O Cuidado com Excessivas Leis de Seguro (Destaque)
Foi divulgado ontem, dia 06/11/2024 pelo site do Segs, o seguinte título: “Lei do Contrato de Seguro é aprovada no Congresso Nacional.”[1]
O texto começa relatando que “o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (5) o projeto de lei que dispõe sobre normas de seguro privado. Com a nova “Lei de Contrato de Seguro”, o Brasil passará a adotar um modelo dual, com uma Lei de Contrato de Seguro somada à atuação da autoridade reguladora, colocando o país no mesmo sentido das muito recentes reformas de países como a Inglaterra, Alemanha, Bélgica, Reino Unido e Japão, que promulgaram ou reformaram suas leis específicas para o contrato de seguro, experimentando crescimento econômico do setor”.[2]
Sempre me manifestei a favor de um Código de Seguros para o nosso país. Em verdade, o grande protagonista desta história vitoriosa é do Presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro, Ernesto Tzirulnik, amigo e colega de longa data.
O conteúdo da reportagem do prestigiado sítio registra com toda pertinência:
“Adicionalmente, a nova legislação visa a amenizar assimetrias, gerar confiança nas contratações, aumentar a demanda por seguro e fazer crescer o mercado, incorporando em diversos dispositivos princípios de eticidade contratual e de concretização da Ordem Econômica Constitucional, do que podem ser exemplos, entre outros, as disciplinas jurídicas da regulação de sinistro e do agravamento do risco”.
Todavia, gostaria de convidar a atenção de todos os estimados leitores e das incansáveis leitoras e escritores de textos jurídicos securitários, todo o cuidado com o excessivo número de projetos de leis e também do atual conteúdo oriundo do projeto da reforma do nosso atual Código Civil que também está em andamento em nosso Congresso Nacional.
Tenho, data vênia, reiteradas vezes escrito que uma proliferação excessiva de leis sobre a mesma matéria possa geral conflitos intertemporais de leis, a par de situações de entendimentos jurisprudenciais distintos.
Como um exemplo recentíssimo, trago à guisa de ilustração a proposta de extinguir a franquia no seguro, objeto de um, entre tantos, do projeto de lei 4159/2024, de autoria do deputado federal Fábio Henrique/ SE, que propõe a extinção da cobrança de franquia em seguros de veículos no Brasil. Se aprovado, o projeto introduziria o artigo 757-A ao Código Civil Brasileiro, eliminando a exigência de franquia nos contratos de seguro automotivo, restringindo a responsabilidade do segurado apenas ao pagamento do prêmio acordado no contrato.
Ao azo, cabe o registro que também existe a menção deste mesmo número de artigo apresentado, de outra forma, na proposta de reforma do atual Código Civil.[3]
Desde já se ressalta que se cuida de um tema que gera discussões relevantes sobre a proteção ao consumidor e a manutenção do equilíbrio econômico no mercado de seguros. A franquia é uma cláusula bastante comum em contratos de seguro, especialmente nos ramos de seguros de automóveis e de bens, e tem como função transferir ao segurado parte do custo de um eventual sinistro. No entanto, o sobredito projeto de lei visa extinguir a franquia argumentando que essa prática pode ser considerada desvantajosa ao consumidor e contrária à função social do contrato de seguro.
Todos os lidadores da área sabem que a franquia é um valor ou percentual estabelecido em contrato que, em caso de sinistro, deverá ser pago pelo segurado, reduzindo o valor da indenização paga pela seguradora. Esse mecanismo tem como objetivo diminuir o risco de sinistros de baixo valor e desestimular fraudes, incentivando o segurado a agir de maneira prudente a fim de evitar pequenos incidentes. Com isso, as seguradoras conseguem oferecer prêmios cobrados a menor nas apólices de seguros.
No Brasil, o nosso atual Código Civil prevê a liberdade contratual, inclusive para estipular cláusulas que impõem responsabilidades ao segurado, desde que estejam claras e sejam de conhecimento mútuo entre as partes. No entanto, para os defensores da extinção da franquia, essa prática penalizaria o consumidor, especialmente em contratos nos quais o poder de barganha do segurado é limitado.
A justificativa central para a extinção da franquia é que essa cláusula representa uma barreira ao acesso pleno aos direitos do segurado. Muitos consumidores não têm condições financeiras de arcar com o valor da franquia, o que, na prática, pode impedir o acesso à indenização. Em algumas situações, o valor da franquia é tão elevado que inviabiliza o acionamento do seguro para cobrir danos menores, frustrando as expectativas do consumidor que acreditava estar totalmente coberto.
Outro ponto relevante, em um todo neste cenário, se descortina na função social do contrato de seguro, aliás, um princípio já consolidado por nossos Tribunais.
Deveras. O contrato de seguro deve atuar como um mecanismo de proteção efetiva contra riscos, proporcionando segurança jurídica e financeira ao segurado. Quando a franquia impede o acesso completo à indenização, ela poderia ser vista como uma prática que prejudica a função social do seguro, contrariando o princípio de solidariedade que fundamenta o sistema securitário.
De outro giro, por ocasião da aprovação do chamado Código de Seguros por nosso Congresso Nacional, o Superintendente da Superintendência de Seguros Privados - SUSEP - Alessandro Octaviani, afirmou que este texto traz uma série de medidas de estímulo ao setor de seguros, aumentando a transparência e a proteção dos consumidores. Sublinhou, ainda, que a Lei é uma mudança institucional vinculada, mais amplamente, a uma Política Nacional de Acesso ao Seguro. “O Brasil, disse ele, tem um enorme mercado potencial de seguro, raramente comparável a qualquer outro mercado do mundo. Somos uma das dez maiores economias do mundo, mas o mercado de seguros é apenas em torno do 20º. A Lei é um dos tantos diplomas normativos que se insere nesse objetivo maior que é proporcionar o acesso e o consumo de seguro no nosso país".[4]
Para o Deputado Reginaldo Lopes, relator do Projeto, a nova regulamentação trará benefícios significativos tanto para o setor de seguros quanto para a economia e a sociedade brasileiras: “o mercado de seguros no Brasil tem como meta elevar sua participação para 10% do PIB até 2030, um objetivo alinhado aos níveis de países desenvolvidos. Para que esse crescimento se realize, é indispensável um ambiente regulatório moderno, capaz de atrair investimentos e ampliar o acesso a produtos de seguro para a população em geral”.[5]
Da mesma sorte, comunga deste entendimento o amigo e ex-deputado federal Lucas Vergílio, que afirmou, verbis:
"Trata-se de matéria de relevância para o mercado de seguros e de resseguros do País, cuja trajetória crescente há de ser reconhecida e preservada, e a necessidade de se privilegiar o necessário equilíbrio entre todos os agentes econômicos nele envolvidos, no caso, as seguradoras, as resseguradoras, os corretores de seguros e, em especial, os segurados consumidores de seguros".[6]
Portanto, nesta altura dos acontecimentos é imprescindível, a meu pensar, invocar o direito intertemporal e, ainda, o possível e considerável conflito de leis existentes. São temas complexos e de fundamental importância para o ordenamento jurídico, garantindo que as mudanças legislativas sejam aplicadas de maneira a respeitar a continuidade, a previsibilidade e a estabilidade das normas. A aplicação dos princípios de irretroatividade, continuidade, e proteção ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, são essenciais para evitar conflitos e garantir que o sistema jurídico atenda aos preceitos constitucionais e à proteção dos direitos dos cidadãos.
O conflito de leis na legislação securitária evidencia a complexidade do setor e a necessidade de interpretação cuidadosa e equilibrada entre normas específicas de regulação de seguros e normas gerais de proteção ao consumidor. É necessário conciliar os interesses das seguradoras com a proteção dos segurados, adotando um sistema jurídico que garanta segurança e transparência na contratação e manutenção de seguros.
Esse equilíbrio depende do papel do Judiciário e dos órgãos reguladores para resolver conflitos e garantir que as práticas securitárias atendam tanto aos requisitos de conformidade quanto aos direitos dos consumidores.
A compreensão do direito intertemporal é, portanto, indispensável para advogados, juízes e operadores do Direito, pois permite a aplicação justa das normas sem comprometer a confiança do cidadão na segurança jurídica.
Enfim. Todo o cuidado e prudência de nossos legisladores no dealbar de um futuro Código Civil é necessário para a tranquilidade de uma nação próspera, democrática e soberana.
É o que penso, s.m.j.
Porto Alegre, 06/11/2024.
Voltaire Marenzi - Advogado e Professor
[1] Vide Portal Segs.
[2] Início do texto inexo no sobredito Portal.
[3] Meus comentários também divulgados em diversos sites sobre o tema.
[4] Excerto da reportagem daquele Portal.
[5] Ibidem.
[6] Idem.
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