Dependentes de crack são vulneráveis ao Coronavírus e suas complicações
Psiquiatra destaca que o vírus ataca o trato respiratório, muitas vezes já comprometido em dependentes de tabaco e usuários de cigarros eletrônicos, maconha e outras drogas
Pessoas que estão em vulnerabilidade social nas ruas das grandes cidades, principalmente os dependentes químicos, preocupam profissionais da área da psiquiatria em tempos de pandemia da Covid-19. Por atacar os pulmões, o novo coronavírus pode ser uma ameaça especialmente importante para quem fuma tabaco, maconha ou que utiliza outras drogas fumadas como o crack.
Quem faz o alerta é psiquiatra Alessandra Diehl, que é vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos sobre o Álcool e outras Drogas (ABEAD). “Além disso, os indivíduos com transtornos por uso de substâncias têm maiores chances de experimentar falta de moradia e estar em situação de rua. Tais circunstâncias apresentam desafios únicos em relação à transmissão do vírus que causa a COVID-19, cuja prevenção está relacionada às medidas de higiene e isolamento social”, afirma Alessandra.
Parte dos usuários de drogas vive nas marquises de prédios e viadutos nos grandes centros urbanos. Um levantamento sobre o perfil de usuários de drogas da Cracolândia, em São Paulo, revela que a população do antigo fluxo de dependentes químicos no chamado “Quadrante Helvétia”, na região da Luz, mais do que dobrou em um ano: de 709 pessoas em abril de 2016 para 1.861 pessoas em maio de 2017. O aumento corresponde a 160% e foi divulgado pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social de São Paulo.
A Prefeitura do Rio identificou 150 locais da cidade nos quais dependentes químicos se reúnem para fazer uso de crack e outras drogas. Ao todo, esses pontos contabilizam quase 1.939 pessoas. O Centro do Rio é o bairro onde há maior concentração de dependentes químicos: são cerca de 320 usuários espalhados por locais como as avenidas Rio Branco e Presidente Vargas, duas das principais vias da região, além do Campo de Santana e Cinelândia. Na Zona Sul, a turística Copacabana é o segundo bairro onde mais se agrupam usuários de substâncias (cerca de 115 dependentes). Bangu, Complexo da Maré e Tijuca, regiões na Zona Norte, também convivem com a presença dos dependentes diariamente em suas ruas. Esses dados constam do levantamento mais recente da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (SMASDH), realizado em 2018.
Em Curitiba, no Paraná, uma pesquisa realizada pela Fundação de Ação Social (FAS) apontou que, no período de 20 dias, no ano de 2016, 1.715 pessoas se encontravam em situação de rua na cidade. Ao serem questionados sobre os motivos que os levaram à situação de rua, os quatro motivos principais foram: envolvimento com drogas, 27%; álcool, 24,7%; conflitos familiares, 22,3%; e desemprego, 9,9%. Como nesta pergunta o entrevistado poderia responder mais de uma alternativa, 13% das pessoas marcaram como motivo único o uso de drogas e 8% o consumo de álcool.
Para Alessandra Diehl, esse breve panorama visto nas três capitais brasileiras demonstra a necessidade de investimento em políticas públicas voltadas para a população que vive nas ruas, entre eles os dependentes químicos, durante a crise do novo coronavírus. “São incontáveis quantas pessoas transformam as ruas em moradia em todo o Brasil. Grande parte delas vive de esmolas, doações e furtos e com o fim do movimento nos centros urbanos, determinado pelas autoridades para conter a escalada das infecções, estão, literalmente, sozinhas. Especialmente nesse momento, essa parcela da população não pode ser abandonada. Elas convivem diariamente com a fome e, provavelmente, o medo do contágio e as medidas de prevenção devem ficar em segundo plano. Mesmo porque, não sabemos se têm informações suficientes para evitarem o contágio da Covid-19. Água e sabão, por exemplo, que não podem faltar no combate da doença, não são acessíveis para os moradores de rua”, ressalta Alessandra.
Por que a Covid-19 pode ser fatal entre os dependentes químicos?
A psiquiatra Alessandra Diehl destaca que o vírus ataca o trato respiratório e parece ter uma taxa de mortalidade mais alta que a gripe sazonal. De acordo com a especialista, a taxa exata da mortandade ainda é desconhecida, pois depende do número de casos não diagnosticados e assintomáticos, e são necessárias análises adicionais para determinar esses números.
“Até agora, as mortes e doenças graves que iniciam com a COVID-19 parecem concentradas entre pessoas idosas e com problemas de saúde subjacentes, como diabetes, câncer, condições neurológicas e condições respiratórias. Portanto, é razoável se preocupar que a função pulmonar comprometida ou a doença pulmonar relacionada à história do tabagismo, uso de maconha e ou crack como a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Todos esses fatores corroboram para incluir os dependentes na população de risco”, diz Alessandra.
Ela acrescenta que os dados têm mostrado que condições prévias, incluindo DPOC, doenças cardiovasculares e outras doenças respiratórias, pioram o prognóstico em pacientes com coronavírus, que afeta o sistema respiratório. “Embora os dados até o momento sejam preliminares, eles apontam para a necessidade de mais pesquisas para esclarecer o papel das doenças subjacentes e outros fatores na suscetibilidade a COVID-19 e seu curso clínico. Entre estes fatores certamente inclui o tabagismo, o uso de maconha fumada e o consumo de crack”, finaliza a psiquiatra.
Outro fator que preocupa a vice-presidente da ABEAD em relação às pessoas com transtornos relacionados ao uso de substâncias inclui a ausência de cuidados médicos. “O acesso limitado aos cuidados de saúde coloca as pessoas com dependência química em maior risco de muitas doenças e o quadro pode se agravar nesse momento de crise do novo Coronavírus, que provavelmente vai sobrecarregar o sistema de saúde. Mesmo que hospitais e clínicas forem ampliados, pode ser que as pessoas com dependência, que já são estigmatizadas e não são atendidas pelo sistema de saúde, experimentem ainda mais barreiras ao tratamento da COVID-19”, enfatiza Alessandra,
Na opinião dela, é muito importante que os gestores de saúde possam garantir que os pacientes usuários de crack e outras drogas não sejam discriminados se um aumento nos casos de COVID-19 colocar uma carga adicional em nosso já frágil sistema de saúde. “Neste momento, tudo que não precisamos é de mais estigma, julgamentos adicionais e moralismos de extermínio, não merecedores ou impuros. Esta guerra é de todos nós!”, finaliza a vice-presidente da ABEAD.
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