Brasil,

Cláusulas Contratuais Ambíguas e Contraditórias no Contrato de Seguro (Destaque)

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Voltaire Marenzi - Advogado e Professor Voltaire Marenzi - Advogado e Professor

Examinando julgamento proferido em um Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça[1], Relatora Ministra Fátima Nancy Andrighi, em relação ao tema sub judice, encontrei sete acórdãos[2], posto que o entendimento da matéria em pauta foi no sentido de que a maioria dos ministros componentes desta Turma entendeu, que “não houve o revolvimento do arcabouço fático-probatório nestes autos, porquanto o seu objeto se limitou à redefinição do enquadramento jurídico dos elementos expressamente narrados pelas instâncias ordinárias, não se aplicando o óbice da Súmula 7/STJ [...]"[3].

No processo em tela cuidou-se de averiguar se a existência de cláusulas contratuais ambíguas e contraditórias tipificadas em apólices de seguro deverá a seguradora pagar, ou não, a indenização securitária.

O voto vencido inaugurado pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva entendeu que não seria “possível o conhecimento do recurso especial em que se discute o ônus da prova acerca de sinistro, na hipótese em que o Tribunal a quo consignou que o arcabouço probatório da demanda não permitiria concluir se o dano se originou de algum fator externo, não se configurando, destarte, o sinistro para fins de indenização securitária”.[4]

Isso porque, consoante seu entendimento, “chegar à conclusão diversa exigiria o reexame de fatos e provas, o que seria inadmissível na via do recurso especial, em virtude da aplicação da Súmula 7 da Corte, com precedentes insertos no AgInt no Aresp 2162381-SP, AgInt no Aresp 1950665, AgInt 1644649-RJ e no AgRg no Aresp 528194-PR”.[5]

A questão, segundo minha ótica, é de que a constatação de cláusulas ambíguas e contraditórias podem, sim, aparecer em apólices de seguro, e isso se torna inclusive um tema relevante até no direito comparado. Em verdade, quando se trata de interpretar contratos de seguro, o princípio fundamental é proteger os interesses do segurado, que, via de regra, é a parte mais vulnerável.

Todavia, alguns aspectos importantes desse tema devem ser sublinhados.

No direito de diversos países, há o princípio conhecido como contra proferentem, que significa que, em casos de ambiguidade, as cláusulas serão interpretadas contra a parte que as redigiu, ou seja, a seguradora. Essa situação protege o segurado de possíveis abusos ou falta de clareza no contrato.

O nosso Código de Defesa do Consumidor – CDC - aplica o princípio contra o redator, reforçando a interpretação mais favorável ao consumidor quando houver dúvidas quanto ao significado das cláusulas, já que “deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão”.[6] É o que também consta expressamente em nosso Código Civil : “quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente” [7], aliás devidamente enfatizado pela ministra relatora em seu voto vencedor.

O princípio adotado, ou seja, contra proferentem também é amplamente aceito em vários países, principalmente em Estados com forte regulação de proteção ao consumidor. Apólices de seguro são interpretadas a favor do segurado se houver ambiguidade e contrariedade.

O direito inglês segue o princípio de forma semelhante, embora existam esforços para que as apólices sejam mais claras para evitar disputas jurídicas.

Muitos sistemas jurídicos também adotam a interpretação das cláusulas de forma razoável, levando em conta o propósito do contrato e a expectativa legítima do segurado. A boa fé é um princípio universalmente aceito no direito contratual, que exige que todas as partes ajam de maneira honesta e sem intenções ocultas.

No mesmo sentido o Código Civil francês adota a boa-fé como um princípio norteador em todos os contratos.

Deveras. Quando é tratado os Efeitos das Obrigações, está dito, verbis:

Les conventions légalement formées tinnent lieu de loi à ceux qui les ont faites.

........

Alles doivente être exécutées de bonne foi.[8]

Nesta orientação comunga o Code des Assurances[9],item 3) “preuve de l’intention frauduleuse. La bonne foi se présumant, la charge de la preuve de l’intention frauduleuse incombe à la partie qui exige l’application de l’article 121-3”.[10]

Cláusulas ambíguas podem ser ajustadas para refletir a intenção das partes e proteger o segurado.

As cláusulas que limitam ou excluem a cobertura devem ser redigidas de forma clara e destacada nas apólices. No direito comparado, há uma tendência de interpretar essas cláusulas estritamente contra a seguradora, especialmente se não foram claramente explicadas ao segurado.

As cláusulas limitativas de direitos precisam ser redigidas com destaque e a seguradora tem o dever de informar o segurado sobre essas limitações.

Diretrizes como a Diretiva de Contratos de Seguro de Consumo exigem transparência e clareza nas cláusulas contratuais.

Se houver cláusulas contraditórias dentro de uma apólice, os tribunais tendem a resolver o conflito interpretando a apólice de forma a proporcionar cobertura ao segurado, evitando uma interpretação que resulte na negação de direitos.

Nos Estados Unidos, o tribunal pode descartar uma cláusula excludente se ela contradizer outra disposição que concede cobertura. Isso visa assegurar que o segurado não seja prejudicado por falhas na redação do contrato.

Em resumo, a presença de cláusulas ambíguas ou contraditórias nas apólices de seguro ocorre em diversos países, mas o direito comparado tende a proteger o segurado, exigindo clareza e favorecendo interpretações que garantam a cobertura contratada.

Essa influência é notável na sistematização e na forma como as obrigações são tratadas, como a estrutura de contratos, responsabilidade civil e teoria das obrigações.

A boa-fé é um princípio fundamental no Direito Civil Brasileiro, especialmente na parte das obrigações e contratos, que também é fortemente influenciada pelo Direito Alemão. No Bürgerliches Gesetzbuch (BGB), a boa-fé ou "Treu und Glauben" é um princípio central que permeia as relações contratuais e o cumprimento das obrigações, impondo que as partes ajam com lealdade e consideração aos interesses recíprocos.

É o que prevê o §242 do BGB- “prestación según buena fe: El deudor está obligado a cumplir la prestación según las exigências de la buena fe conforme a los usos del tráfico”.[11]

Em nosso Código Civil, a boa-fé objetiva foi adotada como um princípio geral de conduta, exigindo que as partes em um contrato se comportem de maneira honesta e leal durante todas as fases contratuais: negociação, execução e pós-contratual. Isso significa que os contratantes devem agir com transparência e sem intenção de prejudicar o outro, além de possibilitar a revisão ou rescisão do contrato em casos de abuso.

Portanto, a influência do Direito Alemão é clara na forma como o Brasil aborda a boa-fé, especialmente na sistematização e no uso do princípio para limitar abusos e promover justiça nas relações jurídicas.

Enfim. Até mesmo a teoria da culpa e as regras sobre inadimplemento contratual no Brasil têm inspiração no modelo alemão. No entanto, o Código Civil brasileiro também incorporou elementos do Direito Romano e de outros sistemas jurídicos, como o francês e o italiano, que também possui um Código de Seguros[12] criando uma síntese própria adaptada ao contexto brasileiro.

É o que penso, s.m.j.

Porto Alegre, 27/10/2024.

Voltaire Marenzi - Advogado e Professor

[1] Resp 2150776

[2] Site. Stj.jus.br. Pesquisa jurisprudencial.

[3] Precedentes da Terceira Turma, julgado em 8/2/2022, DJe de 2/3/2022 e AgInt no AREsp n. 2.103.156/DF; Quarta Turma, julgado em 12/3/2024.

[4] Voto que inaugurou a divergência.

[5] Excerto do voto vencido.

[6] É o parágrafo quarto do art. 54 do CDC.

[7] Art. 423 do atual Código Civil.

[8] Art. 1134. De L’Effet des Obligations.

[9] Art. L. 121-3.

[10] Code des assurances. LexisNexis. Litec, deuxième édition, pág.143.

[11] Códido Civil Alemán. Marcial Pons. Traducción Dr. Albert Lamarca Marquês, página 77, 2008. Madrid/Barcelona/ Buenos Aires,

[12] Codice delle Assicurazioni private. D.Is. 7 settembre 2005, n.209.


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