Prescrição e Decadência do Direito dos Beneficiários em Entidades Fechadas de Previdência Complementar
A prescrição/decadência do direito dos beneficiários em planos de Entidades Fechadas de Previdência Complementar, é um tema de grande relevância no direito previdenciário o qual nomino como sendo de natureza jurídica obrigatória, posto que o Estado, em seu sentido lato, prevê que a saúde, a previdência e a assistência social, quer públicas ou privadas tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça social.[1]
O debate orbita em torno do prazo para que os beneficiários exerçam seus direitos aos benefícios ou interesses juntos a essas entidades.
As entidades Fechadas de Previdência Complementar - EFPCs -, são organizações sem fins lucrativos que administram planos de previdência destinados exclusivamente a grupos específicos, como funcionários de uma empresa ou membros de uma associação.
Essas entidades são regidas pela Lei Complementar nº 109/2001.
Preliminarmente, é preciso que se faça uma breve dicotomia entre prescrição e decadência entre estes dois institutos jurídicos.
Em harmonia com a sua etimologia, “quer o vocábulo prescrição exprimir a regra, o princípio, a norma ou preceito, que se escrevem antes. Mas, a prescrição, pressupondo a existência de um direito anterior, revela-se, propriamente, a negligência ou a inércia na defesa desse direito pelo respectivo titular, dentro de um prazo, assinalado em lei, cuja defesa é necessária para que não o perca ou ele não se extinga”.[2]
De acordo com o jurisconsulto aposto em nota de rodapé, na prescrição, o direito já é efetivo. O direito de agir, para defendê-lo, se ameaçado ou violado, é que prescreve, ao passo que a decadência faz perecer o próprio direito não afirmado pelo exercício”.[3] Sic.
Segundo alguns doutrinadores, o direito à percepção de benefícios previdenciários junto às EFPCs não está sujeito à prescrição quinquenal prevista no artigo 206, § 5º, inciso I, do Código Civil. Isto porque, de acordo com este pensar, as relações estabelecidas entre elas e seus beneficiários são de natureza contratual específica, reguladas por normas próprias.
Como regra geral, existem dois principais entendimentos sobre o prazo prescricional:
- prescrição decenal (10 anos): certos doutrinadores defendem que, por analogia ao prazo prescricional para ações pessoais, segundo o artigo art. 205 do Código Civil, o prazo seria de 10 anos, ou
- quinquenal (5 anos): que, aplicando-se por analogia o prazo de prescrição de dívidas líquidas constantes de instrumentos públicos ou particulares, o prazo seria de 5 anos, conforme o artigo 206, § 5º, I, do Código Civil, tal qual como acima registrado.
No tocante à decadência propriamente dita, contemplada também neste ensaio doutrinário e jurisprudencial se trará um terceiro entendimento, vale dizer, da sua aplicabilidade em casos julgados objetos de decisões do Superior Tribunal de Justiça.
Este Tribunal, como dito, tem consolidado a aplicação do prazo de prescrição quinquenal para o beneficiário pleitear direitos e benefícios contra às entidades fechadas de previdência complementar.
Pois bem. Há casos em que existem pretensões de diferenças de complementação de aposentadoria ou até mesmo revisões de benefícios.
No recurso especial sob número 1.312.736 oriundo do Rio Grande do Sul, se consolidou o entendimento de que o prazo de prescrição das ações relativas a benefícios de entidades fechadas de previdência complementar é de 5 anos, conforme dispõe o artigo 206, § 5º, I, do Código Civil.
Outrossim, no recurso especial sob número 1.211.676 de São Paulo a Corte infraconstitucional reafirmou que a prescrição para reivindicar diferenças de complementação de aposentadoria também é quinquenal.
Impende destacar, ainda, o que disse em sede doutrinária, no mesmo ano da edição do diploma legal que rege a matéria, mormente quando comentei o que disciplina o artigo 25 da Lei Complementar 109, de 29 de maio de 2001.
Lá, disse:
“A meu sentir, o legislador minudenciou demais esse dispositivo legal. Assim, data vênia, poderia ter dito que os planos coletivos seriam constituídos por uma ou várias pessoas jurídicas. A situação de categorias, bem como de empresas coligadas, deveria ser determinada interna corporis, vale dizer, quando da subscrição do plano e não dentro de uma seção que trata das entidades abertas de previdência complementar.
Do mesmo modo, a vedação da estipulação de terceiros em planos de benefícios coletivos é matéria vinculada a contratos, a teor do que estabelece o art. 1.098 do Código Civil Brasileiro. (Vide, atualmente, o artigo 438 do CC de 2002). Neste sentido, não vejo ser esta matéria objeto de disciplina em estatuto atinente a uma área específica do direito, envolvendo, in casu, uma atividade tipicamente empresarial”.[4]
Do mesmo modo, no capítulo III, da Lei que cuida especificamente DAS ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR,[5] discorri sobre sua natureza jurídica, autorização do órgão regulador, fiscalização e qualificação dessas entidades, ressaltando que a Lei define tais entes de acordo com os planos ou em sintonia com seus patrocinadores, ou instituidores, quer de acordo com os planos que administram, quer de acordo com aqueles. Para os primeiros se poderá adotar um plano comum, isto é, um plano ou conjunto de planos acessíveis aos participantes. No multiplano, quando se administrar plano ou conjunto de planos de benefícios a diversos grupos de participantes, com independência profissional.[6]
Colhi também uma rápida pesquisa junto ao Superior Tribunal de Justiça, em um número aproximado de 246 decisões monocráticas e colegiadas.
O posicionamento do “Tribunal da Cidadania” é no sentido de que as entidades fechadas são regidas pelo Código Civil, eis que se originam de relação de Direito Civil e a adesão não é indiscriminada.
De outro giro, o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às entidades abertas de previdência complementar, não incidindo nos contratos previdenciários celebrados com entidades fechadas.[7]
Portanto, o STJ é a última palavra em sede infraconstitucional.[8]
Talvez, por se tratar de um tema muito específico, alguns colegas se esquecem e alicerçam suas iniciais em súmulas já ultrapassadas, não mais aplicáveis ao caso concreto.
De outra banda, há entendimento da matéria posta de que não se faz necessária a formação de fonte de custeio ou reserva matemática para garantir o pagamento da suplementação de benefícios, cabendo à entidade constituir reservas necessárias para garantir o benefício contratado, uma vez que, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia, não pode haver percentuais distintos entre homens e mulheres, consoante entendimento já exarado em decisões daquele Tribunal.
Destarte, já se assentou naquela Corte de Justiça a necessidade de recomposição das reservas do fundo que seria uma matéria administrativa a ser discutida pela gestora junto ao Conselho Nacional de Previdência Privada.
Por outro lado, não posso deixar de ressaltar que existe um outro entendimento sobre o prazo em que se pleiteia os direitos dos beneficiários.
Impende sublinhar, que por disposição constitucional expressa (art. 202, CF/88), a relação contratual mantida entre os participantes de plano de benefícios de previdência privada fechada é de direito civil e, portanto, sujeitando-se aos institutos e regramentos civilistas, notadamente quanto à decadência.
Nesses termos, é patente a decadência do direito pleiteado, dado que a parte não exerce no prazo legal seu direito potestativo para buscar desconstituir/alterar o negócio celebrado.
Deveras. O prazo decadencial para anulação, modificação, desconstituição de negócio jurídico é de quatro anos contados do dia em que ele foi celebrado.[9]
Importante ressaltar que ainda que se parta da verificação da prescrição, a conclusão não pode ser diferente.
A prescrição do fundo de direito tem natureza similar à decadência para discussão da validade do contrato/regulamento, cujo prazo aplicável é o de 04 anos indicado no Código Civil, pelo que inafastável o reconhecimento de que o prazo decadencial para deduzir a pretensão formulada em juízo e pretender a nulidade dos atos também está consignada no registro destas decisões do Superior Tribunal de Justiça.
Assim, no AResp nº 2560748, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura,[10] ficou assentado:
“Com efeito, em relação à prescrição, verifica-se que o entendimento encontra amparo na jurisprudência desta Corte, que se firmou no sentido de que, "nos termos do art. 75 da LC 109/2001, assim como ocorria sob a égide da legislação anterior (Lei 3.807/60, Decreto 72.771/73 e Lei 8.213/91), a prescrição para reclamar o direito a prestações de benefício previdenciário é parcial, vale dizer, atinge apenas as prestações vencidas em período anterior a cinco anos do ajuizamento da ação" (AgInt no AREsp n. 751.518/PR, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma.[11]
Em outro viés, a Súmula nº 563 do STJ, traz o seguinte enunciado:
“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às entidades abertas de previdência complementar, não incidindo nos contratos previdenciários celebrados com entidades fechadas.
Referências: LC n. 109/2001, arts. 4º e 34, I.CDC, arts. 2º e 3º, § 2º. Lei n. 6.435/1977, art. 4º, II e § 1º, revogada”.
Por outro lado, o conceito de consumidor foi construído sob ótica objetiva, porquanto voltado para o ato de retirar o produto ou serviço do mercado, na condição de seu destinatário final.
O CDC disciplina que fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de prestação de serviços, compreendido como “atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração” - inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária -, salvo as de caráter trabalhista, tudo em sintonia com decisões daquela Corte.
Nesse passo, conforme disposto no art. 36 da Lei Complementar n. 109/2001, o STJ também afirmou, que as entidades abertas de previdência complementar, equiparadas por lei às instituições financeiras, são constituídas unicamente sob a forma de sociedade anônima. Elas, salvo as instituídas antes da mencionada lei, têm, pois, necessariamente, finalidade lucrativa e são formadas por instituições financeiras e seguradoras, autorizadas e fiscalizadas pela Superintendência de Seguros Privados - Susep, vinculada ao Ministério da Fazenda, tendo por órgão regulador o Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP.
É nítido também que as relações contratuais entre as entidades abertas de previdência complementar e participantes e assistidos de seus planos de benefícios - claramente vulneráveis - são relações de mercado, com existência de legítimo auferimento de proveito econômico por parte da administradora do plano de benefícios, caracterizando-se genuína relação de consumo.
Portanto, as entidades fechadas, previstas no artigo 34, I, da Lei Complementar n. 109/2001 deixa límpido que “apenas” administram os planos, havendo, conforme dispõe seu art. 35 gestão compartilhada entre representantes dos participantes e assistidos e dos patrocinadores nos conselhos deliberativo (órgão máximo da estrutura organizacional) e fiscal (órgão de controle interno). Ademais, os valores alocados ao fundo comum obtido, na verdade, pertencem aos participantes e beneficiários do plano, existindo explícito mecanismo de solidariedade, de modo que todo excedente do fundo de pensão é aproveitado em favor de seus próprios integrantes. Ao azo, vide o que comentei em relação à responsabilidade solidária.[12]
Em adendo ao que foi dito, é de se ressaltar que a Súmula 321/STJ, que continua válida, é restrita aos casos pertinentes às entidades abertas de previdência complementar.
Calha o registro de que o Supremo Tribunal Federal - STF -também contempla decisões menos frequentes sobre este tema específico, mas em casos em que se discutem questões constitucionais relativas à previdência complementar, aquela Corte tem mantido a competência do STJ para a fixação do prazo prescricional e a natureza dos direitos envolvidos.
Em conclusão ao exposto, a prescrição dos direitos dos beneficiários de planos de entidades fechadas de previdência complementar é, majoritariamente, de 5 anos, conforme a jurisprudência do STJ, salvante os casos em que se cuida de casuísmos de prazo decadencial no qual o prazo é reduzido em 1 ano.
Esse entendimento visa garantir a segurança jurídica e a previsibilidade nas relações entre participantes e entidades de previdência complementar, além de assegurar que eventuais direitos sejam exercidos dentro de um prazo razoável.
É o que penso.
Porto Alegre, 23 de julho de 2024
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
[1] Artigo 193 da Constituição Federal de 1988.
[2] De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico, volume III. Forense, 1.975, página 1.209.
[3] Bis in idem, Volume II, página 478.
[4] Voltaire Marensi. A Nova lei da Previdência Complementar Comentada, página 33/34. Síntese, outubro de 2001.
[5] Artigos 31 a 35 da Lei Complementar 109, de 29 de maio de 2001.
[6] Bis in idem, páginas 36 a 41 na obra supra citada.
[7] Súmula 563 do STJ).
[8] Item III, do artigo 105 da CF/88.
[9] Artigo 178, inciso II, do Código Civil.
[10] DJU 08/04-2024.
[11] Idem, em 06/04/2017
[12] Obra citada, página 41.
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