Inteligência Artificial no Mercado de Seguros: Inovação, desafios e Responsabilidades
Thyago Klemp -Crédito Tito Barros
Uma das muitas definições de Inteligência artificial é “a ciência e engenharia de criar máquinas inteligentes, especialmente programas de computador inteligentes. Está relacionada à tarefa semelhante de usar computadores para compreender a inteligência humana, mas a IA não precisa se limitar a métodos que são biologicamente observáveis”.[i] O termo "inteligência artificial" foi mencionado pela primeira vez em 1956, durante uma conferência realizada em Dartmouth College, na cidade de Hanover, Estados Unidos.
Desde então, e bastante intensificado a partir de 2018, diversas abordagens e avanços tecnológicos específicos surgiram e, a cada ano, em razão atualizações e lançamentos de novos hardwares, algoritmos e conjuntos de dados massivos, a Inteligência Artificial se desenvolve de forma exponencial, inclusive com a criação de novas profissões: engenheiro de veículos sem motorista, arquiteto de nuvem, cientistas de big-data, prompt engineers etc.
Tamanha é a importância da utilização da Inteligência Artificial na atualidade que, recentemente, foi divulgada a notícia de que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) se utilizará da tecnologia, a partir de 2024, para detectar fraudes em atestados médicos[ii]. De igual forma, o Ministério da Saúde pretende implementar a Inteligência Artificial ao Sistema Único de Saúde (SUS)[iii]. Outro importante exemplo é o varejo, onde a Inteligência Artificial pode otimizar operações e preços, gerenciar estoques, reduzir custos e até mesmo personalizar recomendações de produtos com base no histórico de compras do cliente. Hoje mesmo, basta que se pesquise um produto em algum site que se iniciarão diversos envios de publicidade para as redes sociais de quem fez o acesso, o que influencia e direciona, inclusive, o comportamento do consumidor.
Quanto ao mercado de Seguros, como não poderia ser diferente, há total interesse no desenvolvimento específico e utilização da Inteligência Artificial. Fortes investimentos ocorreram desde 2015, com uma estimativa de que atingiu mais de US$ 124 milhões[iv]. Segundo ainda afirma a creditada matéria, “de acordo com a TCS Global Trend Study, 85% das empresas do setor afirmam que utilizam a inteligência artificial de alguma maneira e 100% das entrevistadas revelam que pretendem usar a tecnologia mais ativamente até 2020.”
Já é comum observarmos as empresas seguradoras e corretores de seguros a utilização da inteligência artificial nos seus negócios:
- Coleta de dados dos consumidores, auxiliando a conhecê-los melhor.
- Precificações de seguros muito mais rápidas e justas;
- Auxílio na gestão de controles de vendas;
- Automação de processos, tanto na emissão de apólices quanto nos processos de pagamentos de sinistros, o que possibilita toda a regulação e liquidação, em alguns casos, em menos de uma semana;
- Utilização de Chatbox para atendimentos, trazendo agilidade na comunicação com o cliente;
- Entre outros.
Não se pode negar que são muitos os benefícios da utilização da tecnologia a favor do mercado. Contudo, nem tudo, é totalmente simples. Assim como a inteligência artificial traz inúmeros benefícios, traz também malefícios e desafios.
Profissões devem ser extintas e/ou transformadas. Situações e pessoas poderão ser tratadas como reais quando, na verdade, são virtuais. Isso sem considerar riscos importantes para direitos básicos, como a vida, a saúde, a privacidade e a imagem pessoal. Também é preciso pensar na possibilidade de danos físicos, como o uso exagerado de sistemas de controle, a orientação para trajetos perigosos e acidentes causados por máquinas e drones controlados por computadores. Além disso, existem riscos digitais, como tentativas de invasões por hackers, fraudes digitais, simulações de voz e imagem, além de riscos políticos, como a disseminação de notícias falsas e o uso de dados para manipulação em grande escala por empresas ou governos.
Neste sentido, em razão de inúmeras preocupações, a União Europeia conquistou um marco histórico ao estabelecer acordo para regulamentar o emprego da inteligência artificial, determinando que programas e sistemas deverão se submeter a uma série de obrigações legais destinadas a prevenir riscos, dentre as quais a garantia da segurança cibernética e a necessidade de apresentar relatórios detalhados sobre a eficácia dessas tecnologias. A Itália chegou a proibir a utilização do ChatGPT até que se obrigasse a empresa a veicular informações sobre a proteção de dados dos usuários, dando uma maior visibilidade à política de privacidade da ferramenta e determinando a verificação de idade, de modo a proteger a exposição de menores.
No Brasil está em tramitação no Senado o Projeto de Lei n. 2338/2023 que visa proporcionar maior segurança jurídica e assegurar uma convergência regulatória eficaz entre a proteção de dados pessoais e a regulação da inteligência artificial. No que diz respeito à inovação responsável, ressalta-se a importância de o Projeto de Lei abordar detalhadamente as questões relacionadas à proteção de dados pessoais nos ambientes de teste de Inteligência Artificial, especialmente em sistemas considerados de alto risco.
Sob o aspecto da Responsabilidade Civil, não se pode negar que existem inúmeros riscos. A Inteligência Artificial nada mais é do que a reprodução de pensamentos humanos, adaptando-se e aperfeiçoando-se de acordo com o seu uso. E neste sentido, uma das preocupações é a proteção dos cidadãos contra discursos de ódio, polarizações políticas, discriminações, riscos a vulneráveis, entre tantos e atuais temas. Neste sentido, o mencionado Projeto de Lei traz, em seu artigo 27, o seguinte texto:
DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Art. 27. O fornecedor ou operador de sistema de inteligência artificial que cause dano patrimonial, moral, individual ou coletivo é obrigado a repará-lo integralmente, independentemente do grau de autonomia do sistema.
1º Quando se tratar de sistema de inteligência artificial de alto risco ou de risco excessivo, o fornecedor ou operador respondem objetivamente pelos danos causados, na medida de sua participação no dano.
2º Quando não se tratar de sistema de inteligência artificial de alto risco, a culpa do agente causador do dano será presumida, aplicando-se a inversão do ônus da prova em favor da vítima.
Vê-se, pois, que o Projeto de Lei determina, ainda que de forma um tanto confusa, responsabilidades objetivas e subjetivas aos causadores dos danos, sendo excludentes, contudo, quando “comprovarem que não colocaram em circulação, empregaram ou tiraram proveito do sistema de inteligência artificial; ou II – comprovarem que o dano é decorrente de fato exclusivo da vítima ou de terceiro, assim como de caso fortuito externo” (artigo 28).
O que se vê, na verdade, é que toda esta questão de Inteligência Artificial é muito nova e extremamente complexa. Por mais que haja esforço dos setores públicos e privados em determinar uma regulamentação para o tema, haverá questões que somente poderão ser observadas com a implementação da tecnologia e uma rotineira observância fiscalizadora da atividade. Para tanto, é necessária a criação de condições propícias, com investimentos e pessoal suficiente. Seria possível?
De qualquer sorte, ao adotarem a tecnologia de Inteligência Artificial que, repise-se, baseia-se primordialmente em análise de dados, as preocupações das empresas devem estar atreladas a todas as fases de utilização dos dados: planejamento de coleta desses ativos, armazenamento, processamento, disseminação, compartilhamento, uso e descarte. Mas, acima de tudo, as empresas devem garantir que suas ferramentas de Inteligência Artificial se alinhem com princípios éticos e sociais, sendo devidamente apuradas as responsabilidades.
Percebe-se, portanto, que o Projeto de Lei estabelece, ainda que de maneira um tanto confusa, responsabilidades objetivas e subjetivas para os causadores de danos, com exceções quando "comprovarem que não colocaram em circulação, empregaram ou tiraram proveito do sistema de inteligência artificial; ou II – comprovarem que o dano é decorrente de fato exclusivo da vítima ou de terceiros, assim como de caso fortuito externo" (artigo 28).
Fato é que, em meio à revolução tecnológica, a ascensão da Inteligência Artificial no setor de seguros representa um marco transformador, promovendo eficiência operacional, personalização de serviços e otimização de processos. O advento de novas profissões e a integração de algoritmos avançados nas práticas cotidianas destacam o potencial revolucionário desse fenômeno. Contudo, a jornada rumo a uma total imersão na Inteligência Artificial não é isenta de desafios. A necessidade de regulamentação clara e abrangente torna-se evidente diante dos riscos potenciais. A proposta de lei apresentada, ainda que em uma situação complexa de novidades, sinaliza um esforço para estabelecer responsabilidades, incentivando a adoção cuidadosa dessa tecnologia inovadora.
O equilíbrio delicado entre progresso e precaução é crucial. Empresas do setor de seguros devem não apenas abraçar a Inteligência Artificial com vigor, mas também assegurar que seus avanços estejam alinhados com princípios éticos, promovendo transparência, responsabilidade e segurança. Em última análise, a harmonia entre inovação e valores fundamentais é essencial para que a Inteligência Artificial não apenas aprimore os serviços de seguros, mas também contribua positivamente para a sociedade como um todo.
[i] JohnMcCarthy. What Is Artificial Intelligence?, 2007.
[ii] https://www.tecmundo.com.br/software/274768-inss-usar-inteligencia-artificial-identificar-atestados-fraudulentos.htm
[iii] https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2023-05/ministerio-da-saude-planeja-inclusao-de-inteligencia-artificial-no-sus
[iv] https://theonebrief.com/latam/portugues/post/inteligencia-artificial-o-futuro-do-mercado-de-seguros/
THYAGO KLEMP, Advogado, graduado em direito com especialização pela Fundação Getúlio Vargas e Faculdades Metropolitanas Unidas, é especialista em Processo Civil e advogado do mercado segurador há mais de 20 anos. Sócio de Klemp & Singillo Advogados Associados. Membro do Grupo Nacional de Trabalhos de Seguros de Pessoas da AIDA – Associação Internacional de Direito de Seguros – Seção Brasileira. Instrutor de Cursos Jurídicos e Palestrante. Tem artigos publicados e é coautor do livro Aspectos Jurídicos dos Contratos de Seguro.
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