Sub-rogação no contrato de seguro (Destaque)
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
A sub-rogação no contrato de seguro é um tema de relevância no direito securitário e tem como finalidade evitar o enriquecimento indevido do segurado e garantir o equilíbrio econômico-financeiro das seguradoras. No Brasil, a sub-rogação é disciplinada em nosso atual Código Civil e nas normas regulamentares de seguros, representando um importante mecanismo de proteção do interesse coletivo e do funcionamento saudável do mercado de seguros.
A sub-rogação é a transferência de direitos de crédito do segurado para a seguradora, após o pagamento da indenização. Trata-se de uma cessão legal de direitos e obrigações que ocorre automaticamente com o pagamento da indenização, dispensando o consentimento do segurado.
Diz o artigo 786 do vigente Código Civil:
“Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano."
Nesse sentido, a sub-rogação confere à seguradora o direito de buscar o ressarcimento do prejuízo junto ao causador do dano, preservando o equilíbrio contratual e impedindo que o segurado seja duplamente indenizado.
A sub-rogação tem como fundamento jurídico o princípio da restituição e da reparação integral, bem como de outro, vale dizer, de evitar o enriquecimento sem causa. Por esses princípios, o segurado não pode receber duplamente a indenização – tanto do segurador quanto do causador do dano. Assim, a sub-rogação impede que o segurado obtenha um benefício injustificado transferindo à seguradora o direito de ação regressiva contra o terceiro causador do dano.
Essa prerrogativa evita que os custos decorrentes de indenizações impactem os prêmios de seguros e, assim, protejam o mercado e os segurados de aumentos arbitrários.
Para que a sub-rogação seja válida, devem ser observados alguns requisitos essenciais, que julgo oportunos elencar:
- Pagamento da indenização: A sub-rogação só ocorre após o pagamento da indenização ao segurado, o que transfere o direito de regresso à seguradora.
- Existência de terceiro responsável: É necessário que o dano tenha sido causado por um terceiro, de forma a permitir a ação regressiva.
- Proporcionalidade: A sub-rogação é limitada ao valor da indenização paga pela seguradora, impedindo que esta reivindique um valor superior ao desembolsado.
Por ocasião da comemoração dos 100 anos da Revista dos Tribunais a conceituada Editora lançou uma coleção, que reproduziu artigos, pareceres, comentários e estudos jurídicos em geral publicados nesta Casa desde 1912.[1]
Nesta coleção há um artigo de minha autoria que trata do tema posto que vou procurar desenvolver, resumidamente, em sede mais atual.
Iniciei aquele ensaio, numa atitude de ousadia, combatendo uma decisão prolatada aos 28.06.1.990, quando a Egrégia 3ª Turma do STJ assim ementou:
“Direito Marítimo – Ação de reembolso de seguro pago – Protesto interruptivo da prescrição. O segurador pode manifestar protesto interruptivo da ação de reembolso do seguro, antes mesmo de sua sub-rogação nos direitos do segurado pelo pagamento, à semelhança do titular de direito eventual expectativo, que pode exercer os atos destinados a conservá-lo enquanto perdurar condição suspensiva”.[2]
Manifestei-me, ao azo, de modo contrário, nos seguintes termos:
“O negócio jurídico contrato de seguro se considera perfeito e acabado com a prestação a cargo das partes, vale dizer, mediante a paga de um prêmio (pelo segurado) e expedição da apólice (pelo segurador), na qual estaria corporificada o montante dos riscos futuros, a serem indenizados na hipótese de sinistro (art. 1.432)”.[3]
Com o advento do nosso atual Código Civil referido instituto jurídico, vale dizer, do contrato de seguro, está contemplado em um outro dispositivo, artigos 757 e seguintes.
De sua vez, o instituto da sub-rogação também se encontra plasmado em outro dispositivo, isto é, no artigo 786 do atual Código Civil.[4]
A doutrina jurídica destaca que a sub-rogação no seguro é uma forma de cessão de direitos com características peculiares, pois ela ocorre por força de lei, dispensando a anuência do segurado.
O Código Beviláqua, enfatizava que a sub-rogação[5] seria uma forma de proteção ao patrimônio do devedor assegurando direitos de terceiros interessados, além de regulamentar o equilíbrio entre credores em relação a uma mesma dívida.[6]
Pontes de Miranda dedicou-se a explicar a teoria da sub-rogação com um enfoque teórico-prático, discutindo, por exemplo, as consequências daquela em relação à sucessão dos direitos do credor original e à extensão das garantias associadas ao crédito,[7] imbricado também no contexto do contrato de seguro, que, em seu entender, visava o equilíbrio das relações econômicas nele envolvidas.[8]
A jurisprudência brasileira consolida o entendimento de que a sub-rogação em seguros visa evitar o enriquecimento sem causa. Em decisões do Superior Tribunal de Justiça – STJ - como nos Recursos Especiais 1.329.689/PR e 1.346.259/SP, a Corte reafirma que a seguradora tem legitimidade para exercer o direito de regresso contra o terceiro causador do dano, nos limites da indenização paga.[9]
Outrossim, julgo oportuno trazer à colação o que assinalei em meu ensaio supracitado:
“Neste particular, ao tratar do pagamento da indenização a cargo do segurador, mestre Antigono Donati assim preleciona: Con respecto al primer presupuesto – el pago del segurador – es necessario que éste haja pagado efetivamente al que tiene derecho; que se trate de pago derivado del contrato de seguro; que la indenización haga referenciá al daño del cual es responsable el terceiro. La carga de la prueba del pago incumbe al segurador: es suficiente la exhibición del recibo y unicamente cuando com éste no resulte claro el título por el cual se hizo el pago sera necessária la exhibición del contrato. (Los Seguros Privados. Barceloria, 1.960, páginas 302/303”.[10]
Enfatizando mais adiante aquele estudo que critiquei à época a decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, lá acentuei que seria “conditio imprescindível que o pagamento da indenização tenha sido efetivado para que a seguradora se sub-rogue nos direitos de seu segurado. ”[11]
Neste pensar, registrei excerto do que disseram M. Picard e André Besson: “La condition essentielle de la subrogatione est le paimente de l’ indemnité, car ce paimente em est le fait générateur”. (Les Assurance Terrestres, 4ª ed., 1975, página 505).[12]
Portanto, a sub-rogação no contrato de seguro é um instituto jurídico de grande relevância para o direito securitário brasileiro. Sua aplicação prática permite que a seguradora recupere os valores pagos a título de indenização, promovendo o equilíbrio financeiro dos contratos de seguro e a justa reparação pelos danos causados por terceiros. A sub-rogação protege o sistema de seguros, garantindo a continuidade e sustentabilidade do mercado, em benefício dos segurados e da sociedade.
O entendimento doutrinário e jurisprudencial reforça que a sub-rogação é um mecanismo essencial para o funcionamento adequado das relações de seguro, promovendo tanto a proteção do segurador quanto o princípio da equidade nas indenizações.
Deveras. Já no direito expectativo se cuida de uma situação jurídica distinta em que o titular possui a expectativa de adquirir um direito futuro, mas ainda não tem um direito plenamente constituído. Este conceito é importante em contratos de seguros, pois, dependendo da interpretação e da situação fática, pode-se questionar a possibilidade de indenização em caso de sub-rogação do segurador, ou seja, a transferência ao segurador do direito de indenização do segurado.
Em boa doutrina, a sub-rogação é compreendida como um instituto em que, após pagar a indenização ao segurado, o segurador substitui o segurado em relação aos direitos de cobrança contra terceiros responsáveis pelo sinistro. No entanto, para que o segurador tenha êxito ao cobrar de terceiros, é necessário que o direito do segurado seja certo, atual e exigível no momento em que ocorreu o dano.
O direito expectativo, por definição, não representa uma situação jurídica plena e exigível; é um direito potencial, que depende da ocorrência de condições ou eventos futuros. Doutrinadores ressaltam que, na falta de um direito certo, não haveria o que sub-rogar, uma vez que o direito de exigir reparação de um terceiro só nasce em condições de certeza e completude jurídica.
Impende, todavia, sublinhar que este é o entendimento predominante, pois um direito meramente expectativo não conferiria ao segurador sub-rogado uma base sólida para exigir indenização. Isso ocorre porque, sem um direito adquirido e completo do segurado, não haveria o que transferir ao segurador.
No Superior Tribunal de Justiça o entendimento majoritário segue uma linha similar à da doutrina. Em diversas decisões, o STJ reafirma que a sub-rogação somente pode ocorrer em relação a direitos reais e efetivos, e não a direitos meramente potenciais ou esperados.
Exemplo disto é que no REsp 1.201.993/SP, o STJ destacou que a sub-rogação permite ao segurador ingressar com a ação para reaver o valor indenizado, mas apenas se o direito do segurado for certo, líquido e exigível. Em casos onde o direito é apenas uma expectativa verbi gratia, aguarda-se uma decisão judicial para consolidá-lo, impera a casuística da sub-rogação não se concretizar.
Da mesma maneira colhe-se este entendimento no Resp 943.811/PR, pois o Tribunal foi claro ao afirmar que a sub-rogação exige um direito plenamente configurado. Em casos em que o segurado não tinha o direito completo, este Tribunal entendeu por decidir que o segurador não poderia exercer ação contra terceiros com base em uma mera expectativa de direito.
No Agrg no Aresp 857.368/SP, aquele Tribunal, infraconstitucional, reafirmou que a sub-rogação do segurador não se aplica quando o direito do segurado é condicionado ou potencial. Em linhas gerais, a decisão confirma que a mera expectativa de um direito não tem aptidão jurídica para sustentar o exercício de uma ação de cobrança por parte do segurador sub-rogado.
A jurisprudência e a doutrina indicam, portanto, que o direito expectativo, por si só, não gera um direito de indenização para o segurador sub-rogado. Para que o segurador possa exercer o direito de sub-rogação, é necessário que o segurado tenha um direito certo e consolidado no momento do sinistro, ou seja, um direito que não dependa de condições ou eventos futuros para ser exercido. Isso consolida o entendimento que expus a quase 4 lustros, visando garantir a segurança jurídica e a integridade da posição jurídica tanto do segurado quanto do segurador e de eventuais terceiros responsáveis.
É o penso, s.m.j.
Porto Alegre, 4 de novembro de 2024.
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
[1] Edições Especiais. Revista dos Tribunais. 100 anos. Doutrinas Essenciais. Obrigações e Contratos. Volume VI. Editora Revista dos tribunais Ltda, 2ª tiragem, 2011, página 835.
[2] A Sub-Rogação no Contrato de Seguro, página 835. Apud obra citada.
[3] In, página e obra citada com alusão ao CC de 1.916/17.
[4] Código Civil 2001/02. Código Reali.
[5] Artigo 988 do anterior CC.
[6] Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Segundo Volume. Livro III. Do Direito das Obrigações.
[7] Tratado de Direito Privado, volume 25.
[8] Obra citada, volume 45.
[9] Sítio STJ. Consulta processual.
[10] Ensaio citado, página 836.
[11] Bis in idem.
[12] Ibidem.
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