Como a terapia celular reprograma as células do paciente contra o câncer
O tratamento bem-sucedido de paciente portador de linfoma que não respondia aos diversos tratamentos quimioterápicos previamente realizados deve ser visto como um divisor de águas para a oncologia em diversos aspectos.
Pioneiro no Brasil, a técnica foi desenvolvida e aplicada no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto por um grupo de pesquisadores que trabalham há 12 anos nesse processo.
Entre os aspectos mais relevantes da intervenção está a terapia celular que se baseia em estimular processos que já existem habitualmente no organismo para controlar doenças infecciosas e células estranhas, incluídas as tumorais.
O organismo contém os glóbulos brancos, denominados leucócitos, células de defesa. Essas células formam um exército de combate a diversos agentes, algumas para o controle de bactérias, outras parasitas e vermes, e os linfócitos que também identificam focos virais.
Esse esquadrão trabalha fazendo a vigilância e a segurança do organismo contra invasores e células anormais. De certa forma, então, parte do problema no surgimento e crescimento dos tumores está ligado à falha do setor de segurança e ou surgimento de mecanismos de escape das células tumorais no sistema de vigilância, como um ladrão que cria mecanismos para assaltar um banco apesar de todos os artifícios de defesa.
Aí entra a terapia celular, que se baseia em turbinar, reforçar, transformar o sistema de vigilância de maneira que ele passe a atacar com mais eficácia as células alvo, nesse caso, células do linfoma.
O tratamento é quase artesanal. O paciente tem os linfócitos T coletados e esses, por sua vez, são modificados geneticamente para que se tornem mais eficazes na identificação e combate de células malignas. Posteriormente, esses glóbulos brancos são amplificados e reinjetados no paciente após uma quimioterapia leve para evitar que essas células sejam destruídas.
Ao receber essas células, em geral, o paciente passa por um período clínico complicado. Acontece uma verdadeira “tempestade” com a estimulação intensa do sistema imunológico e a liberação de substâncias denominadas de citocinas. Esse período clínico pode causar complicações como queda da pressão arterial e choque, e até levar o paciente para a UTI.
A ciência atua para cercar todas as questões que envolvem o câncer. São pesquisas clínicas e estudos para: evitar que tumores ocorram; encontrar os melhores métodos de diagnostico; classificar e diferenciar corretamente processos orgânicos implicados no crescimento tumoral; pesquisar drogas e ou grupo de drogas para tratamentos; e estudar protocolos inéditos e mecanismos de controle. Tudo para conseguir o extermínio de células tumorais.
Nos últimos anos os congressos de oncologia e hematologia pelo mundo todo tem sido invadido por diversos estudos com as CAR-T, que é o nome que se dá para as células, linfócitos T- quiméricas, modificadas geneticamente.
O desenvolvimento dessa terapia é promissor principalmente para a área da oncohematologia que abrange doenças como linfomas, leucemias e mieloma múltiplo. Uma tecnologia necessária, complexa e restrita a países muito desenvolvidos, principalmente Estados Unidos e alguns da Europa.
Essa conquista merece ser comemorada e é fruto de uma parceria bem-sucedida entre academia e setores de fomento à pesquisa. Até pouco tempo tínhamos a sensação de que esses tratamentos estavam distantes da realidade brasileira.
Há ainda um grande caminho a ser percorrido pois o tratamento ainda é considerado experimental, mas é um passo gigante para a ciência brasileira.
Dra. Maria Cristina Almeida Macedo é médica hematologista e coordenadora técnica da Unidade de Transplante de Medula Óssea do IBCC Oncologia.
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