Educação abraça o metaverso, mas não contempla quem mais necessita dele
Tecnologia existe no Brasil, mas está implantada em bolhas, clusters de estudos especializados, longe da real necessidade de escala de um país com dimensão continental e diverso
Cesar Silva*
Discutir o impacto de mecanismos de realidade virtual na educação brasileira se tornou pauta comum entre profissionais e entusiastas da área e, recentemente, fui convidado a refletir sobre seus benefícios. A aplicação real dessas ações também levanta questionamento, devido a eterna desconfiança sobre o que funciona ou não no Brasil. A resposta é que há, sim, a presença do chamado metaverso em diversos modelos de educação e capacitação profissional.
Os treinamentos em ambientes de simulação, já existentes para cursos de operadores de máquinas, de veículos de carga e tipos de soldagem em materiais, por exemplo, estão em operação desde o início deste século e asseguram uma primeira etapa de aprendizagem. Uma iniciativa que valoriza os conceitos fundamentais da operação, testando os alunos, para, aí sim, mais preparados, serem submetidos a operações reais, com mais riscos e que incorrem em custos de combustível, materiais e insumos bem caros.
Em outro exemplo, dentro dos cursos de medicina das principais instituições particulares do país, os alunos têm a oportunidade de desenvolver casos clínicos desde os primeiros meses de aulas, atendendo robôs que apresentam sinais vitais que indicam disfunções a serem diagnosticadas pelos estudantes a partir de conceitos desenvolvidos nos seus programas de formação. É a residência virtual, no início dos programas, que traz a prática de maneira antecipada e sem riscos inerentes aos erros em saúde.
Muitos métodos existem há décadas, como já dito, e a necessidade imposta pelo isolamento social e a evolução cada vez mais rápida do universo digital os tornaram mais aprimorados.
Mas um fato que muita gente esquece – ou ignora –, porém, é a dura realidade da grande massa de estudantes, jovens ou não, que não é contemplada por essas necessárias ferramentas. A tecnologia existe e está implantada em bolhas, clusters de estudos especializados, mas, a realidade da escala, de um país com dimensão continental e diverso, é muito distante do metaverso. Nunca o virtual foi tão distante do real.
O impacto negativo dessa diferença de oportunidades pode ser visto diretamente na avaliação da educação pública brasileira como um todo. Após dois anos de pandemia, retornamos a patamares de qualidade escolar bem abaixo de 2019. Temos mais de 55% dos alunos com deficiência em língua portuguesa e 95% com deficiência em matemática.
Na outra ponta, professores com aulas atribuídas faltam constantemente. Por terem que se deslocar de grandes centros para as periferias, preferem se dedicar a outras atividades não relacionadas à educação, deixando turmas de alunos com substitutas sem qualquer qualificação para os conteúdos essenciais.
Não aprendemos quase nada com a necessidade. Se o delivery cresceu e se estabeleceu, o uso de tecnologias para estimular e motivar os alunos em paralelo com o presencial não teve o mesmo efeito.
A realidade virtual expressa pelos gestores públicos de educação – em todas as esferas municipais, estaduais e federal – destoa da realidade verdadeira e sofrida das escolas sem recursos básicos para receber alunos e que possibilitem o aprendizado contínuo e progressivo.
Foram 4 ministros de educação em 3 anos e meio, sem qualquer proposta de política pública consistente para a pasta. Da mesma forma, vimos a maior parte dos estados correr atrás de uma estratégia para manter os alunos ativos durante a pandemia, mas nada se fortaleceu como sistema após a volta às aulas presenciais.
A educação pública vive, sim, o metaverso, mas com um viés patético e ilusório.
*César Silva é especialista em gestão educacional, atual presidente da Fundação FAT
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