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Partilha na Previdência Privada

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Voltaire Marensi - Advogado e Professor. Voltaire Marensi - Advogado e Professor.

Vou enfocar um tema que não é muito recorrente em sede de decisões que aportam até o Superior Tribunal de Justiça.

Trata-se de saber como ficará o monte mor em caso de decesso do participante na partilha de seus bens, particularmente no que se refere ao contrato de previdência privada.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial sob número 2004210/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, assentou a seguinte ementa:

RECURSOS ESPECIAIS. PREVIDÊNCIA PRIVADA COMPLEMENTAR. VGBL.

ENTIDADE ABERTA. NATUREZA JURÍDICA MULTIFACETADA. SEGURO

PREVIDENCIÁRIO. REGRA. INVESTIMENTO OU APLICAÇÃO FINANCEIRA.

SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. COLAÇÃO DE VALOR AO INVENTÁRIO. HERANÇA.

  1. Os planos de previdência privada complementar aberta, operados por seguradoras autorizadas pela Susep, dos quais o VGBL é um exemplo, têm natureza jurídica multifacetada porque, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com ampla liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida, ora se assemelham a seguro previdenciário adicional, ora se assemelham a investimento ou aplicação financeira (Terceira Turma, REsp n. 1.726.577/SP).
  2. A natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é a regra e se evidencia no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter determinado padrão de vida (Terceira Turma, REsp n. 1.726.577/SP).
  3. No período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, em casos excepcionais, pode ficar caracterizada situação de investimento, equiparando-se o VGBL a aplicações financeiras (Terceira Turma, REsp n. 1.726.577/SP).
  4. Na hipótese excepcional em que ficar evidenciada a condição de investimento, os bens integram o patrimônio do de cujus e devem ser trazidos à colação no inventário, como herança, devendo ainda ser objeto da partilha, desde que antes da conversão em renda e pensionamento do titular.
  5. Circunstâncias como idade e condição de saúde do titular de VGBL e uso de valores decorrentes de venda do único imóvel do casal evidenciam a excepcionalidade da situação e indicam a condição de investimento.
  6. Recursos especiais conhecidos e desprovidos.[1] Grifei.

Desta decisão e de outras colacionadas no próprio corpo do acórdão está pacificada a matéria no sentido de que planos oriundos das entidades de previdência privada são equiparados, via de regra, a natureza jurídica de um contrato de seguro que tem por objeto assegurar ao participante à garantia de um futuro mais confortável em sua velhice.

Porém, em caráter excepcional, poderá ser caraterizado como um investimento, ocasião em que devem ser trazidos à colação no inventário do participante e tratado como herança, não constituindo, portanto, um direito próprio como é o caso, por exemplo, do contrato de seguro de vida.

Ademais, como ficou consignado na sobredita ementa, determinadas situações fáticas, como a própria idade e saúde precária do participante realçam o cunho de investimento e não de um contratipo securitário.

O tema ganha ainda mais relevo e importância quando passou a viger a Lei Complementar número 109, de 29 de maio de 2021, que disciplinou o seguinte;

“As entidades abertas são constituídas unicamente sob a forma de sociedades anônimas e têm por objetivo instituir e operar planos de benefícios de caráter previdenciário concedidos em forma de renda continuada ou pagamento único, acessíveis a quaisquer pessoas físicas”.[2]

Em outubro daquele mesmo ano, comentei, artigo por artigo, a Nova Lei Complementar.

Pois bem. No comentário ao artigo 36 – nota de rodapé – escrevi:

“A única hipótese de constituição das entidades abertas será sob o rótulo de sociedade anônima, que operará sob a forma de renda continuada (obrigação de trato sucessivo), ou pagamento único, conhecido ainda pela lei anterior como pecúlio, segundo diz este dispositivo, em seu caput.

Da mesma sorte, as sociedades seguradoras que operam no ramo vida, e só estas, poderão operar debaixo do regime jurídico acima identificado, tal como prevê seu parágrafo único.

E, mais: Malgrado esta colocação do caput do artigo ora comentado, as entidades abertas de previdência privada, sem fins lucrativos, criadas em função de lei, à época de sua constituição, com o advento deste diploma legal ficarão excluídas da possibilidade de continuar suas atividades no mercado. Dessarte, o legislador neste dispositivo afronta o artigo 5º, inciso XIX da atual Constituição Federal”.[3]

Enfim. Embora as Companhias Seguradoras só possam operar sob a forma de sociedades anônimas, especializadas em pactuar contratos de seguro, as sociedades de previdência aberta têm por objetivo primordial instituir e executar planos de caráter previdenciário que, dependendo do enfoque tomado pelo participante se torne um típico investidor. Em outras palavras, basta se cuidar de situações fáticas distintas para que o judiciário (STJ – última palavra em matéria infraconstitucional), enquadre o participante como assemelhado ao segurado ou como mero investidor, independentemente de sua escolha.

É o que penso se passar entre o contrato de seguro e o contrato de previdência privada, rectius, complementar.

Certamente com uma Codificação Unificada se possa fazer um verdadeiro “divisor de águas” entre o seguro propriamente dito e a atual previdência complementar, a fim de que os beneficiários destes contratos não se deparem como uma situação de típica ingerência no que pensou o contratante no momento em que levou a cabo seu desiderato.

Porto Alegre, 07/06/2023.

Voltaire Marensi - Advogado e Professor.

[1] DJE em 02/05/2023.
[2] Artigo 36 da Lei Complementar nº109, de 29 de maio de 2001.
[3] Voltaire Marensi. A Nova Lei da Previdência Complementar Comentada. Síntese Editora, página 42.


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