Aprendizado contínuo: a saga da construção civil brasileira
Dentre os setores produtivos brasileiros, a construção civil tem se revelado como um dos mais complexos nas últimas décadas.
Refém e vilão de pacotes econômicos, das conformações políticas internas e externas, tem se valido há décadas de mão de obra mal preparada, resultado das diferenças sociais e regionais do país e do aumento convulsivo das populações que migram para as cidades e buscam moradia.
Por longo tempo a cadeia produtiva do setor viu-se às margens do avanço tecnológico, obtendo alcance apenas nas áreas administrativa e comercial, numa velocidade quase sempre incompatível com o canteiro de obra.
Em meio ao descompasso operacional, à inexpressiva importância dada ao projeto e planejamento, empresas expoentes do setor foram à bancarrota. Novos empreendedores surgiram, porém alavancados pelos mesmos conceitos e executivos repetiram as experiências amargas do passado, desta vez dissimuladas pelo doce e irresistível crescimento em bolha da economia.
Demanda superior à oferta, aquela mesma mão de obra minimamente tratada nos seus conhecimentos técnicos transformou-se em “escassa e especializada” num piscar de olhos.
Enquanto isso as indústrias fabricantes de materiais viram-se obrigadas a ampliar sua capacidade instalada por não atenderem à demanda explosiva daquele cenário.
Porém, o fim do banquete era chegado. De forma ostensiva os investimentos evaporaram, deixando uma “multidão técnica” e produtiva sem perspectivas. Fora de controle, o desemprego afetou brutalmente o mercado imobiliário, criando um cenário desértico, castigado ainda mais pelo fogo escaldante dos escândalos de corrupção.
Diante do contexto devastador, brotaram mentes inovadoras, refrescadas pelo otimismo que está sempre fazendo renascer esperanças. Inúmeros profissionais se reinventaram, enquanto outros abandonaram a profissão – esta que não tem meio termo: ame-a com fervor sobre-humano ou deixe-a.
A empresa de consultoria McKinsey em 2019, ao analisar o nível de industrialização e inovação dos setores produtivos identificou a construção civil brasileira como ocupante do penúltimo lugar, à frente apenas do agronegócio (mesmo assim gera dúvidas se este não é mais desenvolvido). A Fênix precisa ressurgir das cinzas, pois movimenta com vigor a roda da economia nacional além dos serviços e empregos indiretos.
Após mais esta fase sombria, finalmente soa como música aos ouvidos novos conceitos aplicados ao setor: industrialização, treinamento e especialização, eficiência, indústria 4.0, sustentabilidade, produtividade, logística avançada, marketing digital, internet das coisas, segurança contra incêndio, acessibilidade, norma de desempenho, qualidade e saúde do ambiente construído, durabilidade da edificação, acústica controlada, sistemas construtivos inovadores, direitos do consumidor...
Além das start-ups...construtechs...
No horizonte, novas perspectivas para o habitat, smart cities e quem sabe investimentos e crédito gerando resultados positivos e sustentáveis para toda a cadeia envolvida, incluindo o usuário final.
Que os profissionais entrantes do mercado possam atuar com esmero e responsabilidade, deixando no passado a construção desordenada e irresponsável, que tem comprometido vidas em função da qualidade dos projetos, má execução e falta de comprometimento ético de quem atua no setor. Que saibam identificar e ouvir aqueles tantos experientes que sempre defenderam o aprendizado contínuo e o fazer bem feito.
A China acabou de apresentar ao mundo o que pode ser feito. Eis nossa saga, eis nossa missão.
Lilian Ciconello é formada em Arquitetura e Urbanismo pela FAU Puccamp, com MBAs em Marketing e Gestão de Negócios pela FGV e mestrado em Habitação, Planejamento e Tecnologia do Ambiente Construído pelo IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas). Palestrante do setor e autora de artigos técnicos e científicos. Tem vivência na indústria da construção civil em grupos como Saint Gobain e Etex, com sistemas construtivos leves e proteção passiva contra incêndio, além de Portobello e outras. Atua como diretora de Educação da ABPP (Associação Brasileira contra Proteção Passiva). Foi docente do curso de Pós Adm da IBE Conveniada FGV, em Campinas (SP).
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