A CPMF, a CBS e as plataformas digitais
Por Carlos Eduardo de Arruda Navarro
Nas últimas semanas, me deparei com três notícias que, aparentemente, não teriam muita conexão entre si. São elas:
1ª ‘MercadoLivre se torna a empresa mais valiosa da América Latina’;
2ª ‘Apresentação do Projeto de Lei da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – a primeira parte da reforma tributária pretendida pelo Poder Executivo’;
3 ª ‘Insistência do ministro Paulo Guedes com a volta da CPMF’, que seria rebatizada e ligeiramente modificada.
Ocorre, que essas três notícias, têm um ponto importante em comum: a informalidade existente no mundo das plataformas digitais.
Obviamente não se está aqui para dizer que o MercadoLivre só chegou onde chegou por conta da sonegação fiscal de seus usuários. Muito pelo contrário, embora eu não tenha tido acesso a dados da empresa a esse respeito, a minha percepção, como usuário, é que existem três grupos de vendedores no MercadoLivre (e o mesmo vale para outras plataformas digitais semelhantes):
1º Os vendedores não habituais. Pessoas como eu e você, que, quando queremos nos desfazer de algum bem, usamos a plataforma;
2º Os vendedores habituais que emitem notas fiscais e cumprem integralmente suas obrigações fiscais;
3º Os vendedores habituais que sonegam tributos.
Não conheço dados confiáveis sobre o tamanho deste terceiro grupo, mas, seguramente, ele incomoda o Governo Federal; tanto que o ministro da economia, Paulo Guedes, usa essa bandeira para defender a volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).
Além disso, a proposta da CBS tem um tópico específico para tratar da responsabilidade tributária das plataformas digitais, inclusive em relação às aquisições de bens e serviços junto a vendedores estrangeiros. A mensagem é clara: a plataforma deve fiscalizar o vendedor e, se ele não emitir nota fiscal, ficará responsável pelo pagamento do tributo devido pelo vendedor.
E, para piorar, a única saída a esse tipo de medida truculenta seria a volta da CPMF.
Veja só em que encruzilhada o ministro nos coloca. Ele quer fazer parecer que temos apenas 3 opções, quais sejam: apoiar a responsabilidade tributária das plataformas digitais; apoiar a volta CPMF; ou apoiar a informalidade e a sonegação fiscal.
Mas, o ministro Paulo Guedes está enganado, ou, está nos enganando mesmo, caso ele, em seu íntimo, saiba que há outras opções.
O que o Fisco deveria fazer é simplesmente trabalhar, exercer seu papel fiscalizatório! É hora de abandonar a estapafúrdia ideia de terceirizar as atividades de fiscalização para as plataformas digitais.
Isso não significa que o Fisco não possa contar com a ajuda dessas empresas. O melhor a ser feito, portanto, é criar o dever de que as plataformas informem o Fisco sobre as operações realizadas pelos sonegadores.
E de que forma isso deve ser feito? Da forma mais republicana possível, chamando essas empresas para o diálogo. Criando, em conjunto com elas, mecanismos que sejam, ao mesmo tempo, eficazes para a fiscalização e pouco onerosos às empresas.
Importante, neste processo, ouvir também as pequenas plataformas, pois o que é pouco oneroso para uma grande plataforma pode ser muito oneroso para a pequena.
Como se vê, há um caminho intermediário. E ele me parece muito melhor que os apresentados pelo Governo. O que falta ao Governo Federal para apoiar esta via intermediária, portanto, é vontade: vontade de fazer as coisas direito; vontade de dialogar; vontade de respeitar as plataformas e, especialmente, vontade de fazer o seu trabalho, que é fiscalizar os maus contribuintes.
Carlos Eduardo de Arruda Navarro é Mestre em Direito Tributário pela Fundação Getulio Vargas. Ele é professor da FGV Direito SP e docente convidado na IBE Conveniada FGV no curso de Especialização em Direito Tributário. É autor e coautor de livros nas áreas de tributação doméstica e internacional. Sócio fundador do Galvão Villani Navarro Advogados.
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