Remédios produzidos por PPP geram prejuízo de R$ 56 milhões por ano ao Estado
Cesta de medicamentos custa ao governo 164% a mais que os preço de mercado, apontam dados oficiais Furp; CPI investiga o caso
Remédios produzidos por meio de um contrato de PPP (Parceria Público-Privada) custam ao governo do Estado mais que o dobro dos preços praticados no mercado, gerando um prejuízo de pelo menos R$ 56 milhões por ano aos cofres públicos.
Os números foram apresentados nesta terça-feira (11) pelo superintendente da Furp (Fundação para o Remédio Popular), Afonso Celso de Barros Santos, à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investiga irregularidades no órgão, vinculado à Secretaria Estadual de Saúde.
Segundo Santos, o governo paga anualmente cerca de R$ 90 milhões à CPM (Concessionária Paulista de Medicamentos), responsável pela gestão da fábrica da Furp em Américo Brasiliense (região de Araraquara). A concessionária é controlada pela EMS, maior indústria farmacêutica do Brasil.
"Em troca, recebemos a manutenção e operação da fábrica e uma cesta de medicamentos", disse o superintendente da Furp. "Hoje, compraríamos esses mesmos medicamentos por R$ 34 milhões no mercado."
O depoimento do superintendente foi solicitado pelo presidente da CPI, deputado estadual Edmir Chedid (DEM). Santos compareceu à Assembleia Legislativa na condição de convidado - ele comanda a Furp há apenas cinco meses.
Divergências
A diferença de custos, pontuou Santos, se deve a cláusulas do contrato de PPP, celebrado em 2013 pelo Estado. A parceria é alvo de um inquérito do Ministério Público.
"Os preços praticados pelo mercado caíram muito com o passar dos anos, e o desconto previsto no contrato deixou de ser vantajoso. Até o momento, no entanto, não identificamos nada de ilegal. Apenas um contrato mal-feito. É o risco do noviciado", afirmou.
"Essa foi a primeira experiência de PPP do país envolvendo laboratórios farmacêuticos oficiais. E é a única ainda hoje. Então, há uma curva de aprendizado. É um contrato que precisa de ajustes."
O superintendente disse que, em função dos prejuízos, a Furp tem evitado ampliar a demanda da fábrica de Américo Brasiliense. Hoje, ela opera com apenas 25% de sua capacidade.
"Por causa dessa situação, não temos demandado muito a fábrica. Acabando com essa ociosidade, tenho certeza que os nossos preços se tornarão mais competitivos", declarou Santos. "Hoje, a ociosidade das nossas fábricas custa de R$ 40 milhões a R$ 60 milhões por ano."
Além da fábrica de Américo Brasiliense, a Furp possui uma segunda unidade em Guarulhos. Esta última operava com uma ociosidade de 63% até o ano passado, índice que caiu para 54% em 2019, segundo o superintendente.
Alternativas
Santos informou à CPI que o caso vem sendo tratado desde o início do ano por uma comissão formada por representantes da Furp e da EMS.
"Não é uma questão simples, mas estamos buscando alternativas. O que já sabemos é que esse contrato não pode continuar como está", disse.
Ainda segundo o superintendente da Furp, a PPP pode até ser extinta.
"O entendimento do nosso corpo jurídico é que ele pode ser rompido pelo bem do erário público. É claro que isso não é algo simples. Teríamos que fazer a encampação da fábrica [retomada da unidade mediante compensação], o que exigiria, inclusive, o envio de um projeto de lei à Assembleia Legislativa. Estamos avaliando todas as alternativas."
Além dos prejuízos anuais, o contrato também gerou uma dívida de quase R$ 100 milhões do governo com a EMS.
"Pelo que pudemos apurar até aqui, já nos primeiros anos da PPP, o governo não concordou com os valores previstos no contrato porque conseguia preços mais baixos em atas de preços. Isso começou em 2015, 2016, e vem até hoje. Além disso, a secretaria deixou de comprar da CPM alguns remédios que se tornaram ultrapassados", declarou Santos.
"A dívida original era de R$ 74 milhões, mas já sofreu um acréscimo de aproximadamente R$ 20 milhões por juros e correção."
Repercussão
Para o presidente da CPI, Edmir Chedid, os números da PPP "são assustadores".
"Se a Furp gasta R$ 90 milhões por ano com esses medicamentos e, no mercado, eles custariam R$ 34 milhões, há um claro desperdício de R$ 56 milhões. Isso sai do bolso do cidadão. Com R$ 56 milhões, dá para comprar muito medicamento", afirmou.
"O Estado não pode perder recursos, principalmente na Saúde, onde eles são escassos."
Segundo o deputado, esses e outros pontos reforçam a importância da CPI, que tem prazo inicial de 120 dias (término previsto em setembro). Os trabalhos poderão ser prorrogados por mais dois meses mediante acordo entre os deputados.
"A comissão não tem o objetivo de acabar com a Furp, pelo contrário. Queremos investigar o que está errado e fazer com que ela cumpra sua missão com a eficiência necessária."
Novos depoimentos
Ainda na reunião desta terça-feira, a CPI aprovou quatro requerimentos para ouvir o atual secretário de Saúde do Estado, José Henrique Germann Ferreira, e seus três antecessores imediatos, Marco Antonio Zago, David Uip e Giovanni Cerri. Inicialmente, todos eles deverão comparecer à comissão na condição de convidados.
A CPI volta a se reunir na próxima terça-feira (18) para ouvir o autor da denúncia que deu origem ao inquérito do Ministério Público sobre a PPP de Américo Brasiliense. O depoimento tem início previsto para as 11h.
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