência permitem fiscalizar a administração da falência, adotar providências necessárias para a conservação de seus direitos ou dos bens arrecadados ou ainda intervir nos processos em que a massa falida seja parte ou interessada.

  1. Não se pode recusar, outrossim, a legitimidade da falida ainda na fase cognitiva ou pré-falimentar. Com efeito, se a lei confere determinados direitos à massa falida no que tange à fiscalização da administração da massa e ao zelo pela conservação de seus direitos e bens arrecadados, com muito mais razão pode opor-se à própria decretação da falência, momento em que o Poder Judiciário se volta a verificar o estado patrimonial do devedor e a constatação da insolvência.
  2. Diversos efeitos jurídicos da quebra em relação aos acionistas ex-administradores e controladores revelam interesse jurídico em intervir no feito e impugnar a decretação da falência. Doutrina e precedentes do STJ.
  3. A falência constitui processo em que se relacionam múltiplos interesses que circundam a companhia e mesmo o interesse público de tutela do crédito e do saneamento do mercado em contraposição ao interesse da própria falida, muitas vezes colidente com o destino liquidatório, permitindo-se qualificá-la como processo estrutural, multifacetado e policêntrico, com interesses plurais e setoriais que demandam um desencadeamento decisório especial que contemple os diversos atores e perfis envolvidos.

Nesse contexto, é imperioso reconhecer a legitimidade dos sócios e, sobretudo, dos administradores, para acompanhar o procedimento e conduzir seus interesses para que sejam sopesados na arena decisional.

  1. A criação de regimes de resolução específicos para as instituições financeiras – intervenção, liquidação extrajudicial e regime de administração especial temporária – justifica-se pela peculiar função que estas entidades exercem no sistema de crédito e sua liquidez. A legislação atribui um conjunto de prerrogativas e deveres ao Banco Central do Brasil para monitorar e assegurar o regular funcionamento das instituições que compõem o Sistema Financeiro Nacional, com procedimentos especiais no caso de riscos sistêmicos de prejuízos socioeconômicos, cabendo à autarquia a sua condução.
  2. O regime de liquidação extrajudicial constitui uma das modalidades do sistema de resolução das instituições financeiras, procedimento administrativo que se assemelha à falência - especialmente em razão de sua finalidade - e visa, por conseguinte, à remoção da instituição financeira e à paralisação de suas atividades.
  3. A decretação da liquidação extrajudicial implica, automaticamente, o afastamento dos administradores da instituição financeira (art. 50 da Lei n. 6.024/1976). Consequentemente, o pedido de falência da instituição financeira submetida a regime de liquidação extrajudicial compete exclusivamente ao liquidante, mediante autorização do Banco Central do Brasil, excluindo-se, a partir da decretação da liquidação, a legitimidade da própria instituição financeira, seus acionistas ou credores.
  4. Em se tratando de falência decorrente de anterior procedimento de liquidação extrajudicial, não há exigência da prévia autorização da assembleia geral, como prevê o art. 122, IX, da Lei n. 6.404/1976. A Lei n. 6.024/1976 é norma especial em relação à Lei n. 11.101/2005 – que prevê procedimentos recuperatório e liquidatório da generalidade das sociedades empresárias e empresários -, afastando-se, pelo princípio da especialidade e pelas peculiaridades dos procedimentos resolutórios das instituições financeiras, a disposição da legislação das companhias.
  5. O Tribunal a quo rechaçou a teoria da causa madura, prevista no art. 1.013, § 3º, do CPC/2015, determinando a devolução dos autos ao primeiro grau de jurisdição. Nesse contexto, “a verificação da presença dos requisitos configuradores da causa madura - consistente na circunstância de a instrução probatória estar completa ou ser desnecessária – demandaria o reexame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada na via estreita do recurso especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ”

(AgInt no REsp 1741282 / SP, Rel. Min. MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgamento 28/11/2022, DJe 02/12/2022).

  1. Ausência de cognição da matéria concernente aos requisitos do pedido de autofalência pelo Tribunal de origem que impede a apreciação da questão em recurso especial.
  2. Recurso provido em parte. Destaco. Grifo meu.

Registro, de início, que a liquidação extrajudicial é uma medida relativamente comum nas seguradoras e nas entidades de previdência complementar. Dada a complexidade e os riscos inerentes às atividades financeiras e previdenciárias, a ocorrência desse tipo de liquidação é indicativa da necessidade de supervisão rigorosa e de mecanismos de controle que previnam falhas que possam levar à insolvência.

Embora se cuide de uma medida drástica, a liquidação extrajudicial é crucial para manter a integridade e a estabilidade do sistema, mormente quando estamos vivendo um mormente de grandes Reformas em todos os segmentos do mercado de capitais.

Através do que está transcrito na ementa sub judice, desejo neste artigo ressaltar apenas dois pontos que julgo importantes consignar, ao azo, de breves comentários ao tema por mim proposto.

O primeiro deles diz respeito ao artigo 104 da lei 11.101/2025 e a sua analogia com o artigo 122, IX da Lei 6.4404/1976, que operam em fases diferentes do processo de insolvência.

Deveras. A Assembleia Geral tem competência para deliberar sobre o início de um processo de recuperação ou falência, mas, após a decretação desta, a administração passa a ser de responsabilidade do administrador judicial, conforme determinado pela lei 11.101/2005. Destarte, a meu sentir, não há um conflito irreconciliável, mas sim uma sequência lógica de atuação entre as duas legislações em foco, consoante se dessume do que foi exarado no julgado acima transcrito.

A outra situação alvitrada se relaciona com os termos plasmados no caput do § 3º do art. 1.013 do CPC, tal qual preleciona Daniel Amorim Assumpção Neves, no sentido de que “o tribunal decidirá desde logo o mérito quando o processo estiver em condições de imediato julgamento, consagrando a chamada “teoria da causa madura”, do revogado art.515, § 3º do CPC/1973.[i]

Em outras palavras, a “causa madura” é aquela que está pronta para ser julgada, não necessitando de um retorno à fase de instrução ou análise em primeira instância. O objetivo dessa previsão é evitar a demora processual e promover uma maior celeridade no julgamento do mérito da ação.

Aliás, em sua conhecida e divulgada obra[ii], o renomado processualista Cândido Rangel Dinamarco, já preconizava e discutia as preocupações com a lentidão do sistema judiciário brasileiro e a necessidade de reformas para torná-lo mais eficiente.

Pois bem. Direto e rente aos fatos no que diz respeito a liquidação extrajudicial se cuida de um instituto com um mecanismo jurídico importante para a proteção dos interesses dos segurados e beneficiários, especialmente em setores tão sensíveis como o de seguros e da previdência complementar. Este processo é aplicado quando uma seguradora ou entidade de previdência complementar enfrenta dificuldades financeiras graves e, consequentemente, não consegue mais honrar suas obrigações com seus clientes e credores.

A liquidação extrajudicial é fundamentada na necessidade de se preservar a ordem econômica e financeira, garantindo que os contratos de seguros e de previdência complementar sejam cumpridos mesmo em situações de insolvência. A legislação brasileira, por exemplo, prevê que o Banco Central e a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP - possam intervir nas instituições financeiras e seguradoras quando identificarem a incapacidade destas de continuar operando de forma segura e regular.

O processo de liquidação extrajudicial é regido por normas específicas que visam proteger o interesse público e evitar um colapso financeiro que possa impactar um grande número de indivíduos e a economia em geral. A legislação estipula que, uma vez decretada a liquidação, a administração da empresa é substituída por um liquidante nomeado pela autoridade competente, que assume a responsabilidade de gerenciar a dissolução da empresa, apurar o passivo, realizar os ativos e liquidar as obrigações devidas.

No caso de seguradoras, a liquidação extrajudicial assegura que os segurados não sejam prejudicados pela má gestão ou pela insolvência da empresa. Os ativos da empresa são direcionados para o pagamento das indenizações e benefícios devidos, minimizando o impacto sobre os clientes.

A liquidação extrajudicial evita que uma situação de insolvência se espalhe para outras empresas do setor, mantendo a confiança do público e a estabilidade do mercado. Em um cenário de previdência complementar, essa medida é essencial para garantir que os planos de aposentadoria dos participantes sejam mantidos na medida do possível.

Nesta senda se proporciona um processo mais rápido e eficaz em comparação com a liquidação judicial, que tende a ser mais demorada e onerosa. Isso é crucial para garantir que os credores e beneficiários recebam os valores devidos sem a necessidade de longos processos judiciais.

Evitar o colapso de uma seguradora ou de uma entidade de previdência complementar por meio da liquidação extrajudicial ajuda a manter a confiança na economia, prevenindo que uma crise em uma única instituição se transforme em uma crise sistêmica.

Este instituto jurídico desempenha um papel vital na proteção do interesse público, especialmente em setores como o de seguros e previdência complementar, onde a falência de uma empresa pode ter consequências severas para um grande número de pessoas. Ela é uma ferramenta que busca equilibrar a necessidade de proteger os consumidores com a estabilidade do sistema financeiro, proporcionando uma saída ordenada para empresas em dificuldade e garantindo, na medida do possível, que os compromissos com segurados e beneficiários sejam cumpridos.

Enfim. Em casos de crise financeira, essas instituições centenárias deverão ser descontinuadas de maneira organizada, razão pela qual a Reforma Tributária e consequentemente do Sistema Financeiro em sua integralidade sejam minimizados com os impactos negativos sobre os segurados, participantes e do próprio sistema em seu todo.

É o que penso.

Porto Alegre, 26 de agosto de 2024.

Voltaire Marenzi - Advogado e Professor

[i] Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo, 9ª edição, editora JusPODIVM, 2.024, página 1.861..

[ii] Celeridade do Processo, publicada em 1966.


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