O cuidado com o trabalhador vítima da Covid-19 não acaba com a infecção
As sequelas da doença são uma realidade e precisam de protocolos clínicos para tratamento de trabalhadores com a Síndrome pós-covid
Os problemas causados pela Covid-19 muitas vezes não respeitam a alta médica, como consequência, muitos trabalhadores apresentam uma
série de complicações decorrentes da doença, que vão de manifestações dermatológicas a distúrbios cardíacos e podem surgir meses após resolvido o quadro agudo da infecção pelo SARS-CoV-2.
Para que a carga da pandemia não se torne ainda maior para o sistema de saúde do País, pesquisadores recomendam a criação de protocolos clínicos e unidades para tratamento de pacientes com a chamada Síndrome pós-Covid. O assunto foi debatido em seminário on-line promovido no dia 08 de abril pela Academia Nacional de Medicina (ANM).
Segundo pesquisa publicada no periódico médico Jama Network 30% dos participantes do estudo ainda relatavam sintomas nove meses após contrair o vírus. A maior parte dos indivíduos acompanhados pelo estudo tiveram casos leves da doença. Fadiga e perda do olfato ou paladar foram os sintomas mais comuns, mas problemas para respirar e confusão mental também foram relatados por alguns.
Fato é que hoje, mesmo com mais de 11 milhões de brasileiros curados da doença (até o momento), alguns estudos apontam que cerca de 80% dos recuperados permanecem com ao menos um sintoma por até quatro meses após o fim da infecção. Sim, as sequelas da Covid-19 podem persistir por longo prazo até em casos leves, e a medicina ocupacional pode desempenhar um papel fundamental na orientação e encaminhamento desses trabalhadores e trabalhadoras para o tratamento adequado.
Para Ricardo Pacheco, médico, gestor em saúde, presidente da ABRESST (Associação Brasileira de Empresas de Saúde e Segurança no Trabalho) e diretor da OnCare Saúde as sequelas são proporcionais ao grau da doença. “Já se sabe que pacientes com infecções mais graves vão apresentar mais sequelas, a relação é proporcional. Mas isso não quer dizer que pacientes com infecções moderadas não apresentem”, alerta.
O que é a Síndrome pós-Covid e como fechar um diagnóstico
Segundo a médica infectologista Letícia Fiorio Baptista, a Síndrome pós-Covid é uma complicação decorrente da infecção pelo novo coronavírus. “Na tentativa de eliminar o vírus do organismo, o sistema imune desencadeia um processo inflamatório, que pode ser mais exacerbado em alguns pacientes. Todo mundo já ouviu falar o termo “tempestade inflamatória” que nada mais é do que a liberação de substâncias com potencial para lesionar pulmões, intestino, músculos, sistema nervoso, rins, sistema cardiovascular, gerando complicações a médio e longo prazo”, explica.
Ela ressalta que fechar um diagnóstico é complexo. “Não é tão simples diagnosticar, pois é preciso diferenciar de outros quadros clínicos. Não existem exames específicos para fechar um diagnóstico, mas alguns sintomas podem ser sugestivos de Síndrome pós-Covid”, afirma Dra. Letícia.
Atenção às sequelas não documentadas
Ricardo Pacheco lembra de outro estudo, também publicado no Jama Network, em que pacientes pós-Covid foram submetidos a tomografias cardíacas. “Dentre esses, um terço havia sido hospitalizado; o restante recebeu atendimento em pronto-socorro ou se tratou em casa e 78% deles tinham alguma sequela no coração. O que o estudo mostra e que é importante ressaltar é que, mesmo que esses pacientes não sintam nenhuma manifestação clínica dessa alteração, existe uma sequela que não foi documentada. Precisamos ver como esses efeitos vão evoluir nos próximos anos e, nesse sentido, a saúde ocupacional pode ser uma fundamental aliada, já que atende, de forma continuada e sistematizada o trabalhador que passou pela infecção", destaca o médico e gestor em saúde.
Para ele, a Síndrome pós-Covid também tem outros desdobramentos: “Além do impacto respiratório, muscular, cardíaco e neurológico, há o impacto na saúde mental do trabalhador, que pode sofrer o estresse pós-traumático, agravado com a doença. Sem contar que a pandemia também aumenta a ansiedade e transtornos psiquiátricos” adverte o diretor da OnCare Saúde.
Dra. Letícia Fiorio corrobora essa informação. “Nas sequelas não documentadas, pode haver perda de força muscular, alterações da sensibilidade e da força motora por disfunção dos nervos até depressão, ansiedade, alterações cognitivas, prejuízo de memória e da capacidade de raciocínio”, adverte a médica.
Impactos da Síndrome pós-Covid na rotina dos trabalhadores e a importância de haver protocolos clínicos
Como vimos, a Síndrome pós-Covid pode acometer as pessoas inclusive nas suas rotinas laborais.
Por isso é importante que o serviço médico especializado das empresas esteja atento aos sintomas pertinentes, como fadiga permanente, tarefas simples que antes eram desenvolvidas com facilidade e após o retorno o profissional encontrou dificuldades. “É preciso ter atenção redobrada a relatos desses trabalhadores relacionados a cansaço extremo e dores pelo corpo, dentre outros que vamos relacionar na sequência. São sintomas que merecem atenção, pois afetam a vida pessoal e profissional da pessoa”, lembra o médico Ricardo Pacheco.
O diretor da OnCare Saúde alerta para a necessidade de desenvolver um protocolo clínico para atender esse profissional sequelado. “Um protocolo clínico é fundamental, uma vez que até o diagnóstico é complexo, pois diferenciar os sintomas pós-Covid de outros quadros clínicos não é fácil. Os sintomas da Síndrome pós-Covid podem ser confundidos com sequelas pulmonares, neuropatias, depressão, dentre outras, e um protocolo responsável e assertivo daria um norte para os profissionais de saúde que atendem esse trabalhador”, ressalta Dr. Pacheco.
Dra. Letícia esclarece que nem sempre a alta hospitalar ou término do isolamento irão representar o final dos problemas. “Estima-se que 80% dos pacientes recuperados irão apresentar alguma queixa nos meses seguintes ao término da infecção. Quanto maior a gravidade do quadro, maior a probabilidade de desenvolvimento de sequelas. É preciso reconhecer e compreender que grande parte dos pacientes ainda irão inspirar cuidados passado o período crítico da doença e as manifestações da Síndrome pós-Covid podem ser tão limitantes ou até mais que o quadro agudo. Algumas pessoas não vão conseguir retomar a rotina normal de trabalho e precisamos estar preparados para isso. Acredito que uma estratégia seria a organização de um ambulatório de cuidados para manejo dos sintomas sequelares pós-Covid e reabilitação por equipe multidisciplinar composta de psicólogos, fonoaudiólogos, enfermeiros, fisioterapeutas e médicos” afirma a infectologista.
Atendimento multidisciplinar
O atendimento contínuo e sistematizado do trabalhador que foi infectado e desenvolveu a Covid-19 é fundamental, inclusive para diminuir o risco de sequelas.
Segundo o presidente da ABRESST, esse é um fator crucial. “Acompanhar esse trabalhador de perto mais que evitar ou atenuar as sequelas da doença, é cuidar e dar apoio a esse profissional. Inclusive, uma abordagem multidisciplinar pode ser indicada, com fisioterapia respiratória e, em alguns casos, acompanhamento psicoterapêutico, entre outros cuidados que podem ser indicados pelo médico do trabalho”, completa Ricardo Pacheco.
Sintomas da Síndrome pós-Covid
A Síndrome pós-Covid é considerada uma condição inflamatória. Entre as principais queixas de quem sofre com o problema estão a fadiga crônica e as dores musculares. Contudo, à medida que as mutações do vírus vão resultando em quadros clínicos diversos, em maior ou menor gravidade, os relatos sobre os sintomas tornam-se bastante variados.
De acordo com Dra. Letícia Fiorio, os sintomas mais comuns sugestivos de Síndrome pós-Covid são:
- Fadiga
- Falta de ar
- Dores de cabeça
- Dores musculares
- Queda de cabelo
- Perda de olfato e paladar (temporária ou duradoura)
- Dor no peito
- Tontura
- Eventos tromboembólicos
- Palpitações
- Depressão e ansiedade
- Dificuldades de linguagem, raciocínio e memória
No entanto, adverte a médica, “vale lembrar que esses sintomas não precisam se manifestar ao mesmo tempo. As reações variam muito de pessoa para pessoa, e esta é uma das características do novo coronavírus que mais têm dificultado a busca por um tratamento efetivo para a doença”, complementa Dra. Letícia.
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