Desafios logísticos em tempos de vacinação contra a covid-19
Nunca a logística esteve tão à frente nas discussões, em todos os setores da sociedade.
Não apenas os governantes, políticos, empresários de diversos setores da economia e, principalmente, do setor de logística, se mostram preocupados com a lentidão na tomada de algumas decisões e com a demora para o estabelecimento de planos de distribuição da vacina, que está sendo esperada como a resposta às preces de muitos dos cidadãos brasileiros.
Sim, também esses cidadãos, que embora nunca tenham ouvido o termo ou associado as funções da logística à distribuição de produtos ou bens de consumo, embora façam compras pela internet, em sites estrangeiros, e recebam os produtos à porta de suas casas, embora não entendam nada de logística, também se mostram interessados em como se efetivará a distribuição das vacinas e em como se processarão as imunizações.
Sabemos que, apesar desta ser uma preocupação de grande parte dos brasileiros, ainda não há grandes movimentações do governo nesse sentido.
Apresentado no último dia 16 de dezembro, o Plano Nacional de Vacinação traz, à página 31, detalhamento sobre previsão de oferta de capacitação do pessoal a ser envolvido nas ações de imunização, “no âmbito do Campus Virtual Fiocruz, em acesso público e gratuito, visando alcançar de forma rápida e em escala nacional, os profissionais de todo o país que atuarão na campanha de vacinação” apontando que, em algumas situações, ainda estão sendo feitos contatos para veiculação dos programas de capacitação online. Numa questão emergencial de saúde, digamos que o processo está com, no mínimo, algumas semanas de atraso.
E em relação à logística de distribuição? Como as vacinas e demais insumos chegarão à população?
O Plano Nacional de Vacinação diz que o país possui uma rede, denominada de Rede de Frio Nacional, já utilizada para a logística de recebimento e distribuição de 300 milhões de doses de imunobiológicos já utilizados nas grandes campanhas de vacinação, realizadas em todo o território nacional, dentro do Programa Nacional de Imunizações. Há uma Central Nacional, 27 Centrais Estaduais, 273 Centrais Regionais e por volta de 3.342 Centrais Municipais (que, percebe-se, não abrangem a totalidade dos 5.570 municípios brasileiros).
A logística de armazenamento e distribuição das vacinas estará a cargo da VCT-LOG, empresa que já presta serviços ao Ministério da Saúde, no âmbito dos programas de imunização.
A empresa se apresenta como “um operador logístico do segmento fármaco e de saúde que visa o crescimento sustentável por meio de inovação, tecnologia e melhoria contínua de nossos processos, a fim de garantir a excelência na prestação de serviços”. A empresa aponta, ainda, que os seus centros de armazenagem e distribuição são dotados de toda a infraestrutura necessária para que sejam garantidas as condições necessárias de conservação dos produtos, inclusive com câmaras frias “qualificadas nas faixas de 2°C a 8°C, -35°C e -22°C”.
Estamos, nesse contexto, diante de um primeiro e significativo impasse, sob a ótica da logística, uma vez que o armazenamento e transporte das doses do imunizante precisa ser efetivado em ambientes a -75°C.
Mas não é apenas esse entrave logístico a ser superado.
Para a aplicação em massa da vacina, há necessidade de um grande volume de insumos e ferramentas, sem os quais a ação não poderá ser efetivada – seringas (serão necessárias aproximadamente 300 milhões de seringas e agulhas em quatro meses, sendo que as fábricas que operam em território nacional têm capacidade de produção estimada em 50 milhões, em cinco meses), algodão, sacos plásticos, luvas descartáveis, caixas térmicas, refrigeradores e freezer para armazenamento de grande quantidade de doses.
Além disso, há necessidade da existência de um sistema de informatização que contribua para o acompanhamento de toda a logística de distribuição e transporte dos lotes de vacina e dos insumos.
No Brasil, com suas dimensões continentais, com as dificuldades de acesso e comunicação existentes, o desafio será enorme e, embora conste no Plano Nacional de Vacinação que o país já possui know-how em vacinação em massa, como consta no Manual de Rede de Frio, temos que concordar que estamos diante de fatos nunca antes vivenciados, em circunstâncias atípicas e que exigem celeridade nas decisões.
É grande o desafio posto aos profissionais do setor os quais, antes mesmo das decisões governamentais, já vinham realizando estudos e projeções antecipadas para estarem preparados para o enfrentamento da situação.
A cadeia logística deverá atuar, em território nacional, para garantir que a vacina chegue ao seu destino final em segurança e, o que é mais importante, em condições de uso. Para isso, devem ser bem estruturadas as articulações entre os diferentes modais de transporte, levando-se em conta as distâncias, condições de tráfego terrestre ou aquático, e mesmo aéreo, devido à questão da existência e proximidade de pistas de pouso.
Sobretudo, deve-se cuidar das datas de vencimento, tanto das vacinas quanto dos insumos, buscando-se fazer a priorização dessas datas, utilizando-se o FEFO – first expire, first out -, ou primeiro que vence, primeiro que sai.
Mas... será possível utilizar o FEFO como método de valoração dos estoques, nas circunstâncias em que tanto vacina como insumos são necessários, concomitantemente?
Somente um bom planejamento logístico poderá dar conta desses impasses. É o momento em que os profissionais da Logística poderão apresentar soluções que tanto contribuam para a aceleração dos processos de distribuição como para destacá-los por sua eficiência na solução de problemas que demandem ações coordenadas.
Autora: Dra. Alessandra de Paula é coordenadora dos cursos de Logística e E-commerce e Sistemas Logísticos do Centro Universitário Internacional Uninter.
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