Até onde a bolsa pode ir?
O Brasil sempre foi conhecido como a terra da renda fixa. Sempre tivemos os juros reais mais altos do planeta, com alta rentabilidade, proteção e liquidez imediata. Basicamente, até três anos atrás, um investidor conseguiria um retorno de 15% ao ano. O país era o paraíso dos rentistas. De lá para cá, parece que muita coisa mudou. Os juros caíram fortemente, a renda fixa perdeu o seu brilho e a bolsa não parou de se valorizar. Deixamos de ter os juros reais mais altos do mundo e os poupadores que quiserem ter mais retorno, necessariamente, precisam abrir mão de liquidez e correr mais riscos.
Nesse novo contexto, o pequeno investidor se viu sem muita alternativa e teve que buscar investimentos que remunerassem melhor a sua renda fixa. O velho CDB já não remunerava como antes, o tesouro direto já não oferecia taxas tão gordas e tampouco LCI/LCA entregavam rentabilidades atrativas. Foi nesse cenário que o número de participantes na B3 mais que triplicou, saindo de 500 mil CPFs ativos, em 2016, para bater a marca de mais de 1,5 milhão de CPFs ativos investindo em ações, além de 500 mil pessoas investindo em fundos imobiliários no final de 2019.
Os investidores locais foram os responsáveis por esse grande fluxo para a bolsa, já que até agora o dinheiro estrangeiro ainda não veio para cá. Os locais provocaram essa forte valorização do índice. Para se ter uma ideia, nesses últimos quatro anos, a bolsa valorizou 38,93% (2016), 26,86% (2017), 15,03% (2018) e 31,58% (2019). Performando no somatório dos quatro anos robustos 166,77%.
Várias iniciativas governamentais possibilitaram a redução dos juros e, consequentemente, a busca da população por alternativas mais ligadas à economia real. Dentre elas, algumas reformas se mostraram essenciais, como a do teto de gastos, trabalhista, a substituição da TJLP pela TLP nos empréstimos públicos e a reforma da previdência.
Esse conjunto de reformas provocou um encaminhamento do problema do déficit governamental. A trajetória da dívida pública era explosiva. Por vinte anos seguidos, os gastos do governo cresceram a uma taxa de 6% acima da inflação, nenhum outro país do mundo conseguiu tamanha “façanha”. Saímos de uma relação dívida/pib de 60%, em 2013, para encostar em 80% ao fim de 2019. Algo tinha que ser feito ou, em um dado momento, o governo não conseguiria mais financiar a taxa de juros condizentes e a inflação poderia voltar forte.
Os dois últimos governos, Temer e Bolsonaro, também se mostraram mais liberais, mais alinhados com os interesses da iniciativa privada e dos mercados. Um movimento em oposição ao que aconteceu de 2003 a 2016 e que acabou provocando uma das maiores crises da história do país. Aliado a isso tudo, ainda temos uma melhora na governança das empresas estatais, uma busca por profissionalismo nessas gestões e uma agenda de privatizações, comandada pelo ministro Salim Mattar. Segundo a consultoria Economática, em 2015, as três maiores estatais brasileiras, Banco do Brasil, Eletrobrás e Petrobras, amargaram um prejuízo de R$ 35 bilhões, e em 2019 o lucro deve ser algo perto de R$ 53 bilhões. Uma clara mudança de rota na gestão estatal.
As perspectivas continuam favoráveis para continuidade da valorização do índice Bovespa. Temos uma agenda repleta de reformas pela frente, como a administrativa e a tributária, tão importante quanto a reforma da previdência. Devemos ver uma redução ainda maior dos juros, devido a inflação baixa e a capacidade ociosa da indústria; temos uma taxa de câmbio favorável, o dólar na casa de R$ 4,15 possibilita maior competitividade da indústria brasileira; a retomada do crédito para pessoas e empresas, com as menores taxas de juros e, por fim, existe uma retomada da confiança dos empresários e pessoas.
Em termos de preço da nossa bolsa, não há indício que este item estaria “caro”, um índice que analistas e o mercado gostam de acompanhar, é o preço dividido pelo lucro, o famoso múltiplo P/L. Por exemplo, se tenho uma empresa que custa no mercado R$ 10 a ação e lucra R$ 1 por ano, ela tem um múltiplo P/L de R$ 10/R$ 1 = 10, ou seja, em 10 anos eu receberia de volta o valor investido, caso a empresa lucrasse a mesma coisa. Quando se estima esse múltiplo do índice Bovespa, somando todo o valor de mercado das empresas e dividindo pelo somatório dos lucros, tem-se uma relação de R$13,00. Bem próxima da média histórica da bolsa de 12 x lucros. Esse múltiplo se torna ainda mais barato, quando se lembra que antes a SELIC era bem maior e hoje temos a taxa básica de juros em 4,50%. Resumidamente, um múltiplo de 13,00 com uma SELIC de 4,50% é muito mais barato do que um múltiplo de R$12,00 com uma SELIC de 14,25%.
Outro ponto importante é que hoje, apenas 12% dos ativos financeiros estão alocados em renda variável no Brasil. Esse número já foi de 24%, em 2008, antes da Crise do Subprime. Países emergentes, com mesmo perfil de renda que o Brasil, possuem bem mais que isso alocados em ativos de risco. O Chile, por exemplo, supera os 35% e a China os 25%. Dito isto, é bem provável que esse fluxo continue a impulsionar a bolsa e que, no futuro próximo, o percentual dos ativos financeiros alocados em ações se eleve muito.
Em outros momentos da história, o mercado esteve muito otimista como agora. Como em 2008, quando obtivemos o grau de investimento pelas agências internacionais e não sabia-se que viria a maior crise dos últimos 50 anos. Como sempre, ainda mais no mercado financeiro, devemos ficar atentos a questões que possam atrapalhar esse momento de otimismo e estar preparados para uma inversão de tendência. Alguns fatores podem mudar essa dinâmica positiva, como escândalos de corrupção do governo, crise internacional, falta de comunicação do governo com o congresso e uma eventual renúncia do ministro da economia Paulo Guedes, que seria muito ruim para o mercado.
O momento é de otimismo, de boas perspectivas, mas sempre com muita cautela. Como diria o falecido economista e ex-político Roberto Campos, avô do atual presidente do Banco Central: no “Brasil e Argentina, até o passado é incerto!”.
Carlos Henrique Chaves Pessoa, Gestor de Recursos e CEO da Vêneto Gestão de Recursos
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