Institutos Processuais Aplicados em Julgamento de Planos de Saúde (Destaque)
Figurando como Relator no julgamento de um Conflito de Competência[1], o Portal do Superior Tribunal de Justiça trouxe à tona no decurso da semana próxima passada uma questão objetivando evitar decisões antagônicas, prolatada naquela Corte pelo Ministro Humberto Martins, que determinou a suspensão de sete ações coletivas aforadas em diversos Estados contra operadoras de planos de saúde. No caso concreto a 27ª Vara Federal do Rio de Janeiro foi designada, em caráter provisório, para resolver medidas urgentes.
De forma geral, as ações demandavam que as empresas de saúde se abstivessem de rescindir contratos coletivos por adesão, como estaria sendo efetivado quanto a determinados grupos, como se deu no caso concreto se referindo a pessoas com autismo.
A decisão monocrática acima referenciada, destacou entre outras decisões do mesmo teor proferidas pelo STJ, uma delas, em que se julgou, a “continência entre duas ações civis públicas propostas concomitantemente pelo Ministério Público Estadual e pela União, com a finalidade de interdição permanente de empresas exploradoras de jogos de azar, na qual se determinou a reunião de todas as ações para evitar julgamentos conflitantes entre si”.[2]
Sobreleva destacar que nesta decisão monocrática lançada pelo ilustre ministro relator foram também sublinhados outros julgados lastreados na boa doutrina, ou seja, de “que é da natureza do federalismo a supremacia da União sobre Estados-membros, supremacia que se manifesta inclusive pela obrigatoriedade e respeito às competências da União sobre a dos Estados.
Neste pensar, prossegue o voto do relator, decorre o princípio federativo,” de que a União não está sujeita à jurisdição de um Estado-membro, podendo o inverso ocorrer, se for o caso." (CC 40334/RJ, Rel. Min. Teori Zavascki, DJU 28/04/2004)”. [3]
Consequentemente, qualquer litígio existente sobre tais questões atrai a competência da Justiça Federal para analisar o ato composto em sua integridade.
Nesse contexto, prossegue o voto, “destaca-se o teor do enunciado da Súmula 489/STJ, segundo a qual, reconhecida a continência, devem ser reunidas na Justiça Federal as ações civis públicas propostas nesta e na Justiça estadual".
O inolvidável jurista Giuseppe Chiovenda, um dos grandes processualistas italianos, contribuiu significativamente para a teoria do processo civil. Um dos institutos processuais que ele discutiu é a continência. Esse notável jurisperito via a continência como uma ferramenta importante para garantir a eficiência e a coerência do sistema judiciário, promovendo a economia e a segurança jurídica.4
Dessarte nosso Código de Processo Civil de 2015 disciplina, nos art. 42 até 53, - no Título III DA COMPETÊNCIA INTERNA - quais as regras que devem ser obedecidas para a distribuição dos processos entre os diversos órgãos jurisdicionais existentes, que são de variadas matizes, na medida em que o Sistema Federativo prevê uma divisão de feitos entre a Justiça Federal e as Justiças Estaduais, que por sua vez podem ser comuns ou especializadas.
De outro giro, o renomado processualista gaúcho, Araken de Assis, hoje, advogado militante e velho amigo deste escritor, ensina:
“Os artigos 55, caput, e § 3º, e 56, relativos à conexão e a continência, respectivamente, e cujo valor é relativo – a continência é uma das hipóteses de conexão, e esta, por sua vez, abrange situações diversas das definidas no primeiro dispositivo. Inserem-se no campo da incidência da defesa prevista no art. 337, VIII. Porém, o art. 61 ocupa-se de outras modalidades de conexão.”5 (Sic).
Ao tratar da dicotomia entre conexão e continência obtempera Olavo de Oliveira Neto, em belíssima monografia:
“A diferença entre a conexão e a continência reside no fato de que, enquanto na conexão as causas veiculam segmentos diversos de uma mesma relação jurídica de direito material, na continência a causa contida veicula apenas uma parte da relação jurídica de direito material veiculada na causa continente.6
De sua vez, Daniel Amorim Assumpção Neves, doutrina:
“Fica claro, que “no dispositivo legal que o Código de Processo Civil manteve importante característica do diploma anterior: se presta a regular exclusivamente a tutela do direito individual. Isso porque na tutela coletiva a competência do foro do local do dano (art.º 2 da LACP) é absoluta e pode ser modificada no caso concreto pela reunião de ações conexas e em continência”. Ademais, o referido autor acresce em seus ensinamentos que: “não se pretende com essa crítica afirmar que o legislador teria que ter regulado a tutela coletiva no Código de Processo Civil – não obstante fosse possível fazê-lo. Mas não seria qualquer despropósito indicar expressamente que a regra do artigo em comento – artigo 54 do atual CPC, é aplicável exclusivamente ao processo individual”.7
Malgrado entendimentos doutrinários expendidos pelos autores expertos na processualística, de forma geral, a ação proposta e julgada em Conflito de Competência, referenciado em nota de rodapé, objetivam que as empresas se abstenham de rescindir contratos coletivos por adesão, como vem sendo feito especificamente quanto a determinados grupos, como particularmente se dessume neste processo que cuida de pessoas com deficiência intelectual.
A decisão monocrática ainda destacou que outras prolatadas no mesmo direcionamento pela Corte, em uma delas se determinou, por exemplo, que “ocorrendo continência entre duas ações civis públicas propostas concomitantemente pelo Ministério Público Estadual e pela União, com finalidade de interdição permanente de empresas exploradoras de jogos de azar, deve ser determinada a reunião de ambas as ações para evitar julgamentos conflitantes entre si”.
Sobreleva destacar, uma vez mais, os precedentes invocados lastreados em boa doutrina, insertos no voto do ministro no caso em questão, vale dizer, “que é da natureza do federalismo que a supremacia da União sobre Estados-membros, supremacia que se manifesta inclusive pela obrigatoriedade e respeito às competências da União sobre a dos Estados. Decorre do princípio federativo, prossegue o voto condutor, que a União não está sujeita à jurisdição de um Estado-membro, podendo o inverso ocorrer, se for o caso." (CC 40334/RJ, Rel. Min. Teori Zavascki, DJU 28/04/2004).
Consequentemente, qualquer litígio existente sobre a questão atrai a competência da Justiça Federal para analisar o ato composto em sua integridade.
Todavia, enfatiza o voto do relator, de que “há ações civis públicas conexas correndo em comarcas situadas em Estados diversos, surgindo um problema: como compatibilizar o art. 2º, parágrafo único, e o art. 16 da Lei nº 7.347/85, que restringe a eficácia subjetiva da coisa julgada em ação coletiva, impondo uma limitação territorial a essa eficácia restrita à jurisdição do órgão prolator da decisão? Nessa situação, concluímos que a regra do artigo 16 aplica-se apenas aos casos de ações conexas envolvendo dano de âmbito regional”.
E aí, a meu sentir, vem a excepcionalidade, salientada pelo julgador no vertente caso, quando afirma:
“Quando as ações civis públicas conexas estiverem em trâmite em comarcas situadas em Estados diversos, busca-se a solução inserta no Código de Defesa do Consumidor, conforme estabelecido no art. 21 da Lei de Ação Civil Pública.
No presente caso, como já visto, o dano atinge todo o país, tendo sido apresentadas várias ações idênticas em foros concorrentes (Capitais de Estados e Distrito Federal). Dessa forma, a prevenção deverá determinar a competência.
Verifica-se, portanto, a presença da plausibilidade do direito vindicado.
O perigo da demora, por sua vez, mostra-se evidente em razão da existência de decisões antagônicas acerca da controvérsia”.
Neste diapasão o voto do ministro julgador, é arrematado nos seguintes termos:
“Dessarte, verificados os pressupostos autorizadores para a sua concessão, defiro o pedido de liminar para suspender o curso das ações coletivas listadas neste conflito, bem como as decisões proferidas pelos Juízos suscitados, salvo as decisões prolatadas pelo JUÍZO FEDERAL DA 27ª VARA DO RIO DE JANEIRO - SJ/RJ, e designo o JUÍZO FEDERAL DA 27ª VARA DO RIO DE JANEIRO - SJ/RJ para resolver, em caráter provisório, as medidas urgentes”.
Diante do que se enunciou no título deste ensaio se deduz que ambos os institutos, conexão e continência se entrelaçam na feliz síntese do inesquecível mestre Moacyr Amaral Santos.
Ensina o exímio e imorredouro processualista:
“O Código de Processo Civil ressuscitou a figura da continência, compreendida na conexão. Este é o conceito legal de continência: Dá-se a continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo, abrange o das outras”, aliás, hoje repetido no CPC de 2015 em seu artigo 56.8
Diante da complexidade do tema em sede processual com interpretações e entendimentos diversificados sobre o tema que envolve dois institutos processuais – conexão e continência – deixo o registro de um processo recente em que se tratou desta matéria em sede de contrato coletivo de planos de saúde.
Diante dos argumentos traçados, quer pela jurisprudência, quer pela doutrina em sede de operadoras de planos de saúde, apresento algumas sugestões que segue:
A primeira e mais importante medida é o fortalecimento da legislação vigente. As leis que regem os contratos de planos de saúde precisam ser robustas o suficiente para impedir a rescisão unilateral por parte das operadoras. A Lei número 9.656/1998 com suas inúmeras alterações e a Resolução Normativa número 195 da ANS – Agência Nacional de Saúde Complementar –, estabelecem diretrizes para os contratos de planos de saúde. No entanto, estas leis podem e devem ser aprimoradas para incluir clausulados específicos que protejam grupos vulneráveis, como pessoas com deficiência.
A ANS desempenha um papel crucial na regulação e fiscalização das operadoras de planos de saúde. Aumentar a fiscalização e aplicar sanções rigorosas para operadoras que rescindirem contratos coletivos de forma injustificável é fundamental. A par disso, a ANS poderá criar um canal específico para receber denúncias e monitorar de perto casos envolvendo grupos vulneráveis.
Pois bem. A inclusão de cláusulas que protejam os beneficiários de rescisões arbitrárias e potestativas é imperiosa.
Estas podem prever, por exemplo, que a rescisão só possa ocorrer mediante motivos justificados e após um processo de mediação. Além disso, é possível estabelecer períodos de carência para a efetivação de uma rescisão, dando tempo para que os beneficiários busquem alternativas.
Outrossim, campanhas de educação e conscientização podem ajudar a informar os grupos portadores de deficiência sobre seus direitos em relação aos planos de saúde. Isso por ser feito através da distribuição de materiais informativos e a realização de wokshops e seminários.
Um outro fator que pode contribuir para tal desiderato é o desenvolvimento de políticas públicas e subsídios, podendo aumentar o número de beneficiário, adequando planos mais sustentáveis e menos suscetíveis à rescisão.
Parcerias entre operadoras de saúde, associações de pessoas com deficiência e o governo podem criar uma rede de suporte mais forte para estes grupos. Tais parcerias poderão incluir acordos para manutenção dos contratos coletivos e o desenvolvimento de produtos de saúde específicos que atendam às necessidades e interesses desses grupos.
Com essas colocações se poderá contar, sem sombra de dúvida, em regime de caráter obrigatório, com a utilização de mediação e arbitragem para resolver disputas ocasionalmente ocorridas no trato deste negócio jurídico.
O apoio de organizações não-governamentais e movimentos sociais desempenham também um papel fundamental na defesa dos direitos das pessoas com deficiência.
Enfim. Proteger contratos coletivos por adesão para grupos portadores de deficiência é essencial para garantir o acesso contínuo e igualitário à saúde.
Medidas legislativas, fiscalização rigorosa, conscientização, incentivos e parcerias são fundamentais para evitar rescisões arbitrárias, assegurando a esses grupos vulneráveis o necessário cuidado.
São algumas sugestões que lanço neste ensaio para que se possa, quem sabe, alcançar um sistema de saúde mais justo e inclusivo, posto que ela – saúde -, além de fundamental, “é direito de todos e dever do Estado garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação,”9, já que principalmente os dois últimos substantivos, albergados nas formas verbais de “proteger e recuperar” deverão ser acessível a todos, sem discriminação ou obstáculos indevidos.
É o que penso.
Porto Alegre, 07/07/2024.
Voltaire Marensi - Advogado e Professor
Notas.
- Conflito de Competência número 206082/RJ. Relator Ministro Humberto Martins.
- Excerto do voto do Relator.
- Bis in idem.
- Ibidem.
- Araken de Assis. Processo Civil Brasileiro, volume I. Editora Thomson Reuters. Revista dos Tribunais. Segunda Tiragem, setembro de 2015, página 886.
- Tomo Processo Civil, edição 2, junho de 2021. Site diajuridica.Pucsp.br. Enciclopédia jurídica da PUCSP.
- Daniel Amorim Assumpção Neves. Código de Processo Civil Comentado, artigo por artigo. 9ª edição. Editora JusPodiam, página 102.
- Moacyr Amaral Santos. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Volume 1. Editora Saraiva, 27ª edição, página 270.
- Artigo 196 da nossa Constituição Federal.
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