A Ucrânia na sala de aula
Eliane de Oliveira (*)
Estudar o mundo atual é um desafio para a escola. As apresentações de slides e os conteúdos dos livros didáticos dão conta parcialmente através de um viés teórico, mas precisam ser incrementados com pesquisas e diferentes práticas em sala de aula.
Dos novos movimentos políticos à presença de antigos atores mundiais, as múltiplas dinâmicas geopolíticas necessitam um caminho de investigação com o olhar crítico e ouvidos atentos às narrativas que se constroem.
O docente, ao pesquisar e refletir as turbulências mundiais, pode levar à sala de aula formas de debates e provocações para os alunos. Saindo do lugar de inertes espectadores de um espetáculo apresentado diariamente nos noticiários.
A teoria e a prática, ainda que em forma de exercício e ficção quando estão presentes nas aulas, ajudam a compreensão das questões geopolíticas que vão além do imaginário.
A saída para compreensão do cenário mundial é tornar-se um aluno pensante, crítico, analítico e, acima de tudo, empático ao tratar de questões humanas.
Semanas antes de eclodir o conflito Ucrânia X Rússia, os alunos do 9° ao ensino médio participaram de um debate sobre o tema geopolítica sobre a Ucrânia.
Comparando a Ucrânia com o tamanho um pouco maior que o estado de Minas Gerais, conhecendo seu potencial econômico com os gasodutos que passam em seu território, suas relações econômicas com a Europa e reconhecendo os limites territoriais com a Rússia, os alunos entenderam a importância econômica e posição estratégica desse país que teoricamente é independente, mas peça central para uma Europa dividida historicamente.
A Ucrânia, um país ex-integrante da antiga U.R.S.S - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, tem uma recente e frágil independência. A formação da população conta com mais de 60% dos habitantes falando russo, culturalmente e economicamente atrelados ao passado com uma identidade russa.
Essa diversidade cultural, importância territorial e complexidade de relações com os países vizinhos, principalmente a Rússia, faz da Ucrânia um elemento essencial no painel geopolítico que se redesenha.
Com mapas, imagens de ucranianos, de lugares marcado por arquitetura de igrejas ortodoxas e hino do país, os alunos fizeram uma imersão na cultura e particularidades da Ucrânia.
Aproximar os alunos de uma Ucrânia física com suas férteis estepes, planaltos e saídas para o Mar Negro e Mar de Azov, assim como conhecer os símbolos nacionais é gerar empatia para um espaço geográfico que vai além de uma geopolítica teórica.
Após essa compreensão geográfica e histórica, os alunos fizeram um debate onde foi possível dividir a turma em Ocidente (representantes da Otan, EUA e União Europeia) e Oriente (Rússia, China e países simpatizantes da liderança de Putin). O desafio era cada lado propor um acordo para evitar o conflito na região e juntos estabelecerem pactos para resolver os interesses e demandas.
Alunos frente a frente, opiniões divergentes, pesquisas e buscas sobre detalhes que poderiam convencer o opositor. Cada um com seu devido tempo e cordialidade diplomática, colocavam suas propostas, discutiam e aguardavam a análise do adversário. E assim o tempo ia passando, os ânimos se exaltavam.
Alguns queriam o acordo, outros não, alguns gritavam, outros se calavam, mas a agonia de um impasse era visível no olhar dos alunos e as soluções pareciam longe.
Após várias propostas feitas e as recusas dos dois lados, o impasse sempre se estabelecia. Falas sobre as dificuldades de um acordo, a indisposição dos dois lados e cada qual com a sua razão e interesses. Como convencer o outro lado? Como argumentar? Como não brigar?
Ameaças, armas, impaciência, algumas questões legítimas e outras inocentes, os alunos estavam animados, mas contrariados. Parecia tão simples resolver, mas em cada divergência, uma nova discussão ressurgia.
Comentários como questões políticas do Brasil com a participação do presidente em um encontro com o líder da Rússia aumentaram as discussões, a importância de repensar energia para Europa, a preocupação com os armamentos e sofrimento do meio ambiente e população. Quanto mais pesquisas, mais embates e impossibilidade de impor uma solução sem a aprovação de todos.
Tudo estava presente com muita turbulência e concluímos a aula no impasse, sem chegar a nenhuma solução.
Felizmente, esse debate é somente um exercício de possibilidades dentro da sala de aula em uma discussão muito relevante.
Não chegamos ao final, mas muitos guardaram a experiência de participação, poder, frustação e acima de tudo, o quão complexo e importante é a tomada de decisões para busca de um caminho de paz.
Os alunos sabem que estão diante de desafios: mundiais ou pessoais, individuais ou coletivos, mas satisfeita a professora conclui, observando o olhar de cada um, que sim é possível ter esperança e sim, esses meninos e meninas podem mudar o mundo.
Uma aula memorável!
(*) Eliane de Oliveira é professora de Geografia do Colégio Santa Amália, em SP, entidade mantenedora da Liga Solidária
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