Hershey: a cidade cubana que abasteceu os EUA com chocolates por 20 anos

"Nós tínhamos o melhor açúcar do mundo e vivíamos como reis. Tínhamos nosso próprio time de beisebol, nossas bandas, nossos clubes, nossos concertos e filmes", relembrou Amparo de Jongh, de 93 anos, ao jornal britânico The Guardian. Ele foi o primeiro cidadão de Hershey, hoje Camilo Cienfuegos, a 55 km da capital de Cuba, Havana.

"Nós íamos ao hotel da cidade para comprar sorvete, onde eles tinham toalhas de renda, porcelana inglesa e, claro, chocolates e charutos. Quando éramos jovens, todas as meninas queriam ir aos jardins da Hershey. Era um lugar incrível", continuou.

Em 1917, o pioneiro estadunidense do chocolate, Milton Hershey, foi a Cuba atrás de açúcar para suprir sua fábrica nos Estados Unidos, mas acabou ficando na ilha e abrindo uma fábrica. Comprou vários engenhos de cana e estabeleceu uma cidade de 180 casas não tão longe da capital, onde construiu um campo de golfe, um complexo esportivo e uma linha férrea que saía de Casablanca, do outro lado da Baía de Havana, em direção ao porto de Matanzas, a 105 km de Havana. Leilões de imóveis começaram a vender lotes no município recém-inaugurado.

O negócio cubano supriu todo o império estadunidense de chocolate do empresário, enviou melaço para as fábricas de rum da estrada cubana e chegou a vender açúcar para a Cola-Cola.

Hershey criou o boom do açúcar a partir de Cuba também por causa da devastação de campos de beterraba na Europa durante a Primeira Guerra Mundial, e logo a cidade onde a fábrica estava instalada passou a ser apelidada na ilha de "Dança dos Milhões".

Os dois Hersheys – a cidade e o empresário – viram o preço do produto subir mais do que o dobro em dois meses: o total de remessas cubanas valia R$ 2,3 bilhões em 1919, e chegou a incríveis R$ 5,1 bilhões em 1920 (conversões de outubro de 2018). No entanto, o excesso de fornecimento bateu profundamente na fábrica em 1921 e, em 1946, Milton Hershey vendeu o negócio.

Hoje, as fachadas coloridas das casas e os pórticos das construções ao redor da fábrica de Hershey, além do grande engenho de açúcar (vendido em 2002), definham na vegetação tropical do vilarejo que continua lá sob o nome de Camilo Cienfuegos, mas o trem segue saindo de Matanzas três vezes ao dia em direção a Casablanca, em Havana.

O arquiteto habanero Renán Rodríguez espera conseguir preservar a herança industrial de Hershey e promover o trem como uma atração turística. Ele planeja abrir um museu e um restaurante em Casablanca, além de restaurar o Hotel Hershey e abrir as antigas casas dos trabalhadores da fábrica para acomodações de visitantes.

O trem diário deixa a estação de Casablanca – transformada pelo artista francês Daniel Buren para a Bienal de Havana de 2015 – com solavancos. Os vagões doados pela cidade de Barcelona, na Espanha, em 1997, rodam pelo porto de Havana em meio a folhas de bananeira e galhos de árvores, carregando passageiros, viajantes, turistas, cabras e porcos. A velocidade máxima das composições é de 40 km por hora, passando em meio a fazendas, campos de cana, engenhos de açúcar e algumas casas remotas. A viagem dura pouco mais de três horas e é a maneira mais barata de ir de Havana para Matanzas.

Como Cuba entrou no circuito turístico caribenho nos anos 1990 e a cada ano vê os volumes de passagens aéreas vendidas aumentarem, a expectativa é de que o trem logo seja invadido por estrangeiros visitantes.

Muitos cubanos descem na estação de Guanabo para frequentar as praias do leste da capital do país, mas a viagem até Camilo Cienfuegos é mais longa: 90 minutos. A alguns quilômetros dali está a cidade litorânea de Santa Cruz del Norte, onde se encontra até hoje a fábrica do famoso rum Havana Club e lugar procurado por turistas que querem praticar mergulho nas enseadas de Jibacoa.

Jibacoa, por possuir vários resorts cubanos simples e um grande hotel de luxo, é indicada por muitos como a melhor praia dos arredores de Havana. É também conhecida pelo festival Verano en Jibacoa, que acontece a cada agosto.

A cidade cubana possui uma gêmea estadunidense: Hershey Chocolate Town, na Pensilvânia. De fato, o município construído na ilha se parece muito com a cidade que Milton abriu no seu país na mesma época, exceção feita ao abandono atual. Quando Fidel Castro tomou o poder em Cuba, o trem, o engenho e as terras foram nacionalizados e, com o nome de Camilo Cienfuegos, poucas pessoas continuaram vivendo ali. Mas é por outro orgulho que os cubanos até hoje lembram do trem: ele é o único eletrificado em toda a ilha.