Saúde mental e carreira: especialista explica como construir um propósito sem abrir mão do equilíbrio
Pesquisa revela que 63,1% dos trabalhadores brasileiros sentem ansiedade ou angústia na maior parte dos dias
A pesquisa “Check-up de bem-estar nas empresas do Brasil 2023”, realizada pela Vidalink, que analisou dados de 8,9 mil funcionários de 217 empresas no Brasil, revelou dados alarmantes sobre saúde mental e carreira. O estudo mostra que 63,1% dos entrevistados sentem ansiedade ou angústia na maior parte dos dias. Os que afirmam se sentir “felizes e realizados” na maior parte do tempo são apenas 5%.
Além disso, 29% afirmam que não fazem nada para cuidar da saúde mental. Entre aqueles que fazem algo para alcançar o equilíbrio, as ações mais adotadas são, nesta ordem: a prática de exercícios físicos, tratamento com medicamentos reguladores de humor, terapia e meditação ou alguma atividade criativa.
“É preciso pensar na saúde mental como um ativo: tenha como prioridade se lançar em um percurso para construir mecanismos de autoproteção, recursos de nutrição e ferramentas de descompressão. O profissional precisa ter em mente que a saúde mental é o que o mantém de pé, e não se pode fazer dela algo secundário”, ressalta Ana Tomazelli, psicanalista e CEO do Ipefem (Instituto de Pesquisas & Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas).
Construindo o caminho para o propósito com responsabilidade
Como é possível encontrar o propósito e como fazer isso com menos pressão mental? “Propósito não é algo que se encontra do dia para a noite. Eu prefiro chamar propósito de serviço, porque o senso comum da palavra propósito muitas vezes dá a entender que o indivíduo é passivo nesse sentido, como se fosse acontecer uma iluminação. Eu acredito nesse “vetor invertido”, que é: eu começo a servir o mundo, e vou praticando esse serviço, até que cada pedaço do caminho, cada peça que fui colocando, me leve a isso que chamo de propósito, mas que tem algo muito mais ativo da minha parte do que simplesmente esperar passivamente receber algo”, diz Ana Tomazelli.
Identificando como lidar com os próprios sentimentos
Segundo explica Ana Tomazelli, não existe saúde mental sem integralidade, e é preciso fazer o exercício de identificar o próprio estado emocional.
“Precisamos ter alguma consciência de como é o nosso estado emocional, da relação com o nosso comportamento, quase como se fosse um inventário das coisas que nos atravessam, dos gatilhos, que tipo de espaço, circunstância ou pessoa que me atravessam e provocam sensações em nós. Depois que temos esse inventário, é possível começar a fazer algumas experiências, alguns testes. Por exemplo: já sei que uma pessoa me irrita. Como seria escutá-la com um pouco mais de atenção, ou como seria direcionar um pouco mais a conversa, ou, ainda, como seria conviver um pouco mais com ela, ou não conviver com ela? Avaliando os cenários, é possível entender o que pode ser feito em determinadas situações”, aponta a psicanalista.
Ana explica que esse passo é muito importante. “Na medida em que você vai se deparando com limitações, tenta fazer testes ou experiências em relação a uma determinada pessoa ou circunstância e percebe que encontra dificuldades de lidar com os próprios sentimentos, de manejar de maneira racional, pode haver um indicativo de que você precisa olhar melhor para a sua condição mental”.
Como saber o estado da sua saúde mental?
“Uma pergunta que me fazem muito é: como que eu sei que eu estou com um problema de saúde mental? Se você experimenta condições de euforia ou de tristeza de forma muito atípica, como se fosse uma montanha russa, e se isso se transforma em uma rotina, passa a ser uma condição para se olhar”, aponta Ana.
A psicanalista explica que é importante também avaliar se não aconteceu nenhum evento que colocou a pessoa nesta condição. Demissões, separações conjugais, falecimentos, são situações que desencadeiam naturalmente sentimentos mais intensos, e cada pessoa irá precisar de um período para processar, o que é completamente normal.
“Porém, se não houve evento entristecedor ou traumático, e se os sintomas persistem no tempo e tiram a liberdade de viver uma vida prazerosa, muito provavelmente terá uma condição de saúde mental para ser olhada”, indica.
Quem procurar para cuidar da saúde mental?
Quem mora em lugares mais urbanos, segundo explica Ana, sofre com a dinâmica profissional dentro da lógica do capital. “Estamos submetidos a alguns sofrimentos e alguns mecanismos de angústia também como base das relações de trabalho, do capitalismo e assim por diante”.
Por este motivo, é comum que as pessoas procurem tratamentos alternativos para aliviar o estresse e a pressão, mas Ana alerta sobre o tema. “Você pode fazer o que quiser, procurar o tipo de terapia que quiser, inclusive terapias alternativas as quais eu gosto muito, inclusive. Mas sempre peço para tomar cuidado em não colocar algo paliativo no lugar de um tratamento adequado. Quando a gente fala de saúde mental, o diagnóstico é bastante complexo, e oficialmente, por lei, só psiquiatras e psicólogos podem estabelecer diagnósticos e apenas psiquiatras podem receitar medicação. Muita gente acaba se auto rotulando com algum “diagnóstico” sem jamais ter passado por um psiquiatra, por exemplo. E isso é perigoso, pois pode levar a uma linha de tratamento que mais vai agravar a condição do que melhorar”.
“O que eu reforço firmemente é: conhecimentos técnicos não podem ser desconsiderados do ponto de vista institucional. Estamos falando de um corpo, um corpo que requer conhecimento físico, conhecimento técnico, muitas vezes uma tratativa medicamentosa para tirar a pessoa de uma situação mais grave. Isso porque há, por exemplo, quem ache que está com depressão, mas ao investigar clinicamente, descobre que está com níveis hormonais ou vitamínicos alterados, e quando isso se encaixa, a pessoa experimenta uma melhora. Cuidado com os diagnósticos de saúde mental que não investigam as condições físicas primeiro”, ressalta a especialista.
Como aliar cuidados diários com saúde mental, trabalho e propósito?
Ana Tomazelli destaca as dificuldades e questões encontradas diariamente pelos trabalhadores. “Hoje, as pessoas da minha geração por exemplo, dos 40 anos, lida com o envelhecimento dos pais, muitas vezes com os filhos ainda pequenos, lida com relacionamentos que são extremamente demandantes e também atravessados por muitas questões de socialização, de gênero, de orientação sexual, de direitos que não são garantidos. Além disso, há uma carga de trabalho muito grande, que é aumentada em 1/3 para as mulheres por conta de trabalho doméstico e economia do cuidado, estamos muitas vezes em cidades que são violentas. Não se cuida muito do corpo, da alimentação, do sono, das relações, dos afetos, e alguma coisa vai ficando para trás por conta do ritmo de vida que vai se impondo”.
A psicanalista aponta que este ritmo de vida pode levar a deixarmos de lado a responsabilidade pelo próprio bem-estar. “Eu não acredito que só depende de você, mas também não acredito que não tem nada na sua mão. Há coisas que não conseguimos mudar, ou ao menos mudar rapidamente, como uma condição de trabalho, por exemplo. Mas você pode ter um plano. Por isso falo tanto de carreiras múltiplas, carreiras digitais e até transição de carreira. Quando a gente fala de carreiras múltiplas, a gente diminui a insegurança financeira, e aumenta a chance de encontrar nosso propósito, nossa realização, nosso serviço”.
“Lembre-se que cada momento da vida vai exigir um grupo de recursos, esforços e decisões diferentes. Esse espaço de autoquestionamento e autodecisão é muito relevante. Peça ajuda! Você pode pedir ajuda para uma pessoa próxima, mas é importante saber que essa ajuda precisa sempre passar por uma pessoa técnica, se você realmente começa a perceber que podem haver condições que indicam questões mentais ou se você experimentar grandes níveis de cansaço. E esse pedido de ajuda não vai resolver do dia para a noite, tudo é um processo. Esse é o caminho.”, conclui a especialista.
Ana Tomazelli, psicanalista e CEO do Ipefem (Instituto de Pesquisas & Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas), uma ONG de educação em saúde mental para mulheres no mercado de trabalho. Mentora de Carreiras, Executiva em Recursos Humanos, por mais de 20 anos, liderou reestruturações de RH dentro e fora do país. Com passagens pelas startups Scooto e B2Mamy, além de empresas tradicionais e consolidadas como UHG-Amil, Solera Holdings, KPMG e DASA (Diagnósticos da América S/A). Mestranda em Ciências da Religião pela PUC-SP e membro do grupo de pesquisa RELAPSO (Religião, Laço Social e Psicanálise) da Universidade de São Paulo, também é pós-graduada em Recursos Humanos pela FIA-USP e em Negócios pelo IBMEC-RJ. Formada em Jornalismo pela Laureate - Anhembi Morumbi.
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