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Impossibilidade de Cessão de Direitos de Reembolso de Despesas Médicas à Clínica Particular

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Voltaire Marensi - Advogado e Professor. Voltaire Marensi - Advogado e Professor.

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do recurso especial sob número 1.959.929-SP, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, a Terceira Turma, à unanimidade, decidiu que não é possível a cessão de direitos de reembolso das despesas médico-hospitalares em benefício de clínica particular, não conveniada à operadora do plano de saúde, que prestou atendimento aos segurados sem exigir pagamento.

De fato. A celeuma envolveu uma clínica e um laboratório particulares que captavam pacientes anunciando o atendimento de todos os convênios médicos.

Segundo o ministro relator, “o direito ao reembolso depende, por pressuposto lógico, que o beneficiário do plano de saúde tenha, efetivamente, desembolsado valores com a assistência à saúde, sendo imprescindível, ainda, o preenchimento dos demais requisitos legais, como a comprovação de que se tratava de caso de urgência ou emergência ou que não foi possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras. Grifei.

Só a partir daí, continua o eminente relator, é que haverá a aquisição do direito pelo segurado ao reembolso das despesas médicas realizadas. Antes disso, haverá mera expectativa de direito.

Dessa forma, se o usuário do plano não despendeu nenhum valor a título de

despesas médicas, mostra-se incabível a transferência do direito ao reembolso, visto que, na realidade, esse direito sequer existia.

Com efeito, não se pode transmitir um crédito que ainda não se tem. Logo, o

negócio jurídico firmado entre as recorridas e os segurados da recorrente (cessão de direito ao reembolso) operou-se sem objeto, o que o torna nulo de pleno direito”.[1]

De outro giro, doutrina Pontes de Miranda que “o crédito que passa ao cessionário é o mesmo crédito, a que apenas se mudou o sujeito. As pretensões que já existiam transferem-se; bem assim, as ações”.[2]

Pois bem. Com o advento do Código Civil de 2002 se repetiu em seu artigo 286 o enunciado do Código anterior que dizia:

“O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor”.[3]

Já, no artigo 286 do Código Civil vigente, se acresceu:

“A cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação”.[4]

É da natureza da modalidade de reembolso que haja desembolso prévio por

parte do beneficiário, por meio de assinatura de contratos e termos de autorização.

Houve, sem dúvida má-fé de ambas as partes. Vale dizer, dos pretensos beneficiários que se utilizavam dos serviços das clínicas ou laboratórios e destas também que se utilizavam de expedientes que fogem ao padrão estabelecido nos ditames legais insertos nas normas atinentes à cessão de crédito.

Tanto isto é certo que ao dar provimento ao recurso especial da operadora, o ministro relator Marco Aurélio Bellizze concluiu que o “beneficiário, ao ser informado que poderia realizar serviços médicos sem ter que desembolsar qualquer quantia, bastando assinar um contrato cedendo o direito ao reembolso do que for cobrado, acabava não se opondo ao que lhe era solicitado pela prestadora de serviço, concedendo verdadeira “carta branca” para que as clínicas ou os laboratórios solicitassem quaisquer exames e consultas, inclusive pelo valor máximo da tabela de reembolso do plano de saúde”.[5]

Já ensinava o saudoso jurisperito Clóvis Beviláqua que se cuidava esse instituto, quando de sua criação, de um instrumento estranho ao previsto no direito romano, para o qual a rigorosa personalidade do vínculo jurídico obrigacional não permitia a transmissão dos direitos creditórios por ato entre vivos. Salientava, ainda, a plena florescência e seu desenvolvimento nos Códigos Civis, alemão e suíço das obrigações.[6]

Enfim. Sem contraprestação, ou seja, sem pagamento algum não há crédito a ser transferido. Pois o que “se cede é o crédito, não a relação jurídica, e apenas se há de entender que se inseriu o cessionário, na mesma relação jurídica, em lugar do cedente.[7]

Destarte, querer usufruir vantagem indevida de uma situação forjada por entes que militam e profissionalizam a saúde no Brasil não condiz com os limites mínimos do razoável, na feliz expressão de Luís Recasens Siches, filósofo mexicano inspirado, entre outros, por Hans Kelsen jurista de escol, independente de maiores adjetivações.

Guardo muitas restrições como grande parte dos brasileiros em relação aos planos de saúde e suas respectivas operadoras de um modo geral, porém jamais se pode coadunar com atitudes deploráveis de empresas que comercializam a saúde e, tampouco, contra princípios básicos da boa-fé que orbitam todas as relações jurídicas, mormente quando se refere ao mais elementar dos direitos fundamentais que aquela (Saúde) – Direito de Todos -, ostenta em cada dia para gáudio dos seres humanos.

Aí, sim, se poderá dizer alto e de bom som a seguinte frase histórica:

“Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé”.[8]

É o que penso, s.m.j.

Porto Alegre, 12/05/2023.

Voltaire Marensi - Advogado e Professor.

[1] Excerto do voto do ministro relator.

[2] Tratado de Direito Privado, volume 23. Editor Borsoi. Rio de Janeiro 1958.

[3] Artigo 1.065 do Código Civil de 1.917.

[4] In fine, artigo 286 do atual Código Civil.

[5] Portal do STJ de 12/05/2023.

[6] Código Civil Comentado, volume IV, 1.934, página 231.

[7] Pontes de Miranda. Obra citada, página 275.

[8] Google. Paulo em 2ª Timóteo 4.7.


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