Aristóteles e o leite de vaca
Por Xico Graziano, engenheiro agrônomo, doutor em Administração, professor de MBA na FGV e membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS)
Será verdade que o leite de vaca é um alimento nocivo, conforme apregoado por alguns médicos na internet? Ou será mais um mito construído contra o agro? A resposta vem de Aristóteles, o grande filósofo grego.
A lógica aristotélica ajuda o raciocínio humano a se aproximar da verdade, quer dizer, aos fatos. Divergindo do idealista Platão, seu mestre, Aristóteles valorizava o conhecimento prático, empírico, na busca do entendimento do mundo.
Voltemos ao leite. Se fosse verdade que o leite de vaca é um alimento prejudicial à saúde das pessoas, ele não faria parte da nutrição humana durante milênios. Se o leite causasse mal, seus derivados como queijo, manteiga e coalhada não comporiam a culinária de povos variados espalhados pelo mundo.
Simples assim. Não tem lógica condenar o leite de vaca como alimento humano. Nem é lógico nem se embasa no conhecimento empírico, ou seja, na realidade. Trata-se, portanto, de uma cilada do raciocínio. Basta percorrer a civilização ocidental. Se o leite fosse do mal, os europeus estariam todos doentes. Há séculos.
A base da falácia contra o leite reside no fato, este sim concreto, de que parte da população humana apresenta intolerância à lactose ou, ainda, reação alérgica às proteínas lácteas. Entenda a diferença entre os dois problemas de saúde.
A lactose é um tipo de açúcar próprio do leite. Ao ser ingerida pelo ser humano, precisa ser digerida pela ação de uma enzima chamada lactase. Ocorre que muitas pessoas apresentam deficiência de produção de lactase no organismo, o que resulta em má digestibilidade – intolerância – do leite.
A alergia, por sua vez, se caracteriza por reações às proteínas presentes no leite, como a caseína, a alfa-lactoalbumina e a beta-lactoglobulina. Por isso ela é conhecida como “alergia à proteína ao leite de vaca” (APLV), provocando cólicas, gases, refluxo, entre outros sintomas.
Estima-se que a alergia à proteína do leite bovino (APLV) afete 2,2% das crianças brasileiras nos primeiros anos de vida. Para superar o problema, normalmente as crianças alérgicas ao leite de vaca se nutrem com leite de cabra. Com relação à intolerância, hoje em dia a indústria de alimentos incluiu a lactase ao leite normal, de forma que o consumidor, ao beber, não sofrerá de gases, dores de barriga, mal-estar.
Resumindo: o fato de algumas pessoas serem alérgicas, ou intolerantes, aos produtos lácteos levou ao surgimento de mitos, explorados por médicos, charlatões e incautos. Uns defendem seus interesses particulares. Outros exibem ignorância.
Não é raro na alimentação ocorrer tais deformações do conhecimento. Lembrem-se que o temor do colesterol permitiu que a gema do ovo fosse condenada ao extremo pelo risco de enfarte cardíaco. Um mito já desmentido pelo conhecimento científico recente na medicina.
Da mesma forma, a mesma sina levou ao banimento, no passado, da banha de porco na cozinha. Para alegria do óleo advindo de cereais (milho) e grãos (soja). Ou, ainda, das restrições ao uso da manteiga no pão. Para gosto da margarina. O marketing empresarial se mistura aos mitos.
Para completar as afrontas lógicas à história da alimentação, alguns bobocas disfarçados de ecologistas passaram a atacar o consumo humano de leite de vaca em nome do “direito do bezerro”. O argumento é patético. Segundo os defensores do bezerro, os seres humanos não têm o direito de “roubar” a bebida deles.
Nesse caso, nem Aristóteles resolve. As vacas leiteiras, selecionadas milenarmente na Europa, ou na Índia, e depois aprimoradas pela genética moderna, produzem em média, por baixo, 25 litros de leite por dia. Seus filhos, os dignos bezerrinhos, sinceramente, não conseguem se empanturrar com tanto leite. Se o fizessem, morreriam de diarreia.
Chega a ser engraçado. Mas o assunto é sério. O Brasil consome uma média de 170 litros equivalentes (equivalentes em litros devido ao consumo de queijos e outros derivados lácteos) de leite por habitante/ano. Está acima da média mundial, de 116,5 litros eq hab/ano, mas abaixo dos países desenvolvidos, que consomem de 250 a 300 litros eq hab/ano.
Em nome da nutrição do povo e da saúde coletiva deveríamos estar, todos, lutando para elevar o consumo de leite e seus derivados entre a população brasileira. Mas perdemos tempo discutindo mentiras que, de forma consciente ou não, associam-se a razões comerciais. Ou, como no caso dos veganos, à causas idealísticas.
Sobre o CCAS
O Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) é uma organização da Sociedade Civil, criada em 15 de abril de 2011, com domicilio, sede e foro no município de São Paulo-SP, com o objetivo precípuo de discutir temas relacionados à sustentabilidade da agricultura e se posicionar, de maneira clara, sobre o assunto.
O CCAS é uma entidade privada, de natureza associativa, sem fins econômicos, pautando suas ações na imparcialidade, ética e transparência, sempre valorizando o conhecimento científico.
Os associados do CCAS são profissionais de diferentes formações e áreas de atuação, tanto na área pública quanto privada, que comungam o objetivo comum de pugnar pela sustentabilidade da agricultura brasileira. São profissionais que se destacam por suas atividades técnico-científicas e que se dispõem a apresentar fatos concretos, lastreados em verdades científicas, para comprovar a sustentabilidade das atividades agrícolas.
A agricultura, apesar da sua importância fundamental para o país e para cada cidadão, tem sua reputação e imagem em construção, alternando percepções positivas e negativas, não condizentes com a realidade. É preciso que professores, pesquisadores e especialistas no tema apresentem e discutam suas teses, estudos e opiniões, para melhor informação da sociedade. É importante que todo o conhecimento acumulado nas Universidades e Instituições de Pesquisa seja colocado à disposição da população, para que a realidade da agricultura, em especial seu caráter de sustentabilidade, transpareça.
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