"Cultura também é atividade essencial e não pode ser descartada em época de pandemia", diz advogada
De acordo com a pesquisa Percepção dos Impactos da Covid-19 nos Setores Culturais e Criativos do Brasil, mais de 40% das organizações ligadas aos dois setores disseram ter registrado perda de receita entre 50% e 100%. Os prejuízos ultrapassam R$ 46,5 bilhões e representam um encolhimento de 24% no setor da cultura e das indústrias criativas brasileiras, aponta a FGV Projetos.
O acesso à cultura é um direito fundamental que envolve o reconhecimento de que as manifestações artísticas nutrem o espírito das pessoas", diz Raquel Braga
O setor cultural tem sido um dos mais afetados durante o isolamento social decorrente da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). A Unesco declarou que o mundo está vivendo uma situação de "emergência cultural": instituições e equipamentos culturais estão perdendo milhões a cada dia e tendo que fazer demissões em massa, além de os artistas estarem lutando para manter condições básicas de sobrevivência.
No contexto nacional, de acordo com a pesquisa Percepção dos Impactos da Covid-19 nos Setores Culturais e Criativos do Brasil, mais de 40% das organizações ligadas aos dois setores disseram ter registrado perda de receita entre 50% e 100%. Os prejuízos ultrapassam R$ 46,5 bilhões e representam um encolhimento de 24% no setor da cultura e das indústrias criativas brasileiras, aponta a FGV Projetos.
"Este setor já vinha em crise e agora o cenário se agravou fortemente", diz a advogada e pesquisadora Raquel Xavier Vieira Braga. Para ela, cabe ao Poder Executivo não só socorrer a Cultura neste período, como desenvolver e implementar programas que viabilizem o alcance a este direito fundamental de forma recorrente a todos.
"A cultura é vital para o gênero humano não se embrutecer. Todas as pessoas precisam de cultura, assim como do alimento, da casa e da roupa, portanto é uma atividade essencial e não pode ser descartada em época de pandemia ou em qualquer outra época", defende Braga, que é mestra em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutoranda pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).
No dia 30 de junho, foi publicado no Diário Oficial da União a Lei nº 14.017/2020, chamada de Lei Aldir Blanc, que institui auxílio financeiro de R$ 3 bilhões para o setor cultural devido à pandemia de Covid-19. O valor será repassado, em parcela única, para estados, municípios e Distrito Federal, responsáveis pela aplicação dos recursos.
Trabalhadores da área cultural, que se enquadrarem nos pré-requisitos, receberão três parcelas de auxílio emergencial de R$ 600. Além disso, haverá subsídio para manutenção de espaços artísticos e culturais, microempresas e pequenas empresas culturais, cooperativas e organizações comunitárias. Esse subsídio mensal terá valor entre R$ 3 mil e R$ 10 mil, de acordo com critérios estabelecidos pelos gestores locais.
Enquanto perdurar a pandemia, a concessão de recursos no âmbito do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), dos programas federais de apoio ao audiovisual e demais políticas federais para a cultura deverão priorizar o fomento de atividades que possam ser transmitidas pela internet.
Recursos mal distribuídos
Raquel Xavier Braga acredita que a Lei Aldir Blanc é uma medida assertiva, no entanto, lembra que o orçamento do Governo Federal para a cultura, em 2019, foi de R$ 1,98 bilhão e as despesas executadas foram de R$ 742,44 milhões, sendo praticamente ausente a destinação de verba para as artes cênicas.
No ano de 2018, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os gastos públicos no setor cultural, consolidados nas três esferas de governo representaram aproximadamente 0,2% do total das despesas consolidadas da administração pública.
"Como se vê, a cultura representa muito pouco dos gastos públicos no Brasil. O estudo do IBGE mostra que todas as esferas de governo reduziram suas participações de gastos no setor cultural entre 2011 e 2018 e que 90% da captação total de recursos para projetos culturais estão concentrados nas Regiões Sudeste e Sul", explica a jurista.
Segundo ela, a cultura está presente nos fundamentos da República Federativa do Brasil e permeia a Constituição Federal de 1988, não só enquanto concretização da dignidade da pessoa humana, bem como ingrediente de autodeterminação dos povos, instrumento colaborador da promoção da paz e da solução e, ainda, como fomento ao progresso da humanidade.
"O acesso à cultura é um direito fundamental que envolve o reconhecimento de que as manifestações artísticas nutrem o espírito das pessoas. A sociedade precisa da arte para se abastecer, se fortalecer, se integrar e se acalmar, especialmente nestes delicados tempos de pandemia e de consideráveis intransigências sociais", ressalta Raquel Xavier Braga.
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