Morte de Segurado Causada pelo Contratante do Seguro Impede Indenização para Todos os Beneficiários
Quer lendo o site, quer ouvindo o vídeo divulgado em uma reportagem dada a conhecer a qualquer interessado em tema correlato a contrato de seguro, foi julgado recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Turma, relatora Fátima Nancy Andrighi, decidido por unanimidade, que o seguro contratado com a seguradora sobre a vida de terceiro, a morte do segurado causada por ato ilícito do contratante impede o recebimento da indenização securitária pelos demais beneficiários do seguro.
O número deste processo não foi informado em razão de segredo judicial, enfatiza a sobredita reportagem.
Pois bem. "O indivíduo que contrata um seguro sobre a vida de outrem com a intenção de ceifar a vida do segurado e, por conseguinte, obter a indenização securitária, além de buscar a garantia de interesse ilegítimo, age, de forma deliberada, com a intenção de prejudicar outrem. A ausência de interesse na preservação da vida do segurado acarreta a nulidade do contrato de seguro por violação ao disposto nos artigos 757, 762 e 790 do Código Civil, segundo destacou a eminente relatora.
Consoante o entendimento do Tribunal de Justiça do Paraná, a nulidade alcançaria apenas o beneficiário que praticou a conduta ilícita.
Uma mulher teria contratado um seguro cujo objeto era a vida do seu marido, tendo como beneficiários ela própria e os filhos. Cerca de seis meses após a contratação, o segurado foi morto. Acusada de ser a mandante do crime, a esposa foi condenada pela prática de homicídio duplamente qualificado. Constatou-se no processo penal que o crime foi motivado pela intenção de obter a indenização securitária.
Os filhos do segurado, então, ajuizaram ação de cobrança contra a seguradora, com o objetivo de receber a indenização securitária. O pedido foi negado em primeiro grau, mas o Tribunal de Justiça daquele Estado, entendeu que o contrato deveria ser considerado nulo apenas em relação ao beneficiário que praticou a conduta ilícita, permanecendo válido quanto aos demais, de acordo com o artigo 792 do CC.
No recurso ao Superior Tribunal de Justiça a seguradora alegou que a nulidade prevista no artigo 762 do CC é absoluta e torna o contrato inválido para todos os fins.
Neste pensar, segundo a relatora, o contrato deve ter por objeto a garantia de um interesse legítimo do segurado.
Ela optemperou o que está subsumido no seguro sobre a vida de outra pessoa, no qual o segurado é o portador do risco de morte, mas não participa da contratação, enquanto o contratante é quem celebra o contrato, assumindo todas as obrigações e adquirindo a qualidade de beneficiário do seguro, por ser titular do interesse garantido.
Segundo ainda a relatora, esse tipo de contrato de seguro tem por objeto a garantia de um interesse legítimo do segurado, de modo que será nulo o contrato quando o contratante tiver a intenção de prejudicar o segurado por meio de ação ou omissão.
"Com o propósito de evitar a contratação dessa modalidade de seguro para fins espúrios, o artigo 790 do atual CC estabelece que, no seguro sobre a vida de outros, o proponente é obrigado a declarar, sob pena de falsidade, o seu interesse pela preservação da vida do segurado, sendo presumido tal interesse, até prova em contrário, quando o segurado é cônjuge, ascendente ou descendente do proponente", assinalou em seu voto a competente relatora do caso sub judice.
É nulo o negócio jurídico quando a lei proíbe sua prática sem lhe cominar sanção.
Para a relatora, embora a legislação seja omissa quanto à consequência da ausência de interesse na preservação da vida do segurado, deve ser aplicado o disposto no artigo 166, inciso VII, do CC, o qual estabelece ser nulo o negócio jurídico quando a lei proibir a sua prática sem lhe cominar sanção.
Segundo a ministra, ante a gravidade do vício de nulidade existente no contrato, ele não pode produzir qualquer efeito jurídico. "Logo, ainda que haja outros beneficiários do seguro além do autor do ato ilícito, eles não receberão a indenização securitária".
A meu sentir, extremamente correta a decisão do voto condutor.
Se se consultar o que escreveu em sua obra o ex-ministro da Corte José Augusto Delgado, em comentários ao artigo 790, que inclusive guarda semelhança com o artigo 1.472 do Código Beviláqua de 1916, está registrado que no seguro de vida existe o interesse do proponente pela preservação da vida do segurado.
“O interesse a ser declarado é de natureza econômica ou jurídica. Tem de representar razões sociais, de moralidade e de conduta que justifiquem a atitude do estipulante. O interesse em preservar a vida da pessoa segurada não pode ser negativo. Ele há de representar ação a ser tomada pelo segurado no sentido de agir de modo que preserve a vida do segurado”.[1] Sic.
Mais adiante enfatiza: “Esse interesse tem natureza de obrigação jurídica assumida pelo contratante Ela se insere no tipo das “protegidas em virtude de um interesse geral e não de determinado sujeito, embora este possa ver a ser protegido direta ou reflexamente” na lição de Tullio Ascarelli.[2]
Encerro estas pequenas observações para dizer que todo o negócio jurídico, mormente o contrato de seguro é estribado na mais absoluta boa-fé. Entender de modo diverso é violar um dos mais eloquentes princípios inerentes a ele.
Porto Alegre, 12/09/2024.
Voltaire Marenzi - Advogado e Professor
Notas.
- Autor citado. Comentários ao Novo Código Civil, volume XI, Tomo I. Editora Forense, 2004, página 724.
- Tullio Ascarelli. Introducción al Derecho comercial. Buenos Aires: Ediar ed, 1.947. Obra citada, páginas 724/725.
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