Afinal, o que importa quando a LGPD entrará em vigor?
*Por Leandro Augusto e Isabella Becker
A realidade econômica, social e ambiental do país tem continuamente sido redesenhada após a crise instaurada pela Covid-19, no início deste ano. A única constante tem sido a mudança nas modalidades de negócio, novos padrões sanitários e de higiene e comportamento.
Os projetos que já estavam previstos para serem colocados em prática num futuro próximo não ficaram ilesos a tanta transformação, como no caso da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) que entraria em vigor em agosto deste ano. A instabilidade global, somada à falta de apoio de alguns setores da economia - que infelizmente entendem a lei de proteção de dados como mais uma burocracia imposta arbitrariamente - já estava gerando uma pressão política para que houvesse o adiamento do prazo de início da vigência da lei.
Destacam-se, portanto, desde que foi decretada a pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), algumas iniciativas relacionadas à alteração de prazos da LGPD: dentre os projetos de lei que pautavam o tema LGPD, o projeto de lei 1.179/2020 alterava o prazo da entrada em vigor para janeiro do ano que vem em razão do fechamento de empresas determinadas pelo isolamento social decretado em março. Consequentemente, a paralisação de muitos projetos de adequação chegou a ser inclusive aprovada pelo Senado no dia 3 de abril e dependia apenas da aprovação pela Câmara dos Deputados. Nos moldes do referido PL, a LGPD entraria em vigor em janeiro, mas as sanções apenas poderiam ser impostas a partir de agosto de 2021, uma incerteza jurídica improvável e difícil de ser estruturada.
Além do cenário minimamente inédito, causou preocupação o fato de que não havia sido instituída a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) pelo Governo Federal. Com a ausência da instituição, seria praticamente impossível que a lei vigorasse e produzisse os efeitos jurídicos necessários.
O Poder Executivo, no entanto, ao invés de constituir a agência reguladora, publicou em 29 de abril, de modo autônomo e independente, a Medida Provisória 959/2020, colocando uma terceira e nova data para a vigência da LGPD - 3 de maio de 2021. Foram propostas 126 emendas à esta MP, das quais 45 tratam especificamente da LGPD, sendo a maioria delas relacionada ao prazo para entrada em vigor.
Por fim, em 14 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou uma parte do PL 1.179/20 que tratava apenas acerca da vigência das sanções, de modo que passam a valer a partir de agosto do ano que vem - independentemente de quando a Lei, como um todo, começará a vigorar. Nesse caso, há dois cenários para a vigência do restante: este mês de maio, caso a MP seja aprovada ou agosto, também deste ano, se a MP perder a validade.
Mas o que muda com a data de entrada em vigor? Para empresas que apostam na transparência como valor essencial na relação com os clientes, muda pouco. A LGPD apenas estabeleceu procedimentos, mas os princípios e, principalmente, direitos de titulares já eram exercidos como boas práticas. Para muitas outras que entenderam o marco regulatório como um pontapé para mudar tratamentos irrazoáveis e, portanto, insustentáveis a longo prazo, a extensão do período de vacância da lei apenas deu fôlego aos projetos que já estavam ou entrariam num futuro próximo em prática.
Para além do aspecto jurídico e corporativo, a lei já produz efeitos em níveis individuais: cada vez mais surgem demandas cíveis que têm por objetivo a tutela de dados pessoais. O Poder Judiciário tem sido mais um dos responsáveis pela aplicação da LGPD, ao entender principalmente que a inexistência da agência reguladora ou vacância da lei não impede que dados pessoais não sejam protegidos. Além disso, o próprio mercado exige a adequação da rede contratual como um dos requisitos de compliance e o próprio cliente passa a preferir a relação com entidades que tratem apenas dados necessários, dotados de segurança e transparência.
Seja em agosto deste ano, seja janeiro, maio ou agosto do ano que vem, a LGPD entrará em vigor. Trata-se de uma tendência regulatória global e não de uma burocracia brasileira. Mais do que isso, é a regulamentação de um direito fundamental. Então, muito embora, a lei ainda não esteja em vigor, os efeitos dela já são sentidos com as penalizações, ainda que não pecuniárias, e a realidade impostas. Muito mais importante do que a data efetiva de entrada em vigor, portanto, é quanto rigor haverá nas mudanças propostas feita lei que, desde já, são necessárias.
*Leandro Augusto é sócio da KPMG e Isabella Becker é gerente da KPMG.
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