Marcha à ré da saúde suplementar
Lamentavelmente o Brasil engrenou uma marcha à ré faz alguns anos. Em especial no campo da saúde, são inúmeras as más notícias que tolhem dos cidadãos o legítimo direito à assistência universal, integral e de qualidade, direito esse consagrado na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196.
Assim, na área pública as perspectivas de atendimento digno se tornam cada vez mais remotas. O Congresso Nacional conseguiu deixar a luz no fim do túnel a décadas de distância, ao congelar por vinte anos o orçamento da saúde.
Isso ocorreu em outubro de 2016, quando nossa Lei Magna completava sua maioridade: um presente de grego aos brasileiros.
O golpe na saúde pública teve desdobramentos também no setor suplementar. Com a renda da população caindo a cada dia, um enorme contingente deixou de adquirir planos e seguros, sendo que muitos outros desistiram dos produtos de possuíam por absoluta insolvência financeira. O resultado um gargalo do SUS ainda mais apertado.
Planos e seguros de saúde até hoje usam essa argumentação para enxugar suas redes e, por vezes, pressionar médicos a reduzirem exames e procedimentos essenciais à adequada assistência dos pacientes.
Mero jogo de cena. Dados divulgados recentemente pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) demonstram que o lucro dessas empresas em 2016 teve crescimento de 70,6%, se comparado a 2015. O faturamento chegou a R$ 158,3 bilhões.
Tudo seria lindo, se os ganhos retratassem planos e seguros eficazes, com cobertura integral, total respeito aos usuários e à autonomia do exercício da medicina. Contudo, essa não é a realidade. Nós órgãos de Defesa do Consumidor, as empresas de saúde suplementar seguem disputando os primeiros lugares com as de telefonia e TVs a cabo. Os motivos são negativa de procedimentos, carência de profissionais, não cumprimento aos prazos de atendimento, entre outros.
Por outro lado, médicos seguem como vítimas preferenciais de certos planos. As mais novas pesquisas realizadas por entidades de classe, registram pressões para antecipação de alta, para não internação de casos graves, para redução de exames essenciais e por aí segue. Isso sem falar nas glosas, que é quando o profissional faz seu trabalho, mas leva calote da seguradora.
Entre tantos conflitos, quem deveria ajudar, parece mais interessado em tumultuar o setor. O Governo, por exemplo, tenta desde o início de 2017, aprovar planos de cobertura restrita, que seus publicitários batizaram de planos populares.
Atualmente em discussão na ANS, tais modelos são grave ameaça de retrocesso aos direitos dos consumidores, pois segmentarão a assistência à saúde, condição esta rejeitada e regulamentada quando da promulgação da Lei 9656/98.
Esses produtos preveem a redução da cobertura com a criação de um novo e limitado rol, a liberação de reajustes para os planos individuais, o aumento dos prazos para agendamento de consultas e para o acesso a procedimentos, além da exclusão de tratamento de alta complexidade, de procedimentos como quimioterapia, urgências e emergências e hospital-dia.
Se aprovada tal ideia, teremos parte da saúde suplementar reduzida ao nível ambulatorial. O brasileiro comprará planos para ser assistido em casos de gripe, dor de cabeça e outros, sendo penalizado a recorrer ao SUS ou a pagar por fora se tiver algo mais grave.
Enfim, algo inadmissível, uma afronte que os cidadãos de bem não podem admitir.
Antonio Carlos Lopes presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica
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