Imitar os EUA nas políticas econômicas para a crise é má ideia
Lucas Grassi Freire
Com a queda vertiginosa do Ibovespa nas últimas semanas e movimentos análogos nos mercados financeiros globais, muitos se perguntam se o pior já passou. Bem provável que não.
Ao menos é o que diz a liderança do Fundo Monetário Internacional (FMI), que declarou que que estamos diante de uma crise econômica de proporções inéditas, exacerbada pelo congelamento das economias ao redor do mundo por causa da pandemia do Covid-19.
Diante da incerteza e das informações conflitantes, é natural ficar de olho na política econômica radical aprovada pelo governo dos EUA. Porém, imitar as escolhas da liderança americana para lidar com a crise é má ideia por três motivos principais.
Em primeiro lugar, a análise que fundamenta a política americana não olha para as causas mais profundas da crise, manifestadas desde os pacotes mirabolantes do país para tratar dos problemas de 2009. É verdade que, na ponta do iceberg, estamos diante de um choque negativo no lado real da economia. Porém, isso é somente parte da história. O bull market dos últimos anos mascararam o resto do iceberg, dando a impressão de que a economia ia bem.
Na verdade, a alta histórica foi efeito de uma bolha gigantesca, irresponsavelmente inflada pela gestão atual e pela anterior. Os efeitos imediatos da injeção de crédito fácil na economia e o resgate de empresas ineficientes deram uma falsa impressão de que jogar moeda “do nada” na economia gera riqueza de forma sustentável. Pelo contrário, já no fim de novembro de 2019 se noticiava que a alavancagem das empresas chegava perto de 10 trilhões de dólares – uma fatia de quase 47% da economia americana. Era risco demais. Uma hora, a festa acabaria. Bastou um susto para que a bolha estourasse. A pandemia foi só o estopim. Com o pânico, muitos perceberam a vulnerabilidade dos ativos em que tinham apostado suas fichas e saíram vendendo.
Segundo, fica claro que, se foi uma bolha inflada pelo governo que levou a essa situação, então, fazer isso de novo não poderá salvar a economia no longo prazo. Não se apaga um incêndio jogando gasolina no fogo. Embora o crédito fácil seja um instrumento de alívio temporário empiricamente comprovado, no longo prazo ele trará efeitos ainda mais indesejáveis que os que temos observado por ora. “No longo prazo, estaremos mortos”, disse alguém. Só que hoje é o longo prazo de ontem, e estamos já a perecer.
Terceiro, os trilhões de dólares aprovados pelo governo americano, em pleno ano de eleições e em tempos de emergência quando existe a pressão para “simplesmente fazer alguma coisa”, não beneficiarão a camada mais vulnerável da população. Isso é fácil de perceber olhando para os destinatários dessa soma colossal de dinheiro. Os lobistas fizeram fila para pegar a maior fatia possível do bolo para as indústrias que eles representam. Como em 2009, espera-se um resgate de indústrias extremamente ineficientes e descuidadas em relação ao risco que corriam no seu dia-a-dia (no caso atual, o setor de companhias aéreas é um bom exemplo). No meio de tudo isso, surpresa vai ser se o cidadão comum, o operário de fábrica ou o microempresário, conseguirem algumas migalhas do pacote.
Pintar papel colorido e falar que é “riqueza” continua sendo uma má ideia. Isso vale tanto para tempos normais como para tempos de crise.
Lucas Grassi Freire é professor e pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica da Universidade Presbiteriana Mackenzie. É doutor em Política na Universidade de Exeter (Reino Unido) e pós-doutor na North-West University (África do Sul). Especialista em línguas do antigo Oriente no Centro de Estudos do Próximo Oriente e da Antiguidade Tardia (CEPOAT) na Universidad de Murcia (Espanha), e na Anatólia no Research Center for Anatolian Civilizations da Koç University (Turquia) e epigrafia cuneiforme no Museu de Istambul. Laureado com o Prêmio Michael Novak de 2018.
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