Roteiro de Sustos #11 - Rio de Janeiro
Ano de Bienal Internacional do Livro no Rio e a Cidade Maravilhosa continua assombrosamente linda! Apesar das mazelas, a beleza única da cidade e de seu povo encantam moradores e turistas há 454 anos, fazendo do Rio de Janeiro um dos locais mais celebrados do mundo. Tão encantadora é a cidade que, mesmo após a morte, antigos frequentadores boêmios – famosos ou ilustres desconhecidos – são avistados e imediatamente associados aos rincões do universo carioca. A noite é repleta de mistérios. Gritos apavorantes, sussurros fantasmagóricos e almas penadas povoam nossa imaginação. Exímio conhecedor dos lugares mais assombrosos e perigosos do Brasil, M. R. Terci, escritor e colunista da revista Aventuras na História, já percorreu muito chão a caça de pesadelos para pôr no papel, tanto que colocou uma dessas ilhas em seu livro Imperiais de Gran Abuelo – Editora Pandorga, sucesso de público e vendas na Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Esse mês, em seu novo romance O Bairro da Cripta, Terci promete muito mais assombros para os fãs do gênero. A pedido de nossa redação, ele citou 5 lugares que possuem histórias obscuras e assustadoras.
A Ponte Rio-Niterói é um dos mais belos cartões postais da Cidade Maravilhosa, mas também é palco de inúmeras tragédias, fartamente documentadas pela imprensa da época, conquanto censuradas. A grandiosidade do projeto, como também à negligência do consórcio que iniciou o trabalho é responsável pela morte de pelo menos 32 pessoas, embora se acredite que o número seja bem maior. Dizem que operários despencaram das alturas, mergulhadores se afogaram durante a feitura da fundação submarina e outros, por inexperiência, teriam ficado presos no concreto, sob as colunas da ponte, em um acidente terrível com o chamado tubulão onde morreram 12 operários e um engenheiro. Há quem diga que, se você estiver caminhando pela parte interna, dá para ouvir os gritos dos mortos. Antes da finalização da obra, operários afirmam ter visto uma mulher vestida de branco, com uma rosa vermelha na mão, rondando esse que é um dos mais belos cartões postais da Cidade Maravilhosa. Seria a tal Dona Morte?
Se você já leu A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo (1844), deve se lembrar dessa ilha bucólica, no interior nordeste da Baía de Guanabara, que foi cenário para o amor da Carolina e Augusto. A Ilha de Paquetá é um lugar calmo que consegue preservar a beleza de um Rio antigo, que parou no tempo. Não se apresse em tomar a balsa. Por lá rondam memórias de dor eterna. Antes de serem levados para o litoral, os escravos que vinham da África eram submetidos à triagem na ilha. A viagem longa e penosa, na qual os negros eram transportados em condições subumanas, garantia sempre que vários entre eles não cruzassem a baía. Por lá eram sepultados e por lá, em noites de lua cheia são vistos, próximo à Ponte da Saudade, olhando para o mar, com ânsias da terra natal. Contam, ainda, os insulanos, que Maria Gorda, mucama de um comerciante português, jamais se conformou com sua condição de escrava. Ela rezou aos orixás para que suas raízes nunca fossem esquecidas na ilha. Naquele dia, ela morreu e, diante do casarão do português, nasceu uma baobá gigantesca.
Desde a morte da Imperatriz Leopoldina, em 1826, havia relatos de aparições nos aposentos reais do Palácio do São Cristovão. Vigias noturnos constantemente relatavam ruídos nas escadas e um incessante tec tec de máquina de escrever vindo de algum lugar. Talvez fosse o fantasma de uma tragédia anunciada. O Museu Nacional da Quinta da Boa Vista era a mais antiga instituição científica do Brasil e figurou como um dos maiores museus de história natural e de antropologia das Américas, até setembro de 2018, quando um hórrido incêndio destruiu quase a totalidade do acervo histórico e científico construído ao longo de duzentos anos, e que abrangia cerca de vinte milhões de itens catalogados. Além do seu rico acervo, também o edifício histórico que abrigava o Museu, antiga residência oficial dos Imperadores do Brasil, foi comprometido, extremamente danificado com rachaduras, desabamento da cobertura e queda de lajes internas. A catástrofe não colheu vidas, mas que incinerou, em suas chamas inclementes, memórias e documentos históricos, muitos deles preciosos e únicos. Agora, só a memória do Museu haverá de nos assombrar.
Vá ao teatro e, com certeza, me chame para conferir essa assombração! O Theatro Municipal do Rio de Janeiro é um dos mais importantes teatros brasileiros. Inaugurado em 1909, na Belle Époque brasileira, durante a reurbanização do Rio de Janeiro e abertura da Avenida Central. Indubitavelmente, desde sua inauguração, exerce um importante papel para a cultura carioca e nacional, recebendo em seu palco importantes artistas, orquestras e companhias de ballet. Quando for ao Rio, nem morto perco esse espetáculo. Sigo o exemplo do escritor Olavo Bilac, frequentador assíduo, mesmo depois de morto. Muita gente já viu seu fantasma circulando próximo aos camarins. Existe por lá vários artistas e compositores falecidos e também uma mulher de branco, com longos e esvoaçantes cabelos sobrenaturais, decote ornado de flores e passa as madrugadas cantando Ave Maria de Bach & Gonoud.
Afeto mútuo não era algo com o qual uma rainha poderia contar. A ideia de amor de hoje em dia é bastante diferente daquela dos séculos passados. O amor cavalheiresco, as trovas medievais, o amor romântico dos romances folhetim... Ah! Esse tipo de sentimento fundado em afeto, reis e príncipes guardavam para as amantes. Domitila de Castro Canto e Mell se tornou amante de Dom Pedro I. E para agradar a moça, o imperador lhe conferiu o título nobiliárquico de marquesa e também um imenso solar de dois pavimentos em estilo neoclássico com traços do barroco colonial. Algo assim não passaria despercebido e com o tempo, a imperatriz Leopoldina descobriu o verdadeiro perfil do marido e passou a se queixar em cartas. Mas às faltas de conduta do marido, ela respondia com uma imensa compostura e dignidade, próprio da boa educação que recebeu na Áustria. Por seu turno, a marquesa habitou o palacete até 1829, quando então rompeu com o imperador. Depois dela outros proprietários ocuparam o imóvel, dentre os mais notáveis está Irineu Evangelista de Souza, o Visconde de Mauá. O Solar da Marquesa de Santos, como é conhecido até os dias de hoje, foi uma das primeiras edificações tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, em 1938. Durante o tempo que durou a relação extraconjugal, nunca houve conflito direto entre a imperatriz e a marquesa. Domitila sabia muito bem qual era o lugar de Leopoldina na hierarquia social e nunca poderia ser comparada à primeira imperatriz do Brasil. Quem visita o lugar, entretanto, tem outra impressão. Alguém observa esperando pela rival. Por vezes, os visitantes se queixam de estranhas sensações, vultos movediços no canto dos olhos, um sentimento pesado e opressivo, como a atmosfera antes de uma tempestade. Talvez, algo prestes a acontecer.
*M. R. Terci é escritor, roteirista e poeta. Antes de se dedicar exclusivamente a escrita, foi advogado com especialização em Direito Militar e mestrado em Direito Internacional, Ciência Política, Economia e Relações Internacionais. Autor de Imperiais de Gran Abuelo, publicada pela Pandorga, e o criador da série O Bairro da Cripta, lançada anteriormente pela LP-Books, obras que reforçaram seu nome como um dos principais autores brasileiros de horror da atualidade. Com base em fatos históricos, Terci substitui os castelos medievais pelos casarões coloniais, as aldeias de camponeses pelas cidadezinhas do interior, os condes pelos coronéis e as superstições por elementos de nosso folclore e crendices populares, numa verdadeira transposição do gótico para a realidade brasileira. Seus livros não são apenas para os fãs do gênero horror. Seu penejar é para quem aprecia uma narrativa envolvente, centrada na experiência subjetiva dos personagens mediante as possibilidades que o contexto sobrenatural de suas estórias permite.
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