Planejamento patrimonial e a bi-tributação em casos de falecimento no estrangeiro
* Ricardo Cerqueira Leite
Globalização, tecnologia, integração econômica, acabaram por tornar o mundo uma região muito menor do que já fora outrora. É cada vez mais comum a estratégia empreendedora de se lançar a outras economias e muitas das vezes fixar residência em outros países.
Os números mostram que os Estados Unidos é o destino preferido dos investidores. Segundo levantamento da AT Kearney[1] , os EUA é o melhor país para investir e ganhar dinheiro, ficando em primeiro lugar no ranking pelo 10º ano consecutivo. Economia de mercado, segurança jurídica, grande público consumidor, moeda forte entre outros, tornam esse país o preferido para os que são mais ousados, preparados e desejam ganhar em moeda forte.
No entanto, há aspectos legais que muitas vezes são considerados e analisados tardiamente, de maneira que o custo desse movimento acaba sendo bem mais dispendioso que o necessário por falta de planejamento.
Há pontos importantes que precisam ser levados em conta:
1) Os Estados Unidos tributam seus residentes levando em conta renda mundial/global. Assim, uma vez que um determinado indivíduo se torna residente tributário, ele já se submete às obrigações tributárias daquele país. Dessa maneira, é comum o indivíduo brasileiro que não fez um planejamento adequado se deparar com um cenário de bi-tributação, pois deve informar o Fisco brasileiro acerca de suas rendas, patrimônio, e de igual maneira, informar o IRS – Internal Revenue Service (Receita Federal Americana). Há um mecanismo de créditos e débitos que poderá amenizar a carga tributária do contribuinte. No entanto, a conta vai sair mais salgada;
2) Em caso de falecimento, haverá efeitos sucessórios e tributários muito relevantes, em especial quando há bens imóveis. A legislação brasileira[2] dispõe que o inventário deve observar a lei de onde os bens imóveis se encontram. Portanto, bens localizados no Brasil, devem se submeter, no tocante à sucessão, à legislação brasileira (art. 23, II do CPC). Por outro turno, a legislação americana possui leis próprias que impõem a abertura da sucessão naquele país. Portanto, o falecimento implicará a abertura de dois inventários.
3) Ademais, nos Estados Unidos há o denominado “estate tax”, que pode chegar a 40% sobre o valor do monte mor, observadas as faixas de isenção. Os bens que superarem as faixas de isenção, de propriedade do De Cujus, que fora residente tributário americano, poderão, além de se submeter aos efeitos tributários no Brasil, como a incidência do ITCMD, poderão também vir a suportar as incidências tributárias do estate tax americano, a incidir sobre a parcela que exceder a faixa de isenção;
4) Rendimentos provenientes de dividendos são isentos no Brasil. No entanto, esses rendimentos devem integrar a receita do indivíduo que é residente tributário nos Estados Unidos e assim aumentar a base de cálculo do seu “income tax” (imposto sobre a renda). Esses são alguns dos exemplos que demandam pesquisa, mesmo investigação e planejamento.
Certamente a imigração para um país de primeiro mundo, como os Estados Unidos, traz consigo oportunidades relevantes. No entanto, há também ameaças, que precisam ser identificadas.
Há um emaranhado de normas e conflitos de leis no espaço, que precisam ser analisados e aplicados.
Uma estratégia relativamente simples é a criação da holding patrimonial em território brasileiro que tenha como proprietária de 100% do capital uma LLC americana (Limited Liability Company). Assim, os titulares do patrimônio poderiam inicialmente transferir seus bens no Brasil para a holding a ser criada e, ao mesmo tempo, serem membros de uma LLC, que por sua vez seria a única sócia dessa holding. Esse modelo permite que a declaração de bens ao IRS se restrinja à participação societária na referida LLC, que será o ente a consolidar todo o patrimônio e renda.
Há muito mais a dizer sobre o tema. Em resumo, sempre que lidamos com dois ordenamentos distintos, o mundo jurídico, os tratados, os conflitos, precisam ser conhecidos, pois assim evitar-se-á surpresas desagradáveis.
* Ricardo Cerqueira Leite é sócio-fundador da Cerqueira Leite Advogados Associados, professor de Doing Business in Brazil na FAAP, Mestre em Direito Comercial Internacional pela UC-Davis e sócio-diretor da One World International Partners (OWIP)
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