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Como a filosofia pode salvar as organizações

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*Paulo Monteiro

Por séculos, a filosofia foi separada do universo empresarial. Há razões históricas para isso.

Esta área de conhecimento nasceu a partir da busca incessante por algo que transcende o mundo material e individual. Aristóteles, por exemplo, trouxe o termo telos para referir-se a um “fim último”, que sobrepassa nossas ações pragmáticas, e nos conecta com o Todo, o que possibilita uma vida significativa e um estado de plenitude que ele chama de eudaimonia. Acessamos tal estado pela contemplação: uma postura dócil de admiração a algo que vai além, nos envolve e nos plenifica.

Essa contemplação não é, para os filósofos gregos, uma postura passiva, de quem somente aprecia à distância algo que não o modifica. Aristóteles argumenta que, ao contemplar o indivíduo se alimenta dessa verdade e passa a atuar de forma sábia, que ele denomina phronesis. Outros filósofos clássicos trouxeram essa ideia de acesso a algo maior, que se traduz em uma vida mais consciente e plena. O próprio termo filosofia vem de philo sophia: amor à sabedoria, uma jornada em direção à verdade que nos ultrapassa e completa.

Outros filósofos surgiram com diferentes visões, mas a maioria propondo um pensamento que eleva o ser humano a uma condição mais consciente. Este “pano de fundo” transcendente originou o termo filosofia perene: o campo de sabedoria no qual diferentes pensamentos convergem, apesar das diferenças.

No entanto, a história tem seus caprichos. A revolução científica (séc. XVI), com René Descartes, Francis Bacon e outros, declarou que com a razão e a ciência o homem se tornaria o senhor do universo, capaz de pensar, medir, dividir e controlar a natureza.

Esta abordagem racional e controladora foi incorporada pela teoria econômica, que honrou também a linha individualista e utilitarista de pensadores como John Locke. A racionalidade cartesiana impregnou os sistemas econômicos culminando na Revolução Industrial, que deu origem à estrutura organizacional em voga até hoje.

O mundo do trabalho passou a girar em torno da produção. O indivíduo era um grande recurso, tendo sua existência reduzida à atividade laboral, o animal laborans, nas palavras da filósofa Hannah Arednt: um sujeito que vive para trabalhar.

Este universo onde o trabalho é onipresente e a produção é tudo o que importa, gerou uma sociedade coisificada e consumista, que atingiu o ápice na sociedade norte-americana pós-guerra, rica em dinheiro e com fome insaciável de adquirir produtos. Consolidava-se, assim, a sociedade do Ter, nas palavras de Erich Fromm. Nela, o indivíduo se esvazia de sentido, se desconecta do Todo e passa a ser uma bolha que se alimenta de coisas materiais. Nesta concepção, a filosofia e a busca por uma vida sábia e plena torna-se irrelevante e inútil.

A organização racional é concebida com uma estrutura hierárquica, dividida em partes fechadas e hiper especializadas, com uma dinâmica de relações meramente funcionais e burocráticas. Em pleno século XXI, para o nosso assombro, a maioria das organizações ainda conserva este formato, sustentado pelos mesmos pilares do século XIX. Nessas organizações coisificadas não há espaço para o Ser, tudo o que vai além de produzir e gerar mais lucro para seus donos não tem importância ou valor.

É necessário levar humanização às empresas, propor significado e propósito, relações genuínas e transparentes, práticas éticas, formação de líderes mais verdadeiros. Quando ouço “na nossa empresa não há espaço para filosofar demais”, fico absolutamente inquieto, pois a filosofia é prática: é o canal para acessar a sabedoria, que se concretiza em mundos melhores.

Para reconciliar estes dois mundos separados pela história, busco traduzir a sabedoria da filosofia em provocações e iniciativas práticas, como:

- Propor reflexões individuais e coletivas sobre o propósito e significado das ações no trabalho. O porquê e para que fazemos as coisas;
- Formar estruturas organizacionais planas, celulares, que se comunicam com interdependência e maturidade, além da própria fronteira;
- Trazer a ética como forma essencial de atuação da empresa e não como uma retórica oca ou manipuladora;
- Conectar a empresa com todos os seus stakeholders, explicitando sua função social e sustentável;
- Olhar para a tecnologia como “recurso” e não fim em si mesma, limitando-a a um uso que trará mais consciência à organização.

Acredito que a filosofia pode salvar as empresas do colapso, porque a sociedade do Ter está se mostrando cada vez mais inviável, com o esgotamento de indivíduos, sociedades e o planeta. Ao resgatar a sabedoria atemporal e perene, seremos capazes de reinventar o mundo, conectando-nos a algo que nos transcende e nos atrai ao mesmo tempo. Conseguiremos caminhar para o que Edgar Morin chama de humanismo planetário: um olhar holístico no qual o Todo é a razão de ser das partes. Neste ideal, o útil deixa de ser um fim em si mesmo, e valores universais permeiam nossas sociedades e organizações.

Utopia? Prefiro pensar que é destino, possível de ser alcançado, desde que optemos por sermos mais filósofos.

*Paulo Monteiro é filósofo, professor, consultor e autor do livro Antimanual Filosófico: para pessoas inquietas com dogmas organizacionais


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