O resgate dos rituais, símbolos, brincadeiras, história e tradição
Por Fernanda Suzuki
No último dia 31 de dezembro, quando fazíamos nossas reflexões sobre o ano que se encerrava e os votos, desejos e planos para o novo ano que estava prestes a começar, dificilmente alguém previu o cenário que estamos vivendo agora. Com a pandemia de COVID-19, enfrentamos uma situação de muitas mudanças, preocupações e incertezas coletivas. Esse contexto mais amplo se manifesta dentro das casas e das famílias, que agora tendem a conviver de maneira mais próxima do que nunca, diante da necessidade de isolamento social.
Dessa forma, o caldeirão de sentimentos e emoções em casa tende a estar especialmente efervescente. Em momentos como esse, podemos evitar falar sobre situações difíceis, para poupar aqueles que estão próximos. Mas por outro lado, o silêncio tende a aumentar preocupações e fantasias, gerando tabus, bem como alimentar a sensação de isolamento. A ideia de se falar com os filhos sobre situações cheias de dúvidas e incertezas frequentemente gera a questão: “O que dizer?”. Mães e pais podem estar acostumados a fornecer respostas, e esse é um papel importante da parentalidade. Mas, o diálogo não se resume a isso, e vou explicar. A importância do diálogo está, na verdade, mais atrelada à possibilidade do compartilhamento e da troca.
Tampouco acontece apenas por meio da fala, mas também por meio de rituais, tradições, brincadeiras e outras formas de estarmos verdadeiramente juntos. A comunicação significativa não requer alguém que tenha todas as respostas, mas que esteja aberto e atento ao outro. Se pensarmos em momentos marcantes em que nos sentimos em franca comunicação com nossos familiares, talvez possa vir à mente uma refeição compartilhada, uma brincadeira, uma tradição, uma música ou história que ouvimos de alguém e que levamos para o resto da vida.
Foi pensando em promover oportunidades para essas trocas significativas que a equipe da IS desenvolveu uma proposta de utilização da cápsula do tempo: uma atividade guiada para a família realizar em casa, com materiais simples e disponíveis, onde o que conta é a presença de cada um. A proposta é a de construir, por meio de atividades lúdicas, pequenas heranças do momento atual para a posteridade, cultivando assim a memória e, ao mesmo tempo, a possibilidade de fazermos juntos projeções para o futuro. Você pode acessá-lo por aqui.
Nesse momento, também a escola pode ter uma grande importância, não apenas enquanto lugar de transmissão de conhecimento, mas também enquanto lugar de encontros, socialização e suporte daqueles que estão em seus processos de desenvolvimento: as crianças e os adolescentes. Curiosamente, tenho ouvido relatos por parte de alunos, professores e pais a respeito da sensação de sobrecarga diante da nova rotina escolar, surgindo a pergunta: se todos estão se sentindo excessivamente cobrados, quem é que está cobrando demais?
Talvez, esse excesso que todos parecem estar sentindo se trate, em parte, de uma série de “penduricalhos” que se acrescentam às tarefas escolares propriamente ditas. Desde a dificuldade para lidar com tecnologias que não nos eram tão familiares assim, até a necessidade de adaptar uma rotina já conhecida a um novo contexto. A falta do contato presencial, a incerteza quanto a um futuro que se tornou mais nebuloso, entre tantos outros fatores estressantes que estão em jogo, e dos quais às vezes não nos damos conta.
É importante termos clareza de que, esperar de nós mesmos e dos outros o mesmo nível de produtividade de outrora, e o mesmo funcionamento que tínhamos antes, em um contexto que já não é o mesmo, é uma exigência injusta e não cabe mais. Quais são os recursos que temos para encarar tantos desafios que nos tomam de assalto dessa forma e nos lançam ao novo?
Uma boa dica está naquela cena, do nosso último réveillon: um momento de reflexão, de rituais, de símbolos, de brincadeiras e de estarmos rodeados pelas pessoas que importam, seja presencialmente, virtualmente ou em pensamento; nos instrumentalizando dos aprendizados trazidos pelo que já passamos e nos preparando para o que está por vir.
Fernanda Tomie Icassati Suzuki é psicóloga, com graduação pela USP em 2011 e pós-graduação em psicologia em saúde pela UNIFESP. Atualmente, atende em instituição de saúde, em escola e em consultório. É parceira de conteúdo da International School, programa de educação bilíngue para escolas.
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