O Regime Jurídico Emergencial e O Seguro
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
O Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período do Coronavírus (Covid -19), objeto do projeto de Lei nº 1.179, de 2020 da lavra do Senador Antonio Anastasia, com o auxílio de ilustres professores de Direito Civil, Direito Comercial e Direito Processual, assim como de diversos juristas não contempla em nenhum dos seus 26 artigos uma única palavra, ou qualquer modalidade de menção ao contrato de seguro. Todos sabem que o contrato de seguro, embora se cuide de um sistema específico de contrato, é um contrato-tipo de adesão, faz parte integrante e é extremamente relevante em sede de direito privado. O projeto em tela só contempla um artigo referente a relação de consumo e só no que fala no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor da hipótese de produto ou serviço adquirido por entrega domiciliar (delivery).
É fato que estas normas de caráter emergenciais e transitórias são disposições que não devem abarcar todas as instituições jurídicas, sob pena de se transformar, às vezes, em dispositivos que possam até conflitar com normas insertas e duradouras previstas em um diploma maior como é o caso do nosso Direito Civil.
Será que normas securitárias, notadamente aquelas que disciplinam obrigações de trato sucessivo como é o caso, por exemplo, de contribuições dos associados malgrado o elevado custo com a saúde não mereceriam ao menos, en passant, um tratamento do legislador? Como ficam as contribuições impagas em razão do associado, ou até do próprio beneficiário quer de plano individual ou coletivo não ter condições de adimplir suas prestações por falta de recebimento de salário, de honorários, ou de qualquer outra atividade que esteja paralisada em razão dessa pandemia?
O Projeto em tela se preocupou com prazos prescricionais, reunião de colegiados, despejos de imóveis prediais, regras flexibilizadas de contratos agrários, condomínios edilícios (assembleias!), reuniões em sociedades comerciais, práticas anticoncorrenciais, regras específicas para prisão civil de devedor de alimentos e o prazo de vigência da Lei Geral de Proteção de Dados.
Evidente que se cuidam de temas importantes. Mas o direito fundamental à saúde do indivíduo não é mais importante? A vida não é um bem maior? E o acesso à saúde com a obrigação não cumprida será honrada pelas operadoras de planos de saúde? O que os dirigentes destas entidades pensam a respeito do assunto?
Embora se diga, em linhas gerais, que ele – Projeto 1.179, de 2020 – isto em sede de Justificação (todo o projeto deve ter uma Justificativa), estabeleça que os efeitos da pandemia equivalem ao caso fortuito ou força maior (fato do príncipe, aliás, muito utilizado em relações trabalhistas), a verdade é que não há um único dispositivo que contemple situações emergenciais de amparo ao contribuinte consumidor que diga respeito à saúde e à vida dessas pessoas. Pelo menos é a compreensão que deduzo da leitura feita do texto em tela.
O direito à saúde é direito de todos e dever do Estado mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (artigo 196 da CF/88).
Não vi, nem li, qualquer menção a respeito do tema saúde e vida no projeto em comento.
Ao fim e ao cabo este projeto foi elaborado para proteger só a economia, ou há um outro viés que um professor de outrora não consiga alcançar?
Eis uma, dentre algumas perplexidades, que deixo à meditação dos nossos estimados leitores e leitoras.
Alia jacta est teria dito por Júlio César ao tomar a decisão de cruzar suas legiões o rio Rubicão, que delimitava a divisa entre a Gália Cisalpina e o território da Itália.
Será que nossa sorte vai ficar à mercê de alguns interesses que não sejam exclusivamente beligerantes???
Porto Alegre, 2 de abril de 2020.
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
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