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Doença Preexistente no Seguro de Pessoa

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Voltaire Marensi - Advogado e Professor Voltaire Marensi - Advogado e Professor

O nosso Código Civil cuidou de tratar do seguro de pessoa nos artigos 789 a 802. Salvante alguns dispositivos insertos na lei substantiva, que tratam de excluir a indenização quando o segurado se suicida nos primeiros 2 (dois) anos de vigência inicial do contrato,[1] com coro na súmula 610 do Superior Tribunal de Justiça, o legislador somente acoberta na apólice “se a morte ou a incapacidade do segurado provier da utilização de meio de transporte mais arriscado, da prestação de serviço militar, da prática de esporte, ou de atos de humanidade em auxílio de outrem”.[2] Aliás, ambos dispositivos são provenientes e previstos no Código de Seguros Francês, que serviu de inspiração através da doutrina sustentada no STF na primeira das casuísticas pelo ministro Luis Gallotti com a construção do prazo de uma cláusula que chamou de incontestabilidade diferida, e de um outro dispositivo, na segunda hipótese, que cuidou de gizar na lei, como atos “mais arriscados” por demais dissecado na obra dos irmãos franceses Mazeaud et Mazeaud em seu clássico Tratado da Responsabilidade Civil desenvolvida em seis alentados volumes.

Nenhuma outra excepcionalidade, que não esbarra no princípio da boa-fé foi prevista e tipificada em nossa legislação material, nem mesmo quando se trata de aceitar, ou não, riscos oriundos de eventuais doenças preexistentes que acometem o segurado. Não se prevê também qualquer limite de idade que restrinja, em tese, a contratação do seguro.

Pois bem. O Portal do Superior Tribunal de Justiça de ontem, 10/05/23, exibe a seguinte notícia: “Seguradora deverá pagar indenização a segurado que não tinha diagnóstico médico confirmado”.

Essa matéria já foi também objeto de decisão piloto da lavra do douto ministro Eduardo Ribeiro, em julgamento realizado em 23 de março de 1999 pela Egrégia Terceira Turma daquele Colegiado.

Ficou assentado naquele julgamento que “se a seguradora aceita a proposta de adesão, mesmo quando o segurado não fornece informações sobre o seu estado de saúde, assume os riscos do negócio. Não pode, por essa razão, ocorrendo o sinistro, recusar-se a indenizar”.

Tal decisão foi por mim comentada no sentido do acerto da decisão proferida alhures no recurso especial sob número 198.015/GO.[3]

Pois bem. Com o advento da súmula 609, a Segunda Seção daquele Tribunal, em 11/04/2018, enunciou:

“A recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado”. Grifei.

Em verdade o enunciado é, de fato, um pouco mais abrangente daquele processo que foi leading case na Corte que declinei linhas acima.

O histórico no qual se julgou o Aresp número 2.028.338-MG, relatado e julgado pelo eminente ministro Marco Buzzi no presente mês de maio, assevera que teria sido ajuizada uma ação de cobrança de seguro de vida pelas herdeiras do de cujus, vale dizer, segurado, que após darem entrada no pedido para recebimento da indenização, a seguradora teria negado o pagamento sob justificativa de que o falecido sabia ser portador de doença e teria omitido tal informação no momento da contratação securitária.

Já em primeiro grau, a seguradora foi condenada a pagar o valor da indenização securitária. O Tribunal Estadual manteve a decisão, sob o prisma de que, por não haver diagnóstico conclusivo, mas apenas alterações com suspeita de células neoplásicas, o segurado não tinha obrigação de se autodeclarar portador de alguma doença quando contratou o seguro. Grifei.

A Companhia de Seguros recorreu ao STJ sustentando que, como o contratante investigava a possibilidade de estar com uma doença grave, ele teria violado o dever de boa-fé ao se declarar em plenas condições de saúde. (Sic dos autos).

Por ocasião do julgamento já em sede de agravo interno, a Quarta Turma confirmou a decisão monocrática do relator, ministro Marco Buzzi, que negou provimento ao recurso da seguradora. Além de invocar a referenciada súmula 609, o ministro ressaltou a vigente Súmula 7 do Tribunal, que impediria o reexame de provas em recurso especial.

Segundo excerto do voto do ministro relator, "o tribunal de origem, soberano na análise das circunstâncias fáticas da causa, asseverou que a seguradora, ora recorrente, não solicitou a realização de exames ou perícia prévios para apuração de doenças preexistentes, e tampouco comprovou a má-fé do segurado, o que tornaria ilícita a recusa da cobertura securitária.”

Ademais, o entendimento da Corte de origem estaria em consonância com a jurisprudência do STJ e que, para afastar suas conclusões a partir dos argumentos apresentados pela seguradora, seria inevitável reavaliar as provas do processo.

O relator, ministro Marco Buzzi, aditou também que, como destacado pelo acórdão guerreado, a proposta que foi preenchida pelo segurado e juntada aos autos estaria ilegível, não sendo possível entender o que foi perguntado, nem tampouco se as respostas apresentadas seriam realmente falsas.

Nesse sentido, ressaltou o julgador, os seguintes precedentes:

“AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA PARTE DEMANDADA. 1. Nos termos da Súmula 609/STJ, "a recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado". 2. A revisão do aresto impugnado exigiria derruir a convicção formada nas instâncias ordinárias acerca da inexistência de má-fé por parte do segurado e do cabimento da condenação ao pagamento de danos morais no caso dos autos. Incidência das Súmulas 5 e 7/STJ. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.022.106/SC, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 27/6/2022, DJe de 30/6/2022.

Outro julgado inserto nos autos:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.

SEGUROS DE VIDA E SEGUROS PRESTAMISTAS. INDENIZAÇÕES NEGADAS SOB O FUNDAMENTO DE DOENÇA PREEXISTENTE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 609 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NÃO EXIGÊNCIA DE EXAMES MÉDICOS À ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO DOS SEGUROS. RISCO ASSUMIDO PELA SEGURADORA, QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DE COMPROVAR A ALEGADA MÁ-FÉ DO SEGURADO. SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. (AgInt no AREsp n. 2.003.688/PR, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 9/5/2022, DJe de 11/5/2022).

Mais o seguinte, segundo o relator:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.

SEGURO HABITACIONAL. NÃO CABIMENTO DA RECUSA DE COBERTURA. DOENÇA PREEXISTENTE. MÁ-FÉ DO SEGURADO QUE NÃO DECORRE DA SIMPLES OMISSÃO. INTENÇÃO MALICIOSA NÃO DEMONSTRADA. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Segundo orientação jurisprudencial desta Corte, a recusa da seguradora ao pagamento da indenização contratada, sob a alegação de doença preexistente, pressupõe a realização de exame médico antes da contratação ou a comprovação de que o contrato de seguro foi celebrado pelo segurado com má-fé.

[... . ...] 3. Para concluir que o segurado teria agido de má-fé, seria indispensável o reexame fático-probatório, providência vedada na via eleita, ante a incidência do enunciado n. 7 da Súmula do STJ. 4. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 1788274/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/05/2021, DJe 13/05/2021).

No mesmo sentido, ainda, confiram-se os seguintes julgados, arrematou o ministro relator: AgInt no AREsp n. 1.988.273/DF, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 14/3/2022, DJe de 21/3/2022; AgInt no AREsp 1622988/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 23/02/2021, DJe 03/03/2021; AgInt no AREsp 1355356/PR, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 19/08/2019, DJe 27/08/2019.

Por fim, arrematou o eminente relator do processo ora comentado de que não é demais lembrar a orientação da Corte no sentido de que verificada a ausência de elementos concretos para a caracterização de má-fé, deve-se presumir a boa-fé do segurado. A presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, sendo milenar a parêmia: a boa-fé se presume; a má-fé se prova. (REsp 956.943/PR - Repetitivo, Rel. p/ acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe de 1º/12/2014)." (AgInt nos EDcl no REsp n.1.745.782/PR, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 29/11/2018).

Portanto, o Superior Tribunal de Justiça consolida seu entendimento de que no caso de seguro de vida se o segurado realmente agir com má-fé, o princípio anverso, vale dizer, a boa-fé, deve prevalecer porque a regra geral determina que aquela deve ser devidamente comprovada para que o segurado perca seu direito ao pagamento da indenização securitária.

Se vislumbra pelo que se acaba de expor na decisão acima relatada que precisamos, urgentemente, confeccionar uma legislação mais moderna, ágil e competitiva para que o mercado de seguro cresça com plena credibilidade, mas, sempre pautado por normas austeras que consolidem em grau hierárquico ordinário a valorização do contrato de seguro, deixando normas inferiores previstas em nível constitucional para que regulamentem ordenamentos substanciais pautados no verdadeiro espírito da Teoria Da Norma Jurídica de Norberto Bobbio, aonde Romano escreveu que “antes de ser norma” o direito é organização.[4]

Organização é nada mais do que o respeito ao princípio da elaboração das leis, aonde estão plasmadas as bases da construção do arcabouço jurídico previsto em todas nossas Constituições!

Porto Alegre, 10/05/2023

Voltaire Marensi - Advogado e Professor


[1] Parte inicial do artigo 798 do Código Civil.
[2] Artigo 799 do CC.
[3] O Seguro no Direito Brasileiro, 9ª edição. Lumen/Juris/Editora, página 62.
[4] Teoria na Norma Jurídica. Norberto Bobbio, Editora Edipro, 2019, página 35.


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