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Pílula de Arrojo a um dos Dispositivos do Código Civil em sua Reforma (Destaque)

  • Crédito de Imagens:Divulgação - Escrito ou enviado por  Voltaire Marensi - Advogado e Professor
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Voltaire Marensi - Advogado e Professor Voltaire Marensi - Advogado e Professor

Em recente evento realizado na sede do Superior Tribunal de Justiça – VII - em Simpósio relativo às relações de Processo Civil e Seguro -, Adilson José Campoy, eminente jurista português e autor de livros sobre Direito dos Seguros, discorreu, entre outros temas pautados, sobre despesas de salvamento e prejuízos causados para evitar ou diminuir as consequências de sinistros (artigos 771 e 779, do código civil).

Após a apresentação, segundo versão do jurista acima identificado, ele teria sido “advertido – penso que a expressão é a que mais se adequa ao ocorrido – pelo eminente Professor Flávio Tartuce com o esclarecimento de que a parte da proposta da comissão por ele presidida, destinada à reforma do que dispõe o atual código civil acerca do contrato de seguro, foi inteiramente formulada pela também eminente Professora Angélica Carlini, segundo ele a mais qualificada dentro de nosso país para tratar de questões afetas a direito do seguro”. Sic, do que ele teria relatado sobre o evento em tela.

Mais, ainda, disse aquele jurista de elevada notoriedade:

“Pelo que entendi, esta a razão pela qual não seriam justas críticas quanto à proposta.

Nenhuma ressalva sobre o que pensa o distinto Professor quanto à qualificação da Professora Angélica Carlini, mas penso que, por se tratar de uma proposta – nem mesmo ainda um projeto de lei – de alteração, este é o momento para que a discussão ocorra, sem a pretensão de criticar o trabalho já feito, mas de aperfeiçoá-lo tanto quanto possível seja fazê-lo, se possível for, com sugestões e debates.

É com esse intuito que formulo as considerações seguintes acerca da proposta de alteração, que chamo de pílulas de arrojo.

Frente ao que foi acima registrado pelo eminente Professor além-mar, pego, neste momento adequado, “uma carona”, se me permitam, meus caros leitores e dignas leitoras, para nominar este ensaio de pílula de arrojo, - o substantivo no singular -, em plágio ao seu desabafo o qual incorporo, sem qualquer ressalva, pedindo, desde já, desculpas pela extensão da transcrição feita às inteiras a fim de que não se deturpe nenhuma palavra do que ali ficou consignado.

A seguir o texto completo, apresentado por aquele painelista:

Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo à pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.

  • 1º Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim, legalmente autorizada;
  • Todas as entidades organizadas para proteção de riscos de danos ou de

pessoas deverão ser autorizadas previamente pelo órgão regulador e atenderão às exigências técnicas, administrativas, jurídicas e financeiras aplicáveis ao segurador. Grifo meu.

O caput e §1º do Projeto reproduzem o artigo 757 e parágrafo único do código

civil. A novidade vem com o § 2º, ao dispor que todas as empresas organizadas para desenvolver atividade que garanta riscos deverão submeter-se às mesmas e todas as regras de controle da seguradora autorizada.

A novidade tem por foco as denominadas associações que atualmente se formam para, em sistema de cooperativa, garantir riscos como se seguradoras fossem, sem, no entanto, estarem ao alcance dos órgãos que regulam e fiscalizam o mercado segurador.

É a casuística como fonte legal. Se a lei nova, ou reformada para melhora e atualização da antiga, deve ter em conta a evolução humana, tecnológica e negocial dos novos tempos, necessita igualmente desvencilhar-se do apego ao que se opera ao largo da legalidade, buscando, em texto de lei, ocupar espaço que só a doutrina e a jurisprudência contemporânea haveriam de ocupar, porque a evolução delas reflete e refletirá o avanço que leis, por mais futuristas, jamais acompanharão por suas características de pretendida longevidade.

E, de resto, como preceitua o § 1º, se somente entidade legalmente autorizada pode ser parte em contrato de seguro na condição de seguradora, por certo que toda a atividade que reúna os mesmos elementos do contrato de seguro, mesmo que assim não se a denomine e mesmo que nela não esteja, como parte, uma seguradora, contrato de seguro será, apenas que irregular, posto que ausente justamente a presença de uma seguradora.

Obviamente que o § 2º, agora objeto de nossa atenção, cria então a figura do contrato sem seguradora, exigindo, no entanto, que a parte que o substitui esteja submetida aos mesmos requisitos a que estão submetidos aquela. Grifo meu.

Tem o dispositivo, continua o citado jurisconsulto, “o mérito de exigir de quem desenvolva tal atividade o mesmo que se exige de uma seguradora, mas torna legal o que antes não era. E se esse empreendedor – da atividade paralela - tem capacidade de responder tal qual uma seguradora, por que não se exigir que seja uma?

A capacidade criativa humana estará sempre à busca de caminhos alternativos, e são a doutrina e a jurisprudência que, com base em leis vigentes, saberão admiti-los ou rechaçá-los, valendo-se inclusive e principalmente dos princípios de direito em que se informam o atual código civil e sua proposta de alteração, como o da boa-fé e da função social do contrato”.

Pois bem. Segundo ele “as associações” hodiernamente existentes funcionam sem o controle estatal, sem lastros que garantam o cumprimento das obrigações que assumem e trabalhando, no entanto, com poupança popular.

É clara a ofensa aos referidos princípios de direito, daí porque talvez mais salutar fosse que esforços se empreendessem para que a atividade seguradora não afastasse dela camada maciça da população que, à falta de opção, opera na ilegalidade.

Essas associações só existem porque as seguradoras, em sua maioria esmagadora, para não dizer todas, recusam-se, por exemplo, no seguro de automóvel, a garantir riscos de interesses existentes sobre bens de idade avançada – carros, caminhões, ônibus, motos -.

Fazem assim, não é difícil explicar, porque os modelos de automóvel mais antigos apresentam dificuldade de reposição de peças pelo fabricante, gerando assim um comércio ilegal de peças usadas para atender a demanda por elas. O que resulta em aumento de furtos e roubos de veículos que as tenham. O que resulta em aumento da violência. O que não se elimina com uma lei isolada que se afasta da causa para atacar suas consequências”.

O fato é que “o custo para garantir riscos sobre interesses desses bens mais antigos é menor nas referidas associações do que seria junto a um segurador, equivalente à (in)segurança da operação à falta de lastros que a tornem confiável.

Esta insegurança terminaria, em tese, com a aplicação do § 2º, ora sob estudo, mas não alteraria, sequer minimamente, a cadeia que a fez nascer, pelo que não espantaria o surgimento de novas alternativas que alcançassem os que hoje não têm acesso ao mercado legal”. (Sic da íntegra do Especialista em direito de seguros pelas Universidade de Lisboa, de Salamanca, de Buenos Aires e de Montevidéu, autor de artigos sobre direito de seguro e autor do livro Contrato de Seguro de Vida-RT).[1]

O escrito, como disse acima, embora um pouco longo na sua transcrição reproduz, a meu sentir, o que já ressaltei em outros temas pertinentes à matéria, particularmente quando discorri sobre as Associações de Socorro Mútua em 2023.

Trata-se, nesta ocasião, de se fazer um ligeiro apanhado sobre o primeiro dos artigos insertos em nosso atual Código Civil, objeto de Reforma, que cuida do Contrato de Seguro.

Acrescento, apenas à guisa de coadunar meu entendimento com as razões infra expostas, com o que já disse alhures sobre o tema:

A obra consagrada do grande mestre português, J.C. Moitinho de Almeida na parte introdutória, diz:

“Na Antiguidade dominaram as instituições de assistência mútua, praticando-se alguns contratos em que a assunção do risco não dispunha de autonomia”.[2]

Exemplifica o mencionado autor como era “o caso do nauticum phoenus romano, em que o proprietário de um navio ou um armador recebia de empréstimo, geralmente de um banqueiro, certa quantia igual ao valor das mercadorias transportadas, estipulando-se que, na hipótese de o navio chegar a salvo ao seu destino, devia ser restituído o capital mutuado com um acréscimo que chegava a 15%”.[3]

Na Idade Média também subsistiram essas associações, quando no princípio do século XVI, apareceram os primeiros contratos de seguro.[4]

Portanto, o que pretendo nesta exposição é contextualizar a relevância da regulamentação na política de seguros. E com esteio no princípio de “garantir a higidez econômico-financeira do segurador, a livre concorrência, a proteção do consumidor, e a cooperação entre os seguradores no mercado, seria indispensável a preocupação de se regular e fiscalizar o mercado de seguros”.[5]

Atualmente, a Constituição Federal impõe ao Poder Público o dever de regular e fiscalizar o mercado de seguros privados, conforme os artigos 21, VIII, e 22, VII e XIX. Assim, verifica-se que a disciplina legal dos temas relacionados a seguros e sistema de captação da poupança popular são de competência privativa da União, bem como a fiscalização desses setores. Isto, creio eu, não há o que contestar.

Mutatis, mutandi, foi o que ocorreu quando a Suprema Corte de nosso país, derrubou a validade de leis estaduais que permitiam a atuação de associações de proteção veicular.

É de se registrar e, aliás, consta no corpo da decisão proferida pelo relator no Supremo Tribunal Federal, na direção de que o enunciado “sob número 185 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, no que concerne à interpretação atribuída ao art.757 do Código Civil/2002, que determina a disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas, porém não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão".[6]

De fato, o tema é delicado. Existe a normatização constitucional expressa na Constituição Federal dizendo que compete privativamente à União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”.[7]

De outro giro, o saudoso doutrinador gaúcho Ovídio A. Baptista da Silva, se valendo do grande jurista alemão Karl Larenz ao tratar de “direitos de cooperação, ensinava que eles se acham muito próximos dos direitos potestativos. Distinguem-se destes pelo fato de não serem direitos apenas no interesse próprio, mas direitos orgânicos, na medida em que possibilitam, não formação exclusiva de uma relação jurídica para o titular, porém sua cooperação para a formação de uma vontade coletiva. Eles estão sujeitos a limitações derivadas do dever de fidelidade do associado perante os demais, bem como perante a associação ou corporação”.[8] Grifo meu.

Pois bem. Penso ainda que devemos dar uma proteção mais abrangente às associações e cooperativas que muitas vezes mesclam princípios de proteção aos seus associados, sem, contudo, se chocar com peculiaridades inerentes às atividades exclusivas do mercador segurador como parte do contrato de seguro, vale dizer, “entidade para tal fim legalmente autorizada”.[9]

Embora com naturezas jurídicas distintas das entidades seguradoras, tanto os associados como os cooperados poderão orbitar melhor nas suas respectivas áreas, tal qual hoje gravita o mercado segurador.

Por fim. Longe de um argumento ad terrorem as seguradoras terão de pagar a seus segurados no Estado do Rio Grande do Sul, em razões das enchentes que atingiram praticamente todo este território, indenizações astronômicas que nem o próprio setor sabe estimar até o presente momento.

É verdade que se trata de um tema pontual e, se tudo correr bem, haverá de passar com o decurso do tempo.

No entanto, as associações são admitidas na Lei Maior e têm como meta a iniciativa de todos os seus integrantes, de modo formal ou informal, reunindo pessoas quer físicas ou jurídicas com objetivos comuns, valendo-se de uma congregação de esforços de seus participantes com a finalidade de superar dificuldades e, assim, espalhando inúmeros benefícios a todos seus integrantes.

Deixo, aqui, um tema muito debatido no decurso do tempo com a finalidade de que todos reflitam um pouco mais sobre a matéria pautada neste ensaio.

É o que julgo oportuno no momento presente.

Porto Alegre, 13 de maio de 2024

Voltaire Marensi - Advogado e Professor



[1] https://www.migalhas.com.br/depeso/406711/a-reforma-do-codigo-civil--seguros--pilulas.
[2] O Contrato de Seguro no Direito português e Comparado. Livraria Sá da Costa Editora. Lisboa, 1ª edição, 1971, página 5.
[3] Bis in idem
[4] Ibidem, página 6.
[5] Excerto de voto vitorioso sobre a matéria perante o STF.
[6] Bis in idem da decisão.
[7] Artigo 22 e 22, I da CF de 1988.
[8] O Seguro e as Sociedades Cooperativas. Livraria do Advogado/ Editora, Porto Alegre, 2008, página 84.
[9] Redação atual. In fine, do parágrafo único do artigo 757 do Código Civil.


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