Um tipo mais doce de Lean - Aplicação no Agronegócio
Você sabe o que é Lean Thinking e como essa metodologia funciona? O Lean Thinking, Mentalidade Enxuta ou simplesmente Lean, é um conjunto de técnicas utilizado na identificação e eliminação de desperdícios presentes nos processos. Sua origem data do final da Segunda Guerra Mundial, quando Taiichi Ohno, então gerente da Toyota Motor Company no Japão, viu-se às voltas com uma terrível escassez de recursos financeiros.
Aperfeiçoando conceitos consagrados por Henry Ford e Frederick Taylor, Ohno desenvolveu o Sistema Toyota de Produção. Anos depois, ao ser levado para os Estados Unidos, o Sistema foi batizado de Lean, pela equipe do Massachusetts Institute of Technology (MIT), liderada por James Womack.
Carlos Moretti, sócio da Treinari, explica que os resultados favoráveis da empresa japonesa fizeram o mundo querer conhecer esse método. "Com o passar do tempo, os significativos resultados financeiros obtidos pela empresa Japonesa, ao empregar o Lean Thinking, fizeram com que a metodologia rompesse as barreiras da manufatura e passasse a ser disseminada em áreas tais como serviços, saúde, logística e por fim, agronegócio", comenta.
Carlos Moretti - pioneiro na implantação do Lean no Agronegócio - explica que tem como propósito aumentar a rentabilidade de seus clientes, melhorando sua produtividade: "Quero levar o Lean Thinking para toda a cadeia do agronegócio e assim ajudar o Brasil a se consolidar como "o país que alimentará o Mundo".
Em um memorável projeto lean, Carlos Moretti encontrou-se ajudando um fornecedor brasileiro de cana-de-açúcar para a indústria de etanol, com uma série de problemas de eficiência e qualidade. Esta é a sua história:
Primeiramente, algum background sobre a implementação. Quem é a Brasil Canasul e como eles se aproximaram primeiro de você? Que problemas estavam tendo?
CM: A Brasil Canasul (BC) é uma empresa com 250 funcionários, no estado de Goiás. Em 2011, fecharam um contrato com um dos maiores players do mercado brasileiro de etanol e, para atender às necessidades de produção do cliente (hectares de cana-de-açúcar plantadas por dia), teriam que introduzir um terceiro turno. Depois de seis meses, perceberam que sua produtividade não era boa o suficiente, o nível de downtime estava ficando alto, a taxa de rotatividade do pessoal estava aumentando, a qualidade era insatisfatória (os funcionários estavam tendo dificuldade em lidar com os computadores de bordo) e, é claro, tinham muitos clientes reclamando. Naquela época, os gestores concluíram que algo deveria ser feito e, felizmente, um deles leu um artigo sobre o Sistema Toyota de Produção (TPS) em uma revista de negócios e se perguntou se esse sistema poderia ajudá-los.
Entendo que sua primeira prioridade era tornar o trabalho e os problemas visíveis. Como a natureza do trabalho da BC dificultou isto?
CM: Quando começamos o projeto, já havíamos trabalhado em muitos tipos de Gembas: fábricas (pintura técnica, estamparia, injeção de alumínio, assentos, medicamentos, lentes para óculos, Food & Pet Food), escritórios (companhias de seguros, departamentos de RH) e assim por diante . O que esses Gembas têm em comum? Você pode ver "onde o Gemba começa e onde termina." Em outras palvras, você tem salas, andares, elevadores, etc., mas ainda é capaz de fazer uma caminhada de Gemba "por conta própria". Na Brasil Canasul, a cada três ou quatro dias as equipes estavam em uma Gemba diferente, com 30 ~ 35 ha (1 ha = hectare é a área de um campo de futebol), com topografias diferentes e, às vezes, diferentes condições do solo e de clima. Dessa forma, os desafios foram:
Como definimos os padrões quando as condições Gemba variam tanto? Em outras palavras, quanta cana-de-açúcar poderia ser plantada em um determinado dia? (Inicialmente, eles mediam a área plantada em uma base mensal.)
Devido à dimensão do Gemba, como medimos o trabalho para ver se estamos a atrasados ou adiantados em relação ao plano?
Resumindo, a principal questão foi: sem padrões, sem problemas!
Quais foram algumas das soluções que você implementou para tornar o trabalho visível?
CM: Para responder a isto, deixe-me explicar primeiro o processo de plantio:
Os trabalhadores colhem a cana, com uma máquina colhedora
Esta máquina corta os caules de cana em pedaços menores (mudas da cana), que são colocados nos "caixotes" dos caminhões.
Os caminhões levam as mudas para as áreas de plantio. Quando os caminhões chegam à área de plantio, as mudas são colocadas em plantadoras Em suma, nosso Genchi Genbutsu revelou que eram necessários quatro caixotes de mudas de cana-de-açúcar para cada hectare plantado. Então, em vez de tentar medir a área plantada por hora, começamos a contar caixotes plantados por hora.
Lembrando que um problema é um desvio de um padrão e nosso objetivo era tornar os problemas visíveis "imediatamente", o próximo passo era definir o plano. Em outras palavras, quantos "caixotes" nós plantaríamos num determinado dia. Para isso, diariamente um membro da equipe definia o número de caixotes que tinham de ser plantados no dia seguinte, considerando o tamanho e condições da área, tais como, topografia, tipo de solo, etc. Depois que este sistema começou a funcionar, construímos um quadro de Controle de Processo e a cada hora - por rádio - os membros da equipe informavam o número de "caixotes" plantados e, se não atingissem as metas (padrões), relatavam os motivos.
Você encontrou muita resistência / ceticismo dos trabalhadores quando isso aconteceu?
CM: Ah sim! Algo que sempre notamos é que as Pessoas, invariavelmente, se queixam quando você tenta mudar o status quo. Afirmações tais como "Eu tenho feito isso dessa maneira toda a minha vida! Por que você quer mudar isso agora? ", ou ainda, "Funciona para a Toyota porque eles são japoneses, mas nós somos brasileiros (ou mexicanos, ou italianos, ou venezuelanos, ou americanos, ou poloneses …)!" são ouvidas cada vez que começamos um projeto. E por que isso acontece? Em seu livro "Change or Die", Alan Deutschmann afirma que quando nos encontramos em uma situação aparentemente intolerável, nossas mentes ativam muitos mecanismos para nos ajudar a lidar com isso. Esses mecanismos foram estudados por Sigmund Freud, que os chamou de "mecanismos defesas do ego".
Definitivamente, na Brasil Canasul não foi diferente. Quando começamos a medir a produção em uma base horária, os trabalhadores se sentiram oprimidos e começaram a reclamar: "Por que você está nos medindo? Você acha que não trabalhamos bem?", ou o meu favorito, "Você acha que isto é uma linha de montagem?". Esses tipos de queixas são nada mais que defesas do ego, tais como negação e racionalização (criar desculpas criativas para encobrir os motivos reais de por que não queremos fazer algo). Eles estavam resistindo à mudança!
Porém, como afirmou John Shook, "(…) a maneira de mudar a cultura não é mudar primeiro o que as pessoas pensam, mas sim começar por mudar o modo como as pessoas se comportam - o que fazem." Logo, o desafio era convencer os trabalhadores a fazer o processo da maneira que propusemos: pedimos então "o benefício da dúvida" a uma pequena equipe do primeiro turno: "Por favor, façam como dissemos, por pelo menos um mês! Temos certeza de que os resultados vão ser ótimos!" Depois de dois ou três meses trabalhando com máquinas limpas (5S), podendo perceber se estavam adiantados ou atrasados em relação ao plano (Jidoka) e com metas de produção claras e compreendidas (Gestão Visual), a produtividade aumentou sensivelmente. Como resultado, os trabalhadores dos outros turnos pediram para participar de treinamentos de Lean.
Quais problemas "surgiram" uma vez que as ferramentas de Gestão Visual estavam funcionando?
CM: Cada vez que as equipes não atingiam sua meta horária, o líder do turno registrava os motivos. Depois de dois ou três meses, pudemos ver que havia dois problemas principais impedindo-nos de atingir as metas: tempo de inatividade da máquina (donwtime) e falta de mudas na área de plantio. Imediatamente, desenvolvemos relatórios de A3 Solução de Problemas para atacar ambos. (Mas isso é uma história para outro momento).
Quais os resultados desta transformação?
CM: Trabalhamos com a Brasil Canasul por dois anos. No primeiro ano, a média mensal de área plantada passou de 770 ha por mês para 920 ha por mês. A partir do segundo ano, a produção média mensal foi superior a 1000 hectares.
Carlos Moretti: Engenheiro pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo com mais de 20 anos de experiência em melhoria de processos em agronegócio, autopeças, produção de alimentos, higiene pessoal, calibração de instrumentos de medição, tubos flexíveis, Seguros, corretagem de seguros e outros. Co-autor do livro "Toyota by Toyota: Reflections from the inside leaders on the techniques that revolutionized the industry". Instrutor nos cursos de Lean Thinking da Fundação Vanzolini. Carlos adquiriu experiência prática no Lean Thinking trabalhando diretamente com Senseis (Mestres) da Toyota do Brasil, Japão, Canadá e Venezuela, além de conduzir a implantação do Lean no Brasil, Estados Unidos, México, Venezuela, Polônia, Índia e Itália.
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