Mais de cem crianças morrem, por mês, em acidentes de trânsito no Brasil
“Isso nos faz refletir sobre a responsabilidade dos adultos e o quanto a segurança delas ainda é negligenciada”
Uma criança morre a cada quatro minutos no trânsito do mundo, segundo informações disponibilizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, no ano de 2016, foram 1.292 mortes de 0 a 14 anos, conforme números compilados pelo OBSERVATÓRIO Nacional de Segurança Viária, por meio da parceria mantida com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), com informações do Sistema Datasus. Isso significa que 3,5 crianças morrem por dia no país, ou seja, são 105 vidas perdidas em um mês. A faixa etária de zero a catorze anos representa 23% da população brasileira.
“Apesar das crianças representarem menos mortes no trânsito, se comparado ao restante da população brasileira, é importante considerar que elas não possuem meios de transporte motorizados próprios, ou seja, ou são transportadas por um adulto habilitado ou estão a pé. Isso nos faz refletir quanto a responsabilidade dos adultos na mortalidade dessas crianças e o quanto a segurança delas ainda é negligenciada no Brasil”, analisa José Aurelio Ramalho, diretor-presidente do OBSERVATÓRIO.
Crianças pedestres são maiores vítimas
Do total de crianças mortas em 2016 em acidentes de trânsito, 35% das vítimas fatais constituíam-se de usuários não motorizados, ou seja, pedestres ou ciclistas. Outros 30% das vítimas fatais seriam ocupantes de automóveis, provavelmente por falta do uso da cadeirinha.
Os adolescentes até 14 anos vitimados como ocupantes de motocicletas representam 10% do total na distribuição das mortes por modo de transporte. Em alguns estados brasileiros, vale destacar que as vítimas fatais de 0 a 14 anos ocupantes de motocicleta representam percentuais bem maiores, superando os 20% em alguns estados do Nordeste (como Piauí e Paraíba) – região onde a utilização da motocicleta é mais difundida.
Números no Brasil
Uma análise da evolução das mortes no trânsito na faixa etária entre 0 e 14 anos nos últimos 11 anos no Brasil, de 2006 a 2016, mostra que houve uma redução de quase 41% neste período. A redução foi geral em todo o país, com exceção do estado do Maranhão e da Bahia, que apresentaram um aumento de 11% e 2%, respectivamente. Os estados que apresentaram as maiores reduções no número de mortes no trânsito, acima da média nacional, na faixa etária em questão foram:
• Amapá – redução de 71%;
• Roraima – redução de 67%;
• Rio Grande do Norte – redução de 64%;
• São Paulo – redução de 61%;
• Rio de Janeiro – redução de 57%;
• Rio Grande do Sul – redução de 54%;
• Rondônia – redução de 53%;
• Santa Catarina – redução de 52%;
• Mato Grosso do Sul – redução de 47%;
• Paraná, Ceará e Espirito Santo – redução de 46%.
Cadeirinha versus aumento das mortes
“Um olhar um pouco mais específico foi lançado sobre a faixa etária de 0 a 4 anos, devido a serem esses os “usuários-alvo” de medidas como os dispositivos de retenção (bebê conforto e cadeirinha). Considerando as mortes nesta faixa etária e sendo as vítimas ocupantes de automóvel, houve um aumento de 16% das vítimas fatais no país nos últimos 11 anos (passando de 134 para 155). Isso reforça ainda mais a importância dos sistemas de retenção como a cadeirinha, que reduzem a probabilidade de lesões fatais em cerca de 70% entre bebês e de 54% a 80% entre as crianças menores”, destaca o professor doutor Jorge Tiago Bastos, da UFPR e coordenador do estudo.
Segundo o gráfico abaixo, todas as regiões, com exceção da região Sudeste, apresentam tendência de crescimento do número de mortes entre 0 e 4 anos.
Número de mortes crianças de 0 a 4 anos de idade em automóveis
Isso reforça ainda mais a importância do cumprimento da legislação pertinente ao tema; segundo o documento da OMS, os sistemas de retenção reduzem a probabilidade de lesões fatais em cerca de 70% entre bebês e de 54% a 80% entre as crianças menores.
“Outro dado preocupante é o número de crianças menores de 1 ano de idade que perderam sua vida em acidentes de trânsito, uma fatalidade para alguém que teria uma vida inteira pela frente. Entre 2006 e 2016, foram 1.180 mortes de crianças menores de 1 ano no trânsito, sendo que destas, 43 eram crianças com menos de 1 semana de vida; recém-chegadas ao mundo e já acometidas pela violência do trânsito brasileiro”, assevera Ramalho.
O crescimento nas mortes entre 0 e 4 anos pode ter sido em parte influenciado pelo aumento da frota de automóveis, que quase dobrou, partindo de aproximadamente 28 milhões de automóveis em 2006 para aproximadamente 51 milhões de automóveis, em 2016 no Brasil.
Características das crianças nos deslocamentos
Para buscar um melhor entendimento da questão, são aqui enumeradas algumas características particulares aos deslocamentos de crianças, as quais não esgotam o tema, mas proporcionam uma visão geral:
• Crianças são caracterizadas pela imprevisibilidade nos deslocamentos, ou seja, podem mudar de direção repentinamente, ficando na rota de colisão de automóveis e outros veículos;
• Crianças possuem estrutura corporal mais frágil, de modo que podem ser mais suscetíveis a traumatismos em caso de impacto;
• Crianças tendem a ter um nível de atenção menor;
• Crianças podem não entender devidamente a sinalização de trânsito e possuem baixa capacidade de avaliar situações de risco;
• Crianças são menores que adultos, portanto mais difíceis de serem vistas;
• Em muitos locais, as ruas são os únicos espaços públicos que as crianças têm para brincar.
Estratégias de segurança no trânsito para as crianças
Com o intuito de minimizar os impactos do trânsito na mobilidade de crianças, a OMS recomenda 10 estratégias, cujos efeitos muitas vezes não se restringem apenas à segurança das crianças, mas sim de todo o sistema de trânsito:
1. Controle de velocidade, pois isso reduz as chances de ferimentos graves/fatais;
2. Redução da condução sob efeito de álcool;
3. Fiscalização no uso de capacete, tanto em motocicletas como em bicicletas;
4. Utilização dos dispositivos de retenção;
5. Medidas de aumento da possibilidade de ver e ser visto das crianças;
6. Melhorias na infraestrutura viária;
7. Melhorias no projeto dos veículos (com áreas de absorção de impacto projetadas não só visando a redução das lesões nos seus ocupantes, mas também nas pessoas que podem ser atropeladas);
8. Redução dos riscos para jovens condutores (habilitação gradual, por exemplo);
9. Promoção de cuidados apropriados para crianças lesionadas, pois elas têm grandes capacidades de regeneração;
10. Supervisão de crianças próximas às ruas.
Exemplo na Itália
Na Itália, uma decisão tomada pela Justiça condenou os pais de uma menina de um ano e meio morta em um acidente de trânsito em 2017 a cumprir um ano e quatro meses de reclusão (em regime aberto) por terem sido considerados parcialmente culpados pela tragédia familiar. (https://www.espansionetv.it/gate/2018/10/02/la-morte-della-piccola-aurora-patteggiano-gli-indagati-per-lincidente/)
Os pais teriam, de acordo com a sentença, colaborado para o conjunto de circunstâncias que levaram à fatalidade. A análise do acidente mostrou que a menina não estava acomodada no assento infantil específico e vinha no colo da mãe, no banco da frente do carro.
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