'Saber quais são todas opções legais disponíveis é essencial para proteger sua propriedade agrícola', alerta advogado Daniel Neves, em palestra à Secretaria de Agricultura e Abastecimento de SP
Sócio fundador do Neves, De Rosso e Fonseca Advogados falou sobre contratos bancários do agronegócio, especificamente sobre inadimplemento, execução de garantias e possíveis saídas
O professor e advogado Daniel Neves, mestre e doutor em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP e sócio fundador do Neves, De Rosso e Fonseca Advogados, apontou na palestra "contratos bancários do agronegócio - inadimplemento, execução de garantias e possíveis soluções", organizada pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo nesta semana, medidas relevantes tanto para os credores quanto para quem contrai financiamentos ou empréstimos.
"Estar instruído e ter um contrato bem redigido é indispensável. Quando surge um problema, os advogados trabalham a partir do contrato que foi originalmente celebrado, daí a importância de estar bem redigido para a proteção dos interessados."
Alienação fiduciária
"A CCR (Cédula de Crédito Rural), uma das principais formas de financiamento do agronegócio, autoriza a livre pactuação entre as partes. No entanto, é certo que a maioria das Instituições Financeiras, até para se resguardar diante do montante envolvido nos contratos, exige a contraprestação na forma de garantia. A maioria delas é dada na forma de alienação fiduciária de bem imóvel – que, na maioria das vezes, é a própria terra em que reside e produz. Em caso de inadimplemento e não cumprimento da obrigação no prazo legal, o Banco poderá executar a garantia dada.
A legislação prevê que quando o produtor rural passa a dever uma parcela, a instituição financeira passa a ter o direito de antecipar todo o débito, o que coloca ainda mais em risco a garantia dada.
"Não é da noite para o dia que o produtor rural percebe que por conta de uma geada, praga ou flutuação de câmbio ficará inadimplente", aponta o advogado. "Quanto mais rápido buscar medidas para minorar o risco de perder a sua garantia, melhor."
'Cartas' na mão
O advogado apresentou, em palestra à Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, cuja gravação está disponível na conta oficial da pasta no YouTube, três saídas disponíveis ao produtor rural.
"A questão é pragmática, as opções podem não ser soluções 'mágicas', mas é importante o produtor rural saber quais cartas ele tem na mão, que existem alternativas para sair dessa situação, quais são, e a partir daí construir a sua estratégia com o auxílio de especialistas", argumenta.
"Sou produtor rural, sei que vou ficar inadimplente, penso, 'o que posso fazer para evitar o processo?'", questiona, de forma retórica, Neves.
O produtor rural pode, segundo o advogado orienta, se antecipar ao inadimplemento e ajuizar uma ação de consignação em pagamento, para depositar em juízo o valor que entende devido. Trata-se de uma maneira de afastar o risco do vencimento antecipado do contrato.
"Essa medida é aplicada quando o produtor quer discutir o valor, mas também em casos nos quais precisa ganhar tempo", explica Neves. "A principal vantagem do ajuizamento da ação de consignação, no caso de inadimplemento, é que ela acontece antes da judicialização [da dívida]."
"O produtor rural pode lançar mão de uma segunda opção, entre a intimação pela instituição financeira por inadimplência até o fim do prazo de três dias dados para saldar a dívida, que é realizar o pagamento em juízo do total devido com redução dos honorários a serem pagos em 50%. Ao fim desse prazo de 3 dias, no entanto, se nada for feito pelo devedor, o banco pode executar a garantia estabelecida no contrato."
Caso o credor execute o bem dado em garantia e o mesmo recaia o sobre bem em que reside o devedor, poderá esse arguir a sua impenhorabilidade, uma vez que o bem de família é considerado essencial para sua subsistência, bem como a dos seus familiares.
"É o caso do pequeno produtor que ofereceu como garantia ao banco a pequena propriedade rural onde vive com a família e faz a plantação de onde provém o sustento de todos; se essa terra for tomada, não terá como prover a própria subsistência, além da família ficar sem um teto", justifica Neves.
"Pode, à primeira vista, parecer contraditório o produtor rural dar sua terra como garantia e depois alegar [impenhorabilidade], porém já existem precedentes de decisões favoráveis a esse tipo de ação no STJ [Supremo Tribunal de Justiça]."
Finalmente, uma terceira via apresentada ao devedor surge quando não há o pagamento da dívida no prazo de três dias, mas, após esse período, o credor não realiza a execução da garantia contratual. É dado ao devedor a possibilidade, em sede de Embargos à Execução (que nada mais é do que a defesa do Executado), pleitear a substituição da penhora, ou ao menos realizar parte do pagamento e oferecer outro bem, de menor valor, evitando risco da perda do bem originalmente dado em garantia.
"Se o financiamento concedido foi, digamos, de R$ 3 milhões, a garantia dada corresponde a esse valor, e o produtor rural já saldou metade do financiamento, ele fica inadimplente, e o banco instala a execução, o produtor pode pedir a substituição da garantia, pois sua fazenda vale mais do que o saldo de R$ 1,5 milhão", argumenta Neves.
Ainda nessa mesma defesa, o produtor poderá optar pelo parcelamento judicial da dívida. Reconhecendo sua existência e no prazo dos Embargos à Execução, o produtor poderá realizar o depósito de no mínimo 30% da dívida e parcelar o restante em até 6 (seis) parcelas.
Finalmente, se o produtor desejar discutir possíveis abusos ou excessos na dívida, mas não deseja manter sua propriedade como garantia da dívida, poderá optar pela contratação do seguro judicial ou da fiança bancária, o que dificultará a recusa do credor, já que, pela lei, o seguro judicial e a fiança bancária se equiparam a dinheiro.
"O ideal é traçar uma estratégia de acordo com o perfil e a situação financeira de cada produtor rural. Nesse terceiro cenário ele terá que fazer um desembolso para contratar o seguro-fiança, que é caro, mas se ele tem esse dinheiro à disposição, e tem convicção do quanto vale sua propriedade, pode representar uma boa alternativa", afirma Neves.
Pandemia
Valer-se do judiciário em tempos de pandemia pode ser um problema. Com a pandemia surgindo em ondas, o Judiciário tem sido muito demandado, o que, por sua vez, tem afetado diretamente a tramitação dos processos. Em razão disso, muitas partes tem optado por renegociar seus débitos e créditos de maneira extra judicial, ou seja, fora do juízo.
"Uma resolução do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a suspensão dos prazos nos municípios que adotaram o lockdown", alerta Neves. "Como nem todos os municípios adotam as mesmas regras de restrição, infelizmente, já se tem notícias de algumas perdas de prazos, por imaginar o profissional advogado que determinada localidade encontra-se em lockdown, quando na verdade as restrições, embora severas, não caracterizam o chamado lockdown. Daí a necessidade de entender bem o que realmente pode ser considerado lockdown."
Sobre os contratos em si, a situação não difere de outros meios de revisão de financiamento por conta da COVID-19. A simples alegação de que a pandemia trouxe prejuízos e impossibilitou o pagamento das parcelas do contrato não é, por si só, o bastante para sua revisão, sendo necessária a demonstração de que os prejuízos estão diretamente relacionados a ela. O Judiciário entende que cada caso é um caso.
Daniel Amorim Assumpção Neves – É advogado, mestre e doutor em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP. É professor titular do programa de mestrado e doutorado da FADISP. É parecerista na área do Direito Processual Civil e sócio fundador do Neves, De Rosso e Fonseca Advogados. Possui intensa atuação acadêmica no Direito: é professor assistente do Professor Antonio Carlos Marcato nos cursos de graduação, mestrado e doutorado da Faculdade de Direito da USP. É autor de importantes obras do Direito Processual Civil como o Novo CPC Comparado - Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015, editora Método – Forense, em parceria com Luiz Fux; Manual de Direito Processual Civil, editora Método; Manual de Improbidade Administrativa, editora Método; Manual de Direito do Consumidor, editora Método; e Manual de Processo Coletivo, editora Método, entre outras publicações. É autor também do Novo CPC Comentado Artigo por Artigo, editora Juspodivm.
Neves, De Rosso e Fonseca Advogados - Fundado em 1998, o Escritório se destaca pelo atendimento personalizado nas mais diversas áreas do Direito. Atua nos segmentos do Direito Civil, Societário, Administrativo, Responsabilidade Civil, Contratos, Imobiliário, Comercial, Empresarial, Ambiental, Saúde, Consumidor, Desportivo e Família, para citar apenas alguns dos mais expressivos em sua carteira. Atende grandes empresas dos setores Bancário (Relações de Consumo, Planos Econômicos), Hoteleiro, Varejista, Gás e Energia, Saúde, Alimentação, Editorial, entre os mais significativos. O escritório foi criado inicialmente para atender as imensas demandas judiciais de grandes bancos brasileiros, em diversas partes do País. Por isso, tem filiais e sócios locados nas regiões Sudeste (sede na capital paulista) e Nordeste (Natal e Recife), onde conta com um corpo jurídico forte e altamente capacitado, além da permanente dedicação dos sócios fundadores, que atendem pessoalmente aos clientes e estão sempre à frente de todas as demandas, o que é uma prioridade para eles e uma marca da banca. Por ser um Escritório de médio porte, os sócios têm condições de acompanhar de perto toda a dinâmica dos clientes, que recebem essa atenção diretamente, sem intermediação de coordenadores de áreas. Com o tempo e experiência de mercado, investiu nas demais áreas e em processos estratégicos, sem abrir mão da estrutura de massificado. Dentre as instituições financeiras, presta serviços para os mais relevantes bancos instalados no País, atendendo suas carteiras de processos especiais e de massificado no Brasil inteiro, mas principalmente nas regiões Sudeste e Nordeste.
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