Deveres de Informação no Contrato de Seguro e Inspeção Prévia
Voltaire Marenzi - Advogado e Professor
Diante de algumas dúvidas e entendimentos sobre a aplicabilidade de determinadas cláusulas em apólices de seguro, quero registrar meu entendimento sobre a distinção que entendo adequada entre os deveres de informação e o da inspeção prévia, ou da vistoria prévia, insertas no contrato de seguro.
Também pretendo, aqui, esboçar minha ótica sobre a matéria posta, objetivando colaborar para melhor esclarecer, a meu sentir, casos fáticos decorrentes das enchentes no Estado do Rio Grande do Sul, a maior da história do país, que vitimou centenas de pessoas, deixando enorme quantidade de desabrigados, além de destruir inúmeros imóveis, quer de pessoas físicas, quer de empresas comerciais.
Pois bem. Direto ao ponto.
As seguradoras deverão sempre esclarecer previamente o consumidor e o estipulante (seguro em grupo) sobre os produtos que oferece e existem no mercado, prestando informações claras a respeito do tipo de cobertura contratada e as suas consequências, de modo a não os induzir em erro.
Já quanto a vistoria prévia se cuida de uma inspeção que a seguradora realiza, antes da aceitação do risco, para verificação das características e do estado de conservação do bem, quer seja móvel ou imóvel.
À guisa de dar maior consistência ao que me propus abordar sobre o assunto, valho-me de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça lavrada nos seguintes termos:
“RECURSO ESPECIAL. CIVIL. SEGURO DE AUTOMÓVEL. FORMAÇÃO DO CONTRATO.
NÃO OCORRÊNCIA. ENVIO DA PROPOSTA APÓS O SINISTRO (FURTO DO VEÍCULO). VONTADE DO CONSUMIDOR MANIFESTADA A DESTEMPO. AUSÊNCIA DE ACEITAÇÃO EXPRESSA OU TÁCITA DA SEGURADORA. PERDA DO OBJETO DO CONTRATO. INEXISTÊNCIA DE RISCO SEGURÁVEL.
- Ação de cobrança visando ao pagamento de indenização securitária, cingindo-se a controvérsia a perquirir se o contrato de seguro de automóvel, após prévias negociações, perfectibiliza-se quando a proposta for encaminhada pelo consumidor à seguradora depois de ocorrido o sinistro.
- O contrato de seguro, para ser concluído, necessita passar, comumente, por duas fases: i) a da proposta, em que o segurado fornece as informações necessárias para o exame e a mensuração do risco, indispensável para a garantia do interesse segurável, e ii) a da recusa ou aceitação do negócio pela seguradora, ocasião em que emitirá, nessa última hipótese, a apólice.
- A proposta é a manifestação da vontade de apenas uma das partes e, no caso do seguro, deverá ser escrita e conter a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco.
Todavia, apesar de obrigar o proponente, não gera por si só o contrato, que depende de consentimento recíproco de ambos os contratantes.
- A seguradora, recebendo a proposta, terá o prazo de até 15 (quinze) dias para recusá-la, caso contrário, o silêncio importará em aceitação tácita (cf. Circular Susep nº 251/2004).
- No contrato de seguro de automóvel, o início da vigência será a partir da realização da vistoria, exceto para os veículos zero quilômetro ou quando se tratar de renovação do seguro na mesma sociedade seguradora, pois, nessas situações, a vigência será a partir da data da recepção da proposta pelo ente segurador (art. 8º, caput e § 1º, da Circular Susep nº 251/2004).
- Para que o contrato de seguro se aperfeiçoe, são imprescindíveis o envio da proposta pelo interessado ou pelo corretor e o consentimento, expresso ou tácito, da seguradora, mesmo sendo dispensáveis a apólice ou o pagamento de prêmio.
- Não há contrato de seguro se o particular envia a proposta após ocorrido o sinistro (a exemplo de furto de veículo), visto que não há a manifestação da vontade em firmar a avença em tempo hábil, tampouco existe a concordância, ainda que tácita, da seguradora.
Além disso, nessa hipótese, quando o proponente decidiu ultimar a avença, já não havia mais o objeto do contrato (interesse segurável ou risco futuro).
- Recurso especial não provido.
(Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, unânime. DJe 28/102014)”.
Destarte, o dever de informação que o segurado deve prestar ao segurador, para que este possa tomar uma decisão de contratar, ou não, depende da dimensão do risco e, assim, poder fixar o prêmio a ser pago por aquele.
É verdade que o segurador também tem seus deveres, o que não será objeto específico deste ensaio.
Abordo este tema – deveres de informação no contrato de seguro - a fim de se estudar com todo o cuidado e atenção o que se espera, dentro em breve, de uma reforma em nosso Código Civil, bem como de um PLC da lavra do IBDS, referenciados em uma matéria que escrevi algures.
Destarte, no que concerne ao risco assumido pelo segurador é importante que se colha através da lei portuguesa, que relativamente guarda sua sistematização e identidade com nosso atual Código Civil, posto que em seu regime jurídico se encontra a matéria dividida em três partes, a saber: (i) Parte Geral, (ii) Seguro de Danos, e (iii) Seguro de Pessoas, o que está atualmente previsto em nossa lei substantiva, material.
Impende sublinhar que na parte geral da Lei Portuguesa sobre Seguros consta a seguinte dicção aposta em seu artigo 24º, verbis:
“Declaração inicial do risco.
1 — O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.
2 — O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito.
3 — O segurador que tenha aceitado o contrato, salvo havendo dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, não pode prevalecer -se: a) Da omissão de resposta à pergunta do questionário; b) De resposta imprecisa a questão formulada em termos demasiado genéricos; c) De incoerência ou contradição evidentes nas respostas ao questionário; d) De facto que o seu representante, quando da celebração do contrato, saiba ser inexato ou, tendo sido omitido, conheça; e) De circunstâncias conhecidas do segurador, em especial quando são públicas e notórias.
4 — O segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o eventual tomador do seguro ou o segurado acerca do dever referido no nº 1, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, nos termos gerais”.[1]
Pois bem. O incumprimento dos deveres de informação naquela Lei[2] é agasalhado também pelo Código Civil Português.[3]
Neste ponto é de ressaltar o que disse António Menezes Cordeiro:
“A evolução geral do Direito dos Seguros segue a via de incrementar a tutela do tomador do seguro, tendencialmente consumidor e que mais não fez, no fundo, do que acolher quanto lhe seja remetido. Emblemática é a evolução do direito alemão. O § 16 do velho VVG de 1908 consignava um dever de informação espontâneo, por parte do tomador, relativo a todas as circunstâncias perigosas, independentemente das perguntas do segurador”.[4]( Sublinhei).
Neste diapasão não escapou a censura que fez Thiago Junqueira ao discorrer sobre o artigo 759 de nosso Código Civil, quando, brilhantemente, acentuou:
“Não obstante o caminho escolhido pelo CC/2002, que, conforme se disse, foi omisso quanto ao uso do questionário pelo segurador, a doutrina e a jurisprudência brasileira, de forma geral, sequer tocam nessa importante clivagem no tratamento da matéria, aliás, com arrimo na lúcida e arguta observação de Luiza Moreira Petersen.[5]
Ato contínuo o referido autor diz:
“Embora se concorde com o resultado prático – que, em regra, restringe o dever de informação do segurado a responder precisamente às perguntas formuladas pelo segurador – é importante que se assinale esse ponto”.[6]
De outro giro, contínuo eu, não encontrei nenhuma decisão do STJ que obrigasse as Companhias de Seguros, ipso facto, o seu dever de realizar, sugerir ou orientar um determinado procedimento quando houver necessidade de vistoria prévia em um bem, seja ele móvel ou imóvel.
Até porque na inspeção que a seguradora realiza, antes da aceitação do risco, que é feita para verificar as características e o estado de conservação do bem a ser objeto de cobertura securitária.
E ela, vistoria ou inspeção, geralmente, é realizada depois do sinistro para a seguradora ter uma dimensão real dos prejuízos sofridos no seguro contratado.
É neste momento que, apurado o prejuízo, o segurador tem obrigação de pagar os riscos previstos na apólice de seguro.
Não se trata de nenhuma medida correlata, data vênia, de melhor entendimento, o momento para indicar quais os métodos, ou procedimentos que o segurado deveria ter tomado para minimizar o prejuízo.
Vale dizer, uma vez pago o prêmio e aceito o risco na vistoria inicial o segurador tem o dever de pagar a indenização prevista nos itens segurados dentro dos clausulados contratuais.
É o que penso, salvante melhor juízo.
Porto Alegre, 29 de maio de 2024.
Voltaire Marenzi - Advogado e Professor
[1] Decreto-Lei número 72/2008, de 16 de abril
[2] Artigo 23º do Decreto acima nominado.
[3] Artigo 227 que aborda o princípio da boa fé nas relações jurídicas.
[4] Direito dos Seguros, 2ª edição. Almedina, 2016, página 633.
[5] O Risco no Contrato de Seguro. São Paulo. Roncarati, 2018, página 135.
[6] Ilan Goldberg e Thiago Junqueira. Direito dos Seguros. Comentários ao Código Civil. Editora Forense, 2023, páginas 247/248.
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