O que a nova (ou velha) geopolítica tem a ver com a agenda de inovação?
Denis L. Balaguer
A EY publicou neste mês um relatório com os dez temas geopolíticos para prestar atenção em 2025. Os temas estão agrupados em três grandes pilares: "Transição das eleições para a formulação de políticas", "Competição econômica e soberania" e "Rivalidades geopolíticas". Eles cobrem, em um recorte, de questões emergentes, como a nova corrida espacial, até questões seculares, como a transição demográfica, e, em outro recorte, desde os suspeitos usuais nesta temática, como guerras e conflitos, até questões à primeira vista não habituais, como clima e impostos.
Mas o que este conjunto de questões tem a ver com inovação e tecnologia? Se indiscutivelmente são assuntos no foco de atenção de muitos executivos, especialmente em áreas de estratégia, finanças e operações, para profissionais de tecnologia e inovação a conexão pode soar distante.
Aquele mundo em que o desenvolvimento tecnológico atua como peça central da vantagem estratégica das nações, cujo momento mais pivotal é retratado no filme Oppenheimer, com o Projeto Manhattan e o desenvolvimento da bomba atômica durante a segunda guerra mundial, parece largamente superado. Uma relíquia da Guerra Fria.
Começando com a queda do muro de Berlim em 1989, passando pelo fim da União Soviética em 1991 e culminando com a entrada da China na Organização Mundial de Comércio em 2001, o mundo viu um movimento de integração econômica, com cadeias de valor globais operando de forma completamente acoplada.
No entanto, os últimos anos estão trazendo uma reversão deste modelo. Movimentos como as discussões de banimento de aplicativos, investimentos nacionais em indústrias críticas e tarifas comerciais são as faces visíveis deste redesenho.
Na perspectiva da inovação, seja como gestor, investidor ou empreendedor, cada um destes temas abre grandes oportunidades a serem capturadas ou riscos a serem gerenciados. Alguns exemplos.
No Websummit deste ano houve uma quantidade enorme de menções de startups “deeptech” voltadas para o setor de defesa e espaço. Não me lembro de ver um movimento tão forte no ecossistema voltado para estas indústrias. Até poucos anos atrás, aliás, as aplicações de defesa eram razoavelmente mal vistas no setor de tecnologia.
Mais do que o ambiente de empreendedorismo, o ressurgimento das discussões de políticas industriais indutoras está intimamente conectado com este novo cenário global. Transição energética, soberania tanto nas fronteiras territoriais físicas – incluindo as espaciais – quanto nas digitais e a realocação produtiva para países alinhados são todas questões urgentes e emergentes na convergência de inovação, tecnologia e geopolítica.
Este ângulo, aliás, abre uma perspectiva dos riscos, em um aspecto razoavelmente pouco explorado. Especialmente no contexto digital, as questões do acesso e a interoperabilidade tecnológica foram, nos últimos 20 anos, objeto de pouca ponderação. Qualquer um que desenhou arquiteturas de solução nos últimos anos não precisou se preocupar nem por um segundo com a pergunta “de que país era o fornecedor da tecnologia”. Agora emergem dois requisitos novos a serem considerados.
Primeiro, em relação ao acesso: será que este fornecedor será acessível no médio-longo prazo? Esta acessibilidade por estar em risco tanto por considerações legais, como sanções, quanto por questões comerciais relacionadas à imposição de tarifas.
O segundo, talvez um pouco menos óbvio, é relacionado à compatibilidade de tecnologias desenvolvidas em contexto distintos. A guerra fria serviu de laboratório para a emergência desta incompatibilidade. Em diversas indústrias, como a aeronáutica ou eletrônica, dificilmente peças produzidas nos EUA funcionam em equipamentos fabricados nas URSS.
O caso agora é ainda mais grave, considerando que estamos assistindo à emergência de tecnologias de base, ou tecnologias de propósito geral, com as de inteligência artificial. Há um enorme risco que as condições econômicas, políticas e sociais, produzam na matriz tecnológica um fenômeno equivalente à especiação insular, descrita pela biologia evolutiva, quando espécies que se desenvolvem isoladas, em ilhas por exemplo, assumem características crescentemente divergentes aos seus exemplares de origem comum que, em contraste, continuaram o desenvolvimento em um ecossistema de maior intercâmbio e diversidade de condições ambientais. Imagine um mundo, em 20, 30 anos, em que haja uma “IA Chinesa”, uma “IA Norte-americana” e uma “IA Brasileira” e que estas não consigam operar em um mesmo sistema.
São territórios novos que desafiam os conhecimentos e modelos analíticos habituais. Teremos que nos desafiar para adquirir, ao lado da tão fundamental fluência digital, a fluência geopolítica, que nos soa, talvez, tão estrangeira, para atuarmos de forma decisiva na formulação e execução das estratégias de tecnologia e inovação nos anos à frente.
*Denis Balaguer, Diretor de Inovação e do Wavespace da EY para América Latina
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