Restrição da competitividade nos processos licitatórios
Os princípios das licitações, agora previstos na Lei 14.133/21 em seu artigo 5º, são fundamentais para garantir a transparência, a eficiência e a igualdade de oportunidades nos processos de contratação pública. Entre os princípios mais importantes estão a legalidade, que implica a conformidade estrita com as leis e regulamentos pertinentes; a impessoalidade, que exige imparcialidade no tratamento dos participantes; a moralidade, que busca assegurar a integridade e a ética nas transações; a igualdade, que visa garantir condições equitativas para todos os concorrentes; a publicidade, que demanda a divulgação ampla e acessível dos atos e procedimentos licitatórios; e a eficiência, que busca a obtenção do melhor resultado com o uso racional dos recursos públicos. Esses princípios fornecem um arcabouço ético e legal que orienta a condução das licitações, promovendo a justiça e a efetividade na contratação de bens e serviços pelo setor público.
Neste sentido, a restrição da competitividade nos processos licitatórios representa um desafio significativo para a promoção de parte dos princípios indicados, quais seja, da transparência e da eficiência nas contratações públicas.
A competitividade é essencial para garantir que o governo obtenha os melhores produtos e serviços pelos preços mais justos, estimulando a inovação e a qualidade. No entanto, quando a competitividade é restringida, os órgãos públicos correm o risco de pagar mais por menos, comprometendo o uso eficiente dos recursos públicos, gerando mais gastos do que o efetivamente estimado e aumentando a insegurança jurídica sobre o processo de contratação.
Um dos principais fatores que podem restringir a competitividade é a imposição de requisitos excessivamente rígidos para participação nos processos licitatórios. Isso pode incluir critérios de habilitação técnica, econômica e financeira que excluem desnecessariamente potenciais concorrentes, limitando assim o número de propostas recebidas e diminuindo a concorrência.
A jurisprudência consolidada do Tribunal de Contas da União estabelece que todas as exigências especiais de habilitação devem estar devidamente previstas na legislação de licitações e devidamente justificadas no processo. O não cumprimento desses requisitos pode acarretar a consideração dessas exigências como restritivas à competitividade do certame, como já proferido:
REPRESENTAÇÃO. TOMADA DE PREÇOS. CLÁUSULAS RESTRITIVAS À COMPETITIVIDADE. OITIVA. ADOÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR PARA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DO CONTRATO. EXAME DE MÉRITO. PROCEDÊNCIA. ASSINATURA DE PRAZO PARA ANULAÇÃO DO CERTAME E DOS ATOS DELE DECORRENTES. CIÊNCIAS. ARQUIVAMENTO.
Nº 6.198/2009 - TCU - 1ª Câmara
No enunciando do Acórdão 1567/2018-Plenário do Tribunal de Contas da União, cuja sessão ocorreu em 11/07/2018, cujo Relator foi o Ministro Augusto Nardes, constou:
“Caracteriza restrição à competitividade da licitação a exigência, como critério de habilitação, de atestado de qualificação técnica comprovando experiência em tipologia específica de serviço, salvo se imprescindível à certeza da boa execução do objeto e desde que devidamente fundamentada no processo licitatório”.
Outra questão que contribui para a restrição da competitividade é a falta de divulgação adequada dos editais de licitação. Quando as oportunidades de negócios não são amplamente divulgadas, empresas qualificadas podem não estar cientes das licitações em andamento, reduzindo assim o número de concorrentes e enfraquecendo o processo competitivo. Neste sentido, a jurisprudência pátria já se manifestou:
EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO - APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO DE SEGURANÇA - LICITAÇÃO - EDITAL - SUPERVENIENTE MODIFICAÇÃO - AUSÊNCIA DE PUBLICAÇÃO - PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, PUBLICIDADE, ISONOMIA E VINCULAÇÃO AO EDITAL - SENTENÇA CONFIRMADA. I. A Administração Pública deve ser regida pela legalidade e pela publicidade, na forma do art. 37 da CR/88. Também é imprescindível a observância da transparência, de forma a possibilitar a isonomia e a vinculação ao instrumento convocatório. II. Considerando que as alterações promovidas na planilha não foram devidamente publicadas, bem como que os emails enviados pela municipalidade à impetrante dão conta de que não houve qualquer alteração no edital, resta evidenciada a nulidade do ato administrativo que desclassificou a empresa, assim como dos subsequentes. Sentença confirmada.
TJMG - AP CÍVEL/REM NECESSÁRIA Nº 1.0000.16.019066-6/005 - COMARCA DE CONTAGEM - APELANTE(S): MUNICÍPIO DE CONTAGEM - APELADO(A)(S): EMPA SA SERVICOS DE ENGENHARIA. Julgado em 07/05/2020.
Além disso, práticas como direcionamento de licitações, favorecimento de determinados fornecedores ou conluio entre empresas também podem minar a competitividade nos processos licitatórios. Essas práticas antiéticas comprometem a integridade do processo de contratação pública e prejudicam a confiança da sociedade nas instituições governamentais.
Para combater a restrição da competitividade, é fundamental que os órgãos responsáveis pela condução das licitações adotem medidas eficazes de transparência, divulgação e fiscalização. Isso inclui a ampla divulgação dos editais, a adoção de critérios de habilitação proporcionais e razoáveis, o fortalecimento dos mecanismos de controle e fiscalização, bem como a promoção de uma cultura organizacional pautada pela ética e pela integridade. Assim prevê também a Jurisprudência:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – MANDADO DE SEGURANÇA - LICITAÇÃO - PREGÃO - EXIGÊNCIA DE CADASTRO ESTADUAL DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA OU ALVARÁ DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA DO MUNICÍPIO – EXIGÊNCIA QUE FERE O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E DA AMPLA COMPETITIVIDADE – DECISÃO REFORMADA – AGRAVO PROVIDO.1 - A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos regentes. Por isto, é vedado ao órgão licitante incluir cláusulas ou condições que restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo. 2 – A exigência de cadastro estadual ou municipal viola o princípio da isonomia e cerceia a competitividade própria do procedimento licitatório, sobretudo quando há possibilidade de apresentação de justificação da ausência da documentação exigida, e não é aceita.
(TJ-MT - AI: 10084625320178110000 MT, Relator: GILBERTO LOPES BUSSIKI, Data de Julgamento: 10/06/2020, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 22/06/2020)
Em última análise, garantir a competitividade nos processos licitatórios é essencial para assegurar que os recursos públicos sejam utilizados de forma eficiente e em benefício da sociedade como um todo. Ao promover a concorrência justa e transparente, os órgãos governamentais podem alcançar melhores resultados, obter melhores produtos e serviços e fortalecer a confiança dos cidadãos nas instituições públicas.
Sobre o autor:
Tamara Henriqueta da Silva Ojeda - Advogada no Vigna Advogados Associados, graduada pela Universidade Metodista de São Paulo, atuante no contencioso cível estratégico em demandas das mais diversas complexidades, com foco em Direito do Consumidor, Direito Bancário, Recuperação de Crédito e Licitações. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Pós-Graduada em Direito Contratual pela Faculdade Metropolitana. Inscrita na seccional na ordem dos advogados do Brasil em São Paulo.
Sobre o escritório:
Fundado em 2003, o VIGNA ADVOGADOS ASSOCIADOS possui sede em São Paulo e está presente em todo o Brasil com filiais em 15 estados. Atualmente, conta com uma banca de mais de 280 advogados, profissionais experientes, inspirados em nobres ideais de justiça. A capacidade de compreender as necessidades de seus clientes se revela em um dos grandes diferenciais da equipe, o que permite desenvolver soluções econômicas, ágeis e criativas, sem perder de vista a responsabilidade e a qualidade nas ações praticadas.
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