Partilha na Previdência Privada. Parte 2
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
No dia 07/02, deste ano, escrevi sobre a matéria acima epigrafada, posto que na oportunidade o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial sob número 2004210/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, assentou a seguinte ementa:
“RECURSOS ESPECIAIS. PREVIDÊNCIA PRIVADA COMPLEMENTAR. VGBL.
ENTIDADE ABERTA. NATUREZA JURÍDICA MULTIFACETADA. SEGURO
PREVIDENCIÁRIO. REGRA. INVESTIMENTO OU APLICAÇÃO FINANCEIRA.
SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. COLAÇÃO DE VALOR AO INVENTÁRIO. HERANÇA.
- Os planos de previdência privada complementar aberta, operados por seguradoras autorizadas pela Susep, dos quais o VGBL é um exemplo, têm natureza jurídica multifacetada porque, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com ampla liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida, ora se assemelham a seguro previdenciário adicional, ora se assemelham a investimento ou aplicação financeira (Terceira Turma, REsp n. 1.726.577/SP).
- A natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é a regra e se evidencia quando o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter determinado padrão de vida (Terceira Turma, REsp n. 1.726.577/SP).
- No período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, em casos excepcionais, pode ficar caracterizada situação de investimento, equiparando-se o VGBL a aplicações financeiras (Terceira Turma, REsp n. 1.726.577/SP).
- Na hipótese excepcional em que ficar evidenciada a condição de investimento, os bens integram o patrimônio do de cujus devem ser trazidos à colação no inventário, como herança, devendo ainda ser objeto da partilha, desde que antes da conversão em renda e pensionamento do titular.
- Circunstâncias como idade e condição de saúde do titular de VGBL e uso de valores decorrentes de venda do único imóvel do casal evidenciam a excepcionalidade da situação e indicam a condição de investimento.
- Recursos especiais conhecidos e desprovidos. Grifo meu.
Pois bem. Dando continuidade àquela manifestação em que lancei a primeira parte deste ensaio, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) informou que o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) publicou as Resoluções nº 463/2024 e 464/2024, que fixam os novos marcos regulatórios referentes às regras de funcionamento e os critérios para operação da cobertura por sobrevivência oferecida em plano de previdência complementar aberta e de seguro de pessoas.
No concernente a previdência complementar relacionada aos produtos PGBL e VGBL, se considera como objetivo principal tornar os produtos de previdência complementar aberta e seguro de pessoas mais atuais com a normatividade de ordem ordinária, de sorte a atender com mais eficiência às necessidades dos consumidores, criando, destarte, condições mais favoráveis à formação de poupança previdenciária no país e à ampliação da eficiência e da competitividade no segmento. É o que se colhe mutatis, mutandi, no Informativo do órgão fiscalizador.
As sobreditas resoluções exaradas pelo órgão máximo do seguro, na competência atribuída pela lei regente de fixar diretrizes e normas da política de seguros[1] têm ela sua vigência imediata, disciplinando dispositivos que objetivam manter a higidez deste segmento, preservando a sua natureza tipicamente de incentivo à formação de poupança previdenciária.
No setor da transparência do setor fiscalizador, as normas teriam passado por consulta pública trazendo avanços e aperfeiçoamentos relevantes para o desenvolvimento do mercado de previdência complementar aberta e seguro de pessoas, que atualmente conta com o montante de cerca de R$ 1,4 trilhão de reais de poupança. [2]
Ao se manifestar sobre a edição das Resoluções acima sublinhadas, o atual Superintende da Susep afirmou “trata-se de um redesenho do mercado de previdência complementar e seguro de pessoas que deve impulsioná-lo para um desempenho ainda melhor: “são normas que fomentam a concorrência e dão maior poder de decisão para o consumidor ao longo do tempo.” Octaviani ressalta, ainda, que as normas trazem mais qualidade de informação: “o consumidor passa a ter a riqueza informacional do que de fato está contratando, além de possuir maior poder sobre suas decisões econômicas, com diversas opções de escolhas ao longo do tempo.”[3]
A Susep e o CNSP, neste momento em que o PGBL ultrapassou 25 anos de sua criação, efetuam uma revisão dos normativos de planos com cobertura por sobrevivência (PGBL e VGBL), visando a fortalecer a solvência do mercado, a transparência e a adequação dos produtos, bem como a defesa do consumidor, incentivando a criação de produtos mais modernos, que atendam os interesses dos diversos momentos de vida do participante, mas mantendo as características de produtos de longo prazo. Espera-se também estimular o desenvolvimento e a competitividade do mercado de rendas (annuities), promovendo a oferta de benefícios com valores mais favoráveis aos participantes.[4]
Dessa forma, os novos normativos foram pensados de modo a tornar mais atrativa esta opção de percepção de benefício, considerando o caráter previdenciário dos produtos, no sentido de incentivar a poupança popular de longo prazo, com vistas a resguardar o bem-estar e a saúde financeira do cidadão, principalmente quando este estiver já em idade avançada.
O intuito inserto na nova regulamentação prevê a possibilidade de readequação dos planos instituídos, ou seja, os que preveem uma contribuição mínima por parte dos instituidores, estabelecendo cláusula de adesão automática em suas disposições contratuais.
De fato. Este setor relativo a sobrevivência no seguro de pessoas tem crescimento exponencial com o decurso do tempo e, como corolário uma maior eficiência do sistema financeiro nacional, contribuindo, outrossim, no quantitativo de custos de transações, na geração de liquidez e, principalmente, no fomento aos investimentos, alavancando o crescimento econômico com a alocação eficiente de recursos, gerenciamento de riscos e mobilização de poupanças de longo prazo no país, no dizer de uma das Diretoras do órgão de fiscalização no mercado de seguros.
“Adicionalmente, com a publicação da Resolução CNSP nº 464/2024, busca-se compatibilizar a dinâmica dos produtos de acumulação aos fins da política nacional tributária exposta na recente Lei n° 14.754, de 2023, que dispõe sobre a tributação de aplicações em fundos de investimento no País e da renda auferida por pessoas físicas aqui residentes, mormente em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior. Com a nova regra, um segurado não poderá manter mais que 5 milhões de reais em um plano VGBL quando ele e seus familiares detiverem mais que 75% das cotas do fundo de investimento atrelado ao plano.
Tal alteração teve por objetivo evitar o desvirtuamento dos produtos VGBL que, sem tal restrição, poderiam ser utilizados como forma de violar o princípio da isonomia tributária que a Lei pretendeu garantir. Assim, tal restrição busca reforçar o caráter securitário e previdenciário dos produtos de acumulação, evitando que o produto VGBL fuja à sua finalidade”.[5] Grifo meu.
De sua vez, continua a mensagem do órgão fiscalizados, a Resolução CNSP nº 464/2024, trata de regras de funcionamento e os critérios para operação da cobertura por sobrevivência oferecida em plano de seguro de pessoas (VGBL). Esta norma é de eficácia imediata.
Já a Resolução CNSP nº 463/2024, que dispõe sobre regras de funcionamento e os critérios para operação da cobertura por sobrevivência oferecida em plano de previdência complementar aberta (PGBL), terá vigência iniciada em 1º de abril de 2024, quando também deverá ser publicada a sua respectiva Circular”.[6]
Retomando o que pretendo sublinhar é no sentido de que normas de hierarquia inferior à lei que ainda vigoram, quer na Lei específica (Decreto-Lei nº 73/66) e normas previstas no Código Civil e legislação correlata, também devem, necessariamente, ser renovadas para dar maior autenticidade e legalidade sobre o tema, posto que a jurisprudência, uma das fontes da Lei não seja a única a atualizar tema de relevante importância, tanto para o consumidor como para o segmento que detém o controle de grupos empresarias que gerem o sistema previdenciário privado.
A busca por segurança financeira na aposentadoria torna-se cada vez mais crucial em um cenário econômico em constante transformação. Nesse contexto, a previdência complementar emerge como uma ferramenta estratégica para complementar os benefícios da aposentadoria pública.
O primeiro passo para garantir uma aposentadoria sólida é o planejamento previdenciário. Antecipar as necessidades futuras e estabelecer metas financeiras são práticas essenciais. A previdência complementar oferece a flexibilidade necessária para adaptar-se às diferentes fases da vida, permitindo ajustes conforme as circunstâncias evoluem.
Uma característica central da previdência complementar é a possibilidade de investir os recursos acumulados. Diversas opções, como fundos de previdência, títulos privados e fundos de pensão, oferecem diferentes níveis de risco e retorno. Com uma abordagem equilibrada, os investidores podem maximizar seus ganhos, garantindo uma rentabilidade consistente ao longo do tempo.
É crucial entender as distinções entre previdência aberta e fechada. A previdência aberta permite maior autonomia na escolha dos investimentos, enquanto a fechada geralmente está vinculada a uma empresa ou grupo específico. Cada modalidade possui vantagens e desafios, exigindo uma análise cuidadosa para alinhar-se às metas individuais, aliás, como ressaltei alhures no primeiro artigo deste tema.
Contar com a orientação de um planejador financeiro especializado é um passo sensato no caminho da previdência complementar. Esse profissional pode ajudar na definição de metas realistas, na seleção de estratégias de investimento e na adaptação do plano conforme as mudanças de vida ocorrem. Aí, fatalmente, se invoca às inteiras a figura do corretor de seguros e do que trabalha em previdência complementar.
Em rápida síntese encerro esta crônica afirmando que a previdência complementar e o investimento são peças-chave no quebra-cabeça da segurança financeira na aposentadoria. Ao abraçar uma abordagem proativa, se compreende as opções disponíveis a par de aconselhamentos especializados, ajudando as pessoas na pavimentação de um caminho para um futuro financeiro robusto e tranquilo. A previdência complementar não é apenas uma escolha inteligente; é um investimento no próprio bem-estar financeiro a longo prazo.
Claro. Se estiver estribada e calcada na Lei, tanto melhor para todos nós.
É o que penso, s.m.j.
Porto Alegre, 25 de fevereiro de 2024.
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
[1] Artigo 32, inciso I do Decreto-Lei número 73/66.
[2] Vide matéria Informativa do Órgão Governamental competente.
[3] Ibidem da reportagem acima sublinhada.
[4] Bis in idem.
[5] Portal de Transparência da Susep.
[6] Bis in idem.
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