Do banco para consultoria! Isto funciona para todos?
Saulo Santos*
Mudar de carreira depois de anos consolidando experiências e construindo uma trajetória bem-sucedida não é uma decisão fácil. Para quem esteve por mais de 35 anos no mercado financeiro, a transição para uma consultoria de tecnologia pode ser uma oportunidade de continuidade, mas também pode ser um salto no escuro. O que poucos percebem é que essa troca, apesar dos desafios, pode ser a oportunidade de alinhar sua experiência, seu networking e a paixão por esta indústria, viva e contribuindo de uma forma transformadora. Ao longo da minha jornada de transição, percebi que muitos profissionais compartilham do mesmo dilema e curiosidade: como dar esse passo e, ao mesmo tempo, encontrar valor?
A mudança de carreira, especialmente a “esta altura do campeonato”, no bloco dos 50+, pode gerar receios e inseguranças. Afinal, estamos abandonando a zona de conforto e nos aventurando em um território “desconhecido”. Entretanto, acredito que a experiência acumulada ao longo dos anos é um ativo valioso, capaz de abrir portas e impulsionar o crescimento em diferentes áreas. No meu caso, o conhecimento profundo do mercado financeiro, aliado à expertise em processos e à capacidade de comunicação, se mostraram ferramentas essenciais para a atuação na minha nova jornada em uma consultoria de tecnologia.
Uma das grandes diferenças que percebi ao sair do banco foi a cadência do dia a dia. No mercado financeiro, a agenda é intensa, as tomadas de decisão são rápidas e sucessivas e a demanda por previsibilidade é muito alta. Meus últimos desafios nos bancos foram associados à liderança de grandes equipes de otimização de processos em nível corporativo e gestão de projetos com altos budgets de transformação tecnológica. Uma cadência diária com uma agenda repleta de reuniões sucessivas e demandas constantes em torno destes temas. A navegando entre áreas comerciais, operacionais e tecnológicas, me forneceram um amplo conhecimento sobre o funcionamento bancário, algo que se tornaria meu maior diferencial competitivo na nova jornada.
Já na consultoria, a programação também é bem movimentada, ainda mais que além de mudar de indústria, também mudei minha carreira para uma experiência comercial e isto realmente era diferente. Agora o espaço para negociações tinha uma abordagem diferente, onde a empatia e entendimento do que se precisa do outro lado, abre um imenso caminho para aplicação de minhas competências.
A dinâmica comercial exige um novo tipo de paciência. O ritmo ou cadência é completamente diferente e tem dias que realmente a agenda é cumprida e ponto. Isto traz a flexibilidade que substituiu a rigidez, e a esta dinâmica oferece novos desafios. Outra coisa interessante foi a mudança de modelo. Nos Bancos em geral, planejamentos feitos e budgets destinados, você normalmente tem as pessoas para realização de seus projetos por exemplo. Já na consultoria, você trabalha para ter os projetos e aí sim, buscar as pessoas certas para os desafios e isto causa uma certa estranheza para quem chega neste novo mundo.
Diante desta nova realidade cheia de variações, sim, cheguei a me questionar: "O que eu vim fazer aqui?" Mas logo percebi que essa mudança era um reflexo da dinâmica mais flexível e inovadora do setor de tecnologia e estava alimentando aspectos da minha carreira que permaneceram adormecidos por anos. A transição foi um choque, mas também uma revelação sobre o que realmente me motivava profissionalmente. Por isso, adaptar-se às novas regras do jogo foi essencial para fazer dessa transição um sucesso, e confesso, manter a conexão com esta indústria que sempre fui apaixonado, me fez sentir realizado e feliz na nova jornada.
Acredito que a chave para uma transição de carreira bem-sucedida reside na clareza dos objetivos e na disposição para aprender e se adaptar. É fundamental identificar as habilidades e competências que podem ser transferidas para a nova área, bem como as lacunas que precisam ser preenchidas. A busca por conhecimento e o networking são aliados importantes nesse processo. Além disso, é preciso ter paciência e persistência, pois o processo pode exigir tempo e dedicação.
A nossa rede de contatos torna-se determinante para o nosso crescimento. Quando cheguei à consultoria, percebi que os clientes que atendia antes continuavam sendo parte essencial do meu dia a dia. As relações profissionais construídas ao longo dos anos se transformaram em oportunidades comerciais, mas sempre associado a um valor agregado que surgia a cada conversa dada toda experiência acumulada anteriormente. No final das contas, a confiança e a credibilidade que construí no mercado financeiro se tornaram meu grande aliado e um diferencial competitivo na consultoria.
Olhando para trás, vejo que o sucesso da transição não veio apenas do conhecimento técnico, mas da capacidade de reconhecer o que sempre me motivou. Durante toda minha carreira, fui um solucionador de problemas e um facilitador de processos. No banco, trabalhava otimizando operações e aumentando a eficiência. Na consultoria, faço exatamente o mesmo, mas de um novo ponto de vista, com novas ferramentas e desafios.
Se pudesse deixar um conselho para quem está pensando em mudar de carreira, seria este: a paixão pelo que você faz não precisa ser limitada por um setor ou cargo específico. Durante anos, estive tão imerso no mundo bancário que nunca me permiti olhar para fora. Quando finalmente tive oportunidade ou até coragem de mudar, percebi que minha experiência podia ser valiosa em outro ambiente. E isso é algo que qualquer profissional pode descobrir, independentemente da área de atuação.
Tenho observado como as diferentes gerações encaram os rumos profissionais. No ambiente corporativo atual, convivem profissionais de 50, 35 e 20 anos, cada um com sua perspectiva sobre permanência, mudança e valor. A geração atual tem um ritmo diferente, uma urgência por crescimento e reconhecimento que muitas vezes não se alinha ao tempo de amadurecimento profissional. Eles não querem "ficar", querem "estar" e ser reconhecidos rapidamente. Ou seja, me parece claro que os mais jovens em geral, raramente desenvolvem a paixão que minha geração cultivou pelas empresas em que trabalhavam. Ao mesmo tempo, muitos profissionais experientes, como eu fui por anos, tornam-se "avestruzes" - tão imersos em suas rotinas que nunca levantam a cabeça para ver o mundo de possibilidades ao redor.
Aprendi, no entanto, que a pressa não pode substituir a consistência. Não se trata apenas de mudar por mudar, mas de saber como sua bagagem pode se encaixar em um novo cenário. Se houver clareza, planejamento e uma dose de coragem, a transição pode ser um dos momentos mais enriquecedores da carreira. Ao final dessa jornada, percebo que não deixei de lado a minha paixão pelo mercado financeiro, mas a transformei. Encontrei um novo papel em um ecossistema que sempre admirei, e hoje posso contribuir de uma maneira diferente, mais alinhada ao que busco para minha vida profissional.
Mudar pode ser “assustador”, porém também pode ser incrivelmente libertador. Para aqueles que temem a mudança, deixo um incentivo: olhe para o que você construiu até aqui e descubra como isso pode te levar ainda mais longe. Acredite no seu potencial e na sua capacidade de se reinventar. A vida é uma jornada de aprendizado contínuo, e este pode ser o primeiro passo para uma nova fase de sucesso e realização. Mas se você está feliz onde está siga, a felicidade é um componente estrutural de nossas vidas.
No meu caso, um antigo colega do banco me fez uma pergunta recentemente: "Você se arrepende?" Minha resposta foi sincera: "... passado este tempo, posso até dizer que só me arrependo de não ter feito antes."
*Saulo Santos é Business Vice President no Brasil da GFT Technologies
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