A Questão do Inadimplemento Substancial no Pagamento do Prêmio pelo Segurado (Destaque)
Pretendo abordar neste artigo uma decisão bastante recente exarada pelo Superior Tribunal de Justiça, que guardou a seguinte ementa:
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. COMUNICAÇÃO PRÉVIA. AUSENTE. LONGO PERÍODO DE INADIMPLENCIA. DEVER DE INDENIZAR. OMISSÃO. NÃO COMPROVADA.
O propósito recursal é decidir se é devido o pagamento de indenização securitária quando, apesar de não ter havido comunicação prévia da seguradora sobre a resolução do contrato, o segurado ficou inadimplente por longo período até a ocorrência do sinistro. Não foram demonstrados quaisquer dos vícios do art. 1.022 do CPC.
A Súmula 616 do STJ dispõe que a indenização securitária é devida quando ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso no pagamento do prêmio, por constituir requisito essencial para a suspensão ou resolução do seguro. A dispensa da exigência de comunicação prévia ao segurado deve ser analisada casuisticamente, sendo necessário que o inadimplemento seja substancial e relevante a ponto de justificar a inaplicabilidade da Súmula 616 do STJ. No entanto, a duração do período de inadimplência não pode ser o único critério a ser considerado. Grifo meu.
Para concluir pelo inadimplemento substancial em contrato de seguro, imperioso verificar não apenas há quanto tempo a parte está inadimplente, mas o percentual da obrigação que foi adimplido, quando o contrato teve início, a condição pessoal do segurado, se existiram razões que justifiquem o inadimplemento e outras peculiaridades eventualmente existentes na situação sob julgamento.
Embora seja excepcionalmente possível afastar a aplicabilidade da Súmula 616 do STJ e dispensar a comunicação prévia de resolução do contrato em razão de um longo período de inadimplência do segurado, essa não pode ser a única condição a ser observada. É necessário considerar todo o contexto fático que envolve o inadimplemento”.[1]
Em artigo de minha autoria, publicado alhures, intitulado Notificação. Súmula do STJ e seus Efeitos no Contato de Seguro, fiz a seguinte observação:
“A indenização securitária é devida quando ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso no pagamento do prêmio, por constituir requisito essencial para a suspensão ou resolução do contrato de seguro”. Súmula 616 do STJ.
A pergunta que me ocorreu, naquele ensaio, foi a seguinte: “Poderia a seguradora comunicar previamente por intermédio de e-mail seu segurado?”.
Pois bem. Registrei que em situação semelhante julgada através do Aresp número 1.346.219/SC foi realizada notificação via e-mail, ocasião em que o Superior Tribunal de Justiça decidiu que se exige a comprovação da mora mediante a notificação extrajudicial do devedor, efetuada por meio de carta registrada, enviada por Cartório de Títulos e Documentos, e entregue no domicílio do devedor, sendo desnecessária a notificação pessoal.
Em outro caso, enfatizei naquele escrito. No Aresp 1.358.819, aquele Tribunal assentou que “embora o e-mail tenha sido enviado ao endereço eletrônico fornecido pelo devedor no contrato, evidentemente, não veio acompanhado do necessário aviso de recebimento, devidamente assinado, não se prestando para tal fim, a mera declaração de envio e recebimento. Não houve, portanto, a regular constituição em mora do devedor, sobretudo a teor do artigo 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969.”[2]
Na mesma linha do entendimento se fez oportuna a referência aos seguintes julgados prolatados pelo Superior Tribunal de Justiça, verbis:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO.
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. MORA DO DEVEDOR. COMPROVAÇÃO. ENVIO DE E-MAIL. INVALIDADE. FORMA NÃO PRESCRITA EM LEI.
Resp 1.863.285/SC, Rel. Ministra Fátima Nancy Andrighi, publicado no DJe de14/08/20.
Na mesma toada registrei:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO.
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. ENDEREÇO INDICADO NO CONTRATO. ENVIO. CONSTITUIÇÃO EM MORA. ENTREGA NÃO COMPROVADA.
HARMONIA DO ACÓRDÃO RECORRIDO E JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. AgInt no Resp 1.861.436/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma. DJe de 12/06/2020.
Destarte, penso adequado e inteiramente pertinente que em se cuidando de contrato de seguro é de bom alvitre que o segurador promova, quando no atraso do pagamento do prêmio por parte do segurado, uma comunicação, rectius, uma Notificação/Interpelação judicial nos termos do artigo 726 do Código de Processo Civil, que diz:
“Quem tiver interesse em manifestar formalmente sua vontade a outrem sobre assunto juridicamente relevante poderá notificar pessoas participantes da mesma relação jurídica para dar-lhes ciência de seu propósito”.
A comunicação, dizia eu, tem o efeito de alcançar um efeito pragmático de que, de fato, o segurado tome ciência inequívoca de que não se trata de qualquer ato jurídico vedado em lei. Ao revés.
Todavia, a publicidade e a autenticidade deste documento poderão ser efetivadas, a meu pensar, até por meio extrajudicial, desde que o interessado/segurado purgue a mora e seja devidamente informado de sua inadimplência junto à seguradora que acoberta seus riscos.
E mais disse: como o prêmio é elemento básico e essencial para a cobertura do risco sua satisfação deve ser exteriorizada com a mais ampla publicidade para que não haja, eventualmente, qualquer vício que possa acoimar o negócio jurídico formalmente contratado entre as partes devidamente interessadas naquele contrato-tipo, também conhecido como de adesão e, modernamente, como típico contrato relacional aonde subjaz os princípios básicos daquele instituto jurídico previsto na legislação substancial e também em leis extravagantes que devem, de sua vez, ser aprimoradas e codificadas para melhor interpretação de seus clausulados. Hoje, temos a aprovação pelo Congresso Nacional do Marco Legal do Seguro no aguardo de sanção presidencial.
Enfim, arrematei naquela manifestação:
A comprovação da entrega da comunicação/ notificação é elemento indispensável para que o segurador prove que o segurado não honrou com sua obrigação e, dessarte, assim procedendo perca sua oportunidade para estar devidamente acobertado pelo risco contratado”.[3]
No recurso especial identificado em nota de rodapé, ora sob comento, houve uma evolução no entendimento desta matéria, pois o voto da ministra relatora foi no sentido de decidir se seria devido o pagamento de indenização securitária quando, apesar de não ter havido comunicação prévia da seguradora sobre a resolução do contrato, o segurado ficou inadimplente por longo período até a ocorrência do sinistro.
Há, efetivamente, no caso concreto, “um plus” no entendimento desenvolvido quanto à situação que se consolidou na aplicabilidade do enunciado 616 do Superior Tribunal de Justiça objeto destes comentários relativos ao tema.
Deveras. A ministra relatora acentuou em seu voto que “é firme a jurisprudência do STJ no sentido de que não há ofensa ao art. 1.022 do CPC quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, embora de forma diversa daquela pretendida pela parte.
No particular, assinalou ainda, “se verificou que o acórdão recorrido decidiu expressamente acerca das razões que o levaram a concluir pela necessidade de pagamento do prêmio ao recorrido, fundamentando-se na Súmula 616 do STJ, de maneira que os embargos de declaração opostos pela parte recorrente, de fato, não comportavam acolhimento”.
Acentuou, outrossim, que no julgamento deste recurso especial se examina a determinação expressa plasmada no atual artigo 763 ao dizer que “não terá direito à indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação”.
Pois bem, prossegue o voto da eminente relatora, objeto destes comentários:
“Da análise detalhada do REsp 316.552/SP, de relatoria do Ministro Aldir Passarinho Júnior, que originou a referida súmula, é no sentido de que a lógica deste entendimento seria de evitar a desvantagem exagerada para o segurado impontual, de forma conciliadora e razoável, em atenção à norma do artigo 51, IV, do CDC”.
Nada obstante, registra ela, Ministra Fátima Nancy Andrighi, há situações em que o segurado está inadimplente há muito tempo, mas a seguradora não logrou comunicar a rescisão do contrato. Por essa razão, apesar da longa inadimplência, apoiando-se no entendimento da Súmula 616 do STJ, o segurado pleiteia a indenização securitária.
Em respeito ao princípio da boa-fé, prossegue o bem lançado voto, “não se pode admitir que a Súmula 616 do STJ, que busca proteger o consumidor de uma onerosidade excessiva quando houver um mero atraso de pagamento, seja utilizada para fins espúrios, desviando-se de sua real finalidade de proteção ao consumidor, além de comprometer o equilíbrio contratual e a confiança entre as partes”. Grifei.
Por essa razão, consignou ainda em seu voto, que a Corte Superior tem afastado a aplicação da Súmula 616 do STJ, em algumas situações excepcionais.
Ao julgar hipótese semelhante, acentuou a douta relatora deste processo, que no caso acima examinado, o contratante estaria há aproximadamente sete anos inadimplente, razão pela qual a Quarta Turma do STJ decidiu que não haveria que se falar em mero atraso de pagamento, mas sim comportamento que indica ausência de intenção em manter o plano de pecúlio, o que justificaria a dispensa de citação para a resolução contratual.
A dispensa da exigência de comunicação prévia ao segurado deve ser analisada casuisticamente, segundo seu pensar, “sendo necessário que o inadimplemento seja substancial e relevante a ponto de justificar a inaplicabilidade da Súmula 616 do STJ. No entanto, a duração do período de inadimplência não pode ser o único critério a ser considerado.
E, disse mais, ao julgar o caso posto:
“Para perquirir a existência ou não do adimplemento substancial, a doutrina aponta alguns critérios: I) o grau de satisfação do interesse do credor, ou seja, a prestação imperfeita deve satisfazer seu interesse; II) comparação entre o valor da parcela descumprida com o valor do bem ou do contrato; III) o esforço e diligência do devedor em adimplir integralmente; IV) a manutenção do equilíbrio entre as prestações correspectivas; V) a existência de outros remédios capazes de atender ao interesse do credor com efeitos menos gravosos ao devedor; e VI) a ponderação entre a utilidade da extinção da relação jurídica obrigacional e o prejuízo que adviria para o devedor e para terceiros a partir da resolução”[4].
Adotando essa perspectiva, para concluir pelo inadimplemento substancial em contrato de seguro, imperioso verificar não apenas há quanto tempo a parte está inadimplente, mas o percentual da obrigação que foi adimplido, quando o contrato teve início, a condição pessoal do segurado, se existiram razões que justifiquem o inadimplemento e outras peculiaridades eventualmente existentes na situação sob julgamento.
Portanto, finalizou a julgadora, “que embora seja excepcionalmente possível afastar a aplicabilidade da Súmula 616 do STJ e dispensar a comunicação prévia de resolução do contrato em razão de um longo período de inadimplência do segurado, essa não pode ser a única condição a ser observada. É necessário considerar todo o contexto fático que envolve o inadimplemento”.[5]
Em verdade, penso eu, que no atual cenário, o rigorismo da aplicação do inadimplemento substancial em contratos de seguro requer efetivamente essa análise contextual, equilibrando a proteção ao segurado contra eventuais abusos de isoladas seguradoras garantindo uma maior estabilidade neste contrato. Por fim. O entendimento doutrinário e jurisprudencial tem caminhado no sentido de priorizar o cumprimento dos princípios contratuais e de garantir a razoabilidade das decisões.
É o que julgo oportuno enfatizar nestes breves comentários relativo ao tema acima epigrafado.
Porto Alegre, 20/11/2024.
Voltaire Marenzi - Advogado e Professor
[1] Publicação inserta no DJe/STJ de 18/11/2024. Resp 2160515 - SC (2024/0122589-0). Relatora Ministra Fátima Nancy Andrighi. 3ª Turma STJ.
[2] Tratava-se de um processo que envolvia o instituto jurídico da alienação fiduciária.
[3] Ensaio datado de 26/04/2023.
[4] Alusão do voto a doutrina de Prado Augusto Cesar Lukascheck. Adimplemento Substancial: fundamento e critérios de aplicação. Revista de Direito Civil Contemporâneo. V. 09, Ano 03, 2016
[5] Excerto do voto da ministra Fátima Nancy Andrighi.
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