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Vale tudo? Os limites legais para uma área comercial

  • Crédito de Imagens:Divulgação - Escrito ou enviado por  Juliana Garcia
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Uma análise, do ponto de vista da justiça trabalhista, de casos em que empresas e pessoas físicas cruzam as fronteiras da conformidade na busca por vendas

*Dhyego Pontes

Que os departamentos comerciais estão entre os principais motores de qualquer empresa e exercem um papel fundamental para a própria sobrevivência de um negócio no mercado, não há dúvidas. Mas, até que ponto uma empresa pode ir na exigência do cumprimento de metas? Quais os limites da atuação de um vendedor durante a comercialização de um produto ou serviço? Que estratégias são legítimas para a expansão de uma base de clientes?

Tais questões são importantes e vão além de uma reflexão sobre ética comercial quando levamos em conta a abundância de casos concretos envolvendo fraudes e atitudes ilícitas durante processos de venda, tanto por parte de empresas, quanto de funcionários agindo de má fé e à revelia das organizações em que atuam.

Venda casada em Instituições Bancárias

É o caso, por exemplo, da venda casada, prática expressamente proibida pelo Inciso I do Artigo 39, do Código de Defesa do Consumidor, que veda as empresas de condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço (CDC), mas que continua sendo praticada, por exemplo, em Instituições Bancárias e outras organizações.

Uma pesquisa realizada pelo IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), confirma este fato: de acordo com o estudo, três dos seis maiores bancos atuantes no país incluíram um seguro de proteção ao crédito, sem a autorização do consumidor, para a concessão de um empréstimo. Não à toa, um Projeto de lei que visa criminalizar, justamente, a venda indevida de seguros e programas promocionais de instituições financeiras, segue em tramitação no Senado (Projeto de Lei do Senado n° 33, de 2017).

A prática de venda casada, é importante ressaltar, já é tipificada como crime contra a ordem econômica, de acordo com o Artigo 35, parágrafo 3º, inciso XVIII da Lei no. 12.529/11, podendo render multa correspondente a percentual do faturamento.

Do ponto de vista da justiça trabalhista, para avaliar de quem é a responsabilidade por uma conduta indevida durante uma venda, precisamos avaliar alguns pontos importantes.

A indução a fraude

Há os casos, por exemplo, em que funcionários são induzidos a agir de modo fraudulento. Em tais situações, a empresa pode ser obrigada a indenizar seus colaboradores por danos psicológicos e morais no ambiente de trabalho. Foi o que ocorreu em processo movido por um vendedor da Via Varejo, que era obrigado a embutir itens como garantia estendida no preço final da venda e teve direito a indenização de R$ 3 mil, de acordo com entendimento da 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho.

A pressão para o cumprimento de metas

Ainda dentro desse contexto, mesmo a pressão para o cumprimento de metas – quando envolve, dentre outros fatores, a exposição do funcionário junto aos seus colegas – pode ser considerada passível de indenização. Foi o que entendeu a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), que condenou, em processo de 2007, as Casas Bahia a pagar R$ 10 mil por danos morais a um funcionário que alegou que sofria com humilhações, chacotas e sendo, inclusive, punido, quando não cumpria as metas da empresa.

Quando vendedores lesam empresas

Mas e quando a má-conduta durante um processo de venda, parte, exclusivamente do funcionário – ou seja, não foi motivada por uma política da empresa ou orientação de seus superiores? Nestes casos, as empresas precisam se munir de provas suficientes que atestem que o ato ilícito partiu, exclusivamente, de seu colaborador.

Em caso recente, por exemplo, uma empresa do ramo de bebidas do Paraná conseguiu manter a justa-causa de um funcionário, provando que o antigo vendedor da companhia lesou tanto os clientes quanto a própria companhia em vendas fraudulentas nas quais fazia pedidos de compras falso, desviava as mercadorias e, após revendê-la, distribuía os lucros com outros colaboradores. De acordo com o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR), que julgou o caso, havia prova robusta de que o recorrente participou ativamente da fraude.

Todavia, há também casos em que empresas sofrem os impactos das falhas em processos de venda originados por seus colaboradores.

Apenas para elucidar, em decisão de 2017 da 2ª Turma Cível do TJDFT, uma companhia do ramo de caminhões foi obrigada a indenizar uma cliente por danos morais, prejuízos materiais e lucros cessantes, mesmo após alegar que a fraude na venda da qual foi acusada havia sido cometida por terceiro (uma vendedora da empresa).

No caso em questão, a cliente, que adquiriu uma van da empresa de caminhões, foi informada por uma vendedora da companhia que receberia o veículo em 10 dias. Levando em conta a previsão, a consumidora fechou um contrato de prestação de serviços de transporte urbano. Como a van não foi entregue no prazo, a cliente solicitou a restituição do sinal, o pagamento de lucros cessantes, além de indenização por danos morais.

Na decisão, a juíza responsável pelo caso apontou que a responsabilidade do empregador é objetiva em relação ao trabalho exercido por funcionário seu, consoante o disposto no art. 933 do Código Civil. Isso significa que o réu agiu de forma ilícita, seja pela falta de cuidado na realização do negócio jurídico seja pela má escolha da preposta, seja pela ação ilegal praticada pela preposta, e, com isso, causou de forma direta e necessária os danos experimentados pela autora.

A necessidade de uma política comercial clara

Os casos citados aqui e, em especial, a última decisão citada, que responsabiliza diretamente uma empresa pela falha de sua vendedora com base no Artigo 933 do Código Civil apontam para a necessidade de uma política comercial e um controle de qualidade claro por parte das empresas, que contenha diretrizes e instrumentos capazes de minar condutas ilícitas por parte tanto de vendedores quanto de seus superiores.

Além disso, é importante estabelecer uma estrutura de controles internos mais robusta que permita a detecção de atos que não venham ao encontro das políticas internas estabelecidas pela empresa no que tange a ética e a transparência na apuração dos números e dados de vendas, por exemplo.

É importante citar que, dentro do contexto de um trabalho de auditoria, o reconhecimento de receita é um item que é bastante desafiado pelas empresas de auditoria, exatamente para que sejam desenhados testes específicos para mitigar o risco de reconhecimento de receita inadequado.

Os testes geralmente englobam controles operacionais, tais como controle para vendas fictícias, o corte de receita (“cut-off de faturamento”) ou até mesmo a análise de controles da alta administração, incluindo a revisão do orçado x realizado, bem como, uma boa revisão analítica mensal corroborando os dados com relatórios que assegurem a fidelidade da informação contabilizada e a expedições de mercadorias. Todas essas ações devem assegurar desde a aprovação dos pedidos de clientes até o fluxo eficiente de informações que, por sua vez também garantem a segurança de lançamentos contábeis e a transparência nas operações comerciais de uma empresa.

Por fim, a criação de uma cultura que respeite os limites impostos pelo Código de Defesa do Consumidor é fundamental. Afinal de contas, vendas são indispensáveis, mas aquelas conduzidas por meio de práticas ilícitas podem trazer prejuízos severos. Em outras palavras: na área comercial, não, não vale tudo.

*Dhyego Pontes é consultor trabalhista e previdenciário da Grounds.

Sobre a Grounds

A Grounds é uma empresa de consultoria inteligente especializada nas áreas contábil, tributária, trabalhista, previdenciária e financeira. O core business da companhia abrange todas as áreas da empresa, se diferenciando assim dos serviços de advogados, por exemplo. No último ano de atuação, a Grounds solucionou mais de 40 projetos de due diligence, consultoria fiscal-financeira e assessoria permanente em vários segmentos de atuação: Investimentos e Private Equity, Energia e Infraestrutura, Serviços, Varejo e Indústria em geral. Saiba mais em: http://grounds.com.br/


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