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Ação regressiva de seguradora em sede de transporte aéreo (Destaque)

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Voltaire Marensi - Advogado e Professor Voltaire Marensi - Advogado e Professor

A matéria acima estampada foi recentemente julgada pelo Supremo Tribunal Federal, que referendou decisão oriunda do Superior Tribunal de Justiça, quando julgou matéria relativa ao direito de regresso da seguradora que pagou indenização securitária e se valeu do direito material subsumido em nosso Código Civil.[1]

“Quanto ao contrato de seguro de dano, discorre nossa eminente jurisconsulta Judith Martins Costa, a situação agora deve ser resolvida nos termos do art. 786, que determina, uma vez paga a indenização, sub-rogue-se o segurador, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competiriam ao segurado contra o autor do dano”.[2] Sublinhei.

Disse, ao azo, um dos maiores especialistas de Direito de Seguros argentinos do século passado, em relação ao direito de regresso da seguradora contra o responsável pelo dano causado ao segurado:

“Si no procede la acción propria del asegurador, la ley trasfiere al assegurador la acción del assegurado contra el tercero, cuando se trata de um seguro de intereses o daños, ya que ésta es improcedente en los seguros de personas.[3] Grifo meu.

Pois bem. Esta matéria foi palco de julgamento pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, ao apreciar recurso de apelação interposto por uma empresa transportadora aérea, cuja ementa foi assim lavrada:

INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE CIVIL – AÇÃO.

REGRESSIVA DE SEGURADORA CONTRA TRANSPORTADORA AÉREA - Extravio de carga em voo aéreo internacional - Prescrição - Inocorrência - Autora interrompeu o prazo prescricional de dois anos (art. 317 do CBA e art. 29 da Convenção de Varsóvia) através de medida cautelar de interrupção de protesto - Valor da indenização que deve ser estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor – Tratando-se de relação de consumo, prevalecem as disposições do CDC em relação à Convenção de Varsóvia e os seus diversos protocolos de emenda (Haia e Montreal) e ao CBA – Exegese dos artigos 5°, XXXII e 170, V, ambos da CF de 88 -

Inadmissibilidade do limite da responsabilidade de indenizar -

Responsabilidade objetiva - Reparação integral - Valor pago pela seguradora autora, em favor de sua segurada, que deverá ser corrigido desde o desembolso pela causadora do dano decorrente do extravio de mercadorias transportadas pela ré”.[4] Bis in idem.

No julgamento em tela foram opostos Embargos de Declaração que foram rejeitados.

Ato contínuo, foram interpostos Recurso Extraordinário e Recurso Especial.

O recurso extraordinário foi fundamentado no art. 102, III, “a”, da Constituição, no qual a empresa transportadora alegou violação ao art.178, CF/1988, na medida em que o acórdão recorrido teria se afastado da aplicação da Convenção de Montreal em caso de transporte aéreo internacional. Ao final, requereu o conhecimento e provimento do recurso para que se apliquem os limites previstos na Convenção de Montreal.

Em juízo de admissibilidade, respectivamente, o RE e o Resp foram admitidos.

O Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negou provimento ao Recurso Especial em acórdão assim ementado:

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PROMOVIDA POR SEGURADORA, EM REGRESSO, PELOS DANOS MATERIAIS SUPORTADOS PELA EMPRESA SEGURADA, DECORRENTES DO DEFEITO DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE AÉREO (EXTRAVIO DE MERCADORIA DEVIDA E PREVIAMENTE DECLARADA, COM INEQUÍVOCA CIÊNCIA DO TRANSPORTADOR ACERCA DE SEU CONTEÚDO). RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR PELO EXTRAVIO DAS MERCADORIAS.

INDENIZAÇÃO TARIFADA PREVISTA NA CONVENÇÃO DE VARSÓVIA E CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA.

INAPLICABILIDADE. RELAÇÃO CONSUMERISTA. NÃO CARACTERIZAÇÃO, SENDO, POIS, IRRELEVANTE, PARA A INTEGRAL RESPONSABILIZAÇÃO DO TRANSPORTADOR.

ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO. PROPOSIÇÃO. ANTINOMIA DE NORMAS. CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE.

INSUFICIÊNCIA. PRINCÍPIO DA INDENIZABILIDADE IRRESTRITA. OBSERVÂNCIA. INSUBSISTÊNCIA DAS RAZÕES QUE JUSTIFIQUEM TRATAMENTO PROTETIVO AO TRANSPORTE AÉREO, EM MATÉRIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.

Inconformada, a empresa aérea aforou Recurso Extraordinário recentemente julgado[5] com amparo no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal, apontando violação ao art. 178 da CF/1988, “haja vista a imprescindibilidade da aplicação ao caso em comento dos Tratados Internacionais, tal como a Convenção de Montreal.”

Neste diapasão defendeu que “os litígios derivados do contrato de transporte aéreo internacional devem necessariamente atender aos regulamentos que o país se comprometeu voluntariamente a observar, na medida em que, caso assim não proceda, terá, como consequência direta, o descrédito das demais nações. Conclui-se, pois, que, com a devida vênia, não poderia o E.Tribunal a quo, tampouco o Superior Tribunal ter decretado a inaplicabilidade da Convenção de Montreal”.

Requereu, ainda, o sobrestamento do processo até o julgamento final do RE 636.331-RG, Tema 210.

Em juízo de admissibilidade, o Vice-Presidente do STJ, inicialmente, deixou de sobrestar o presente recurso, ao fundamento de que o Tema 210/STF trataria de questão distinta.

A ministra Cármen Lúcia, obtemperou o relator no STF, no exercício da Presidência desta Corte, determinou a devolução dos autos ao Tribunal de origem para aguardar a decisão do órgão constitucional.

Após o julgamento do mérito do Tema 210, os autos foram encaminhados ao órgão Julgador para eventual juízo de retratação ocasião em que, em nova análise da questão, a Segunda Seção do STJ, deu provimento aos embargos de divergência da transportadora aérea.

Entrementes, foram opostos embargos de declaração pela seguradora, que foram acolhidos, sob o pálio de que “a hipótese de ação de cobrança em regresso promovida por seguradora com o fim de obter o ressarcimento dos valores despendidos pela empresa segurada com prejuízos pelo extravio de mercadorias no transporte aéreo de cargas, seria inviável a aplicação do Tema 210 da repercussão geral, dada a ausência de identidade com a matéria tratada no RE n. 636.331/RJ. ”

Opostos novos embargos de declaração pela empresa aérea foram rejeitados.

Ao analisar controvérsia semelhante, no Are 1.146.801, o relator do recurso ministro Alexandre de Moraes afirmou que em relação à afronta ao art. 178, da CF/1988, o Plenário do STF no RE 636.331-RG (Rel. Min. Gilmar Mendes Tema 210), examinou a repercussão geral da questão constitucional debatida neste recurso aonde foi assentada a seguinte tese: “Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor”.

Entretanto, em casos nos quais se debate vício na prestação de serviço de transporte aéreo de mercadoria, e o consequente reconhecimento do direito de regresso da parte recorrida decorrente de contrato de seguro, seria inaplicável o Tema 210 da repercussão geral, pois não se trata de transporte de passageiros e de bagagem, mas de vício na prestação de serviço de transporte aéreo de mercadoria e o consequente reconhecimento do direito de regresso decorrente de contrato de seguro. Grifo meu.

No mesmo sentido, já se posicionou o ilustre Min. Luiz Fux no caso sub examine, que versava sobre danos decorrentes de falha na prestação de serviço de transporte aéreo de cargas e o consequente direito de regresso decorrente de contrato de seguro, e o leading case objeto do Tema 210 da repercussão geral, em que a controvertida limitação da responsabilidade de transportadoras aéreas de passageiros por extravio de bagagens em voos internacionais, não se aplicaria à espécie.

Ademais, foi incorporado no sobredito acórdão do STF a seguinte decisão:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.

RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO DE CARGA. MERCADORIAS DANIFICADAS.

SEGURADORA. AÇÃO DE REGRESSO. DANO MATERIAL.

LIMITAÇÃO. MATÉRIA DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. RE 636.331. TEMA 210 DA REPERCUSSÃO GERAL.

INAPLICABILIDADE. REITERADA REJEIÇÃO DOS ARGUMENTOS EXPENDIDOS PELA PARTE NAS SEDES RECURSAIS ANTERIORES. AGRAVO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA.

AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. ” (AI 822.191-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 25/2/2019)

Ademais integram a decisão do sobredito recurso extraordinário a seguinte ementa:

Agravo regimental nos segundos embargos de declaração no recurso extraordinário. Direito Civil. Transporte aéreo internacional de mercadorias. Carga avariada.

Indenização. Fatos e provas. Reexame. Impossibilidade.

  1. A ação em questão, na qual se discute pretensão indenizatória decorrente de avarias em transporte internacional de carga, é distinta daquela tratada no julgamento do tema nº 210 da Repercussão Geral. Precedentes. 2. Inadmissível, em recurso extraordinário, o reexame dos fatos e das provas dos autos para a análise do efetivo valor do prejuízo em discussão.

Incidência da Súmula nº 279/STF. 3. Agravo regimental não provido, com imposição de multa de 1% (um por cento) do valor atualizado da causa (art. 1.021, § 4º, do CPC). 4. Havendo prévia fixação de honorários advocatícios pelas instâncias de origem, seu valor monetário será majorado em 10% (dez por cento) em desfavor da parte recorrente, nos termos do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, observados os limites dos §§ 2º e 3º do referido artigo e a eventual concessão de justiça gratuita.” (RE 1.242.964-ED-segundos-AgR, Relator(a): Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe de 8/04/2021).

No caso dos autos, foi decidido que seria inaplicável o precedente paradigma exarado no RE 636.331-RG (Rel. Min. Gilmar Mendes, Tema 210), pois não se trata de transporte de passageiros e de bagagem, mas de vício na prestação de serviço de transporte aéreo de mercadoria. Ibidem.

Por fim. Com espeque no art. 21, §§ 1º e 2º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, foi negado seguimento ao recurso extraordinário aviado pela empresa transportadora.

Em resumida síntese: esta decisão impacta o setor de transporte aéreo quanto o de seguros, ao clarificar as condições e os limites desse direito de regresso. A seguradora será indenizada, em ação de regresso, na hipótese de seguro de dano pelo valor desembolsado ao segurado, reforçando o entendimento jurídico sobre a responsabilidade das transportadoras aéreas no Brasil.

É o cabia informar sob o julgamento da matéria sub judice exposta neste ensaio.

Porto Alegre, 31 de outubro de 2024.

Voltaire Marensi - Advogado e Professor

[1] Inciso III, do artigo 346 do atual Código Civil.

[2] Comentários ao Novo Código Civil, Volume V, Tomo I. Editora forense, 2005, página 502.

[3] Halperin. Morandi. Seguros. Segunda edicion actualizada, Depalma, 1.991, páginas 718/719.

[4] Decisão inserta no Recurso Extraordinário sob número 1.047.433/SP.

[5] In, DJe., 22 de outubro de 2024.


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