Cláusula de foro de eleição em tempos de COVID-19
Quando as partes contratantes optam pela inserção de uma cláusula de eleição de foro em seu contrato, classifica-se essa escolha como uma causa de competência relativa. A competência relativa está disposta no artigo 63 do Código de Processo Civil (CPC), e tem o condão de assegurar às partes, o direito de escolher em qual foro serão propostas eventuais ações decorrentes daquele contrato. Essa capacidade de escolha de foro quando inserida no contrato, é conhecida como cláusula de eleição de foro.
Sendo assim, as partes contratantes, quando sociedades, podem vir a selecionar um local diverso do foro de suas sedes ou filiais, para a resolução de possíveis litígios que vierem a surgir.
Para isso, devem os contratantes respeitar alguns requisitos para que a cláusula de foro de eleição seja considerada válida, dentre eles: (i) livre manifestação de vontade das partes; (ii) constar a cláusula em instrumento escrito e se referir expressamente ao objeto do contrato; (iii) as partes estarem em plano de igualdade (mesmo plano negocial conforme presunção legal); e (iv) que a cláusula não seja abusiva ou excessivamente onerosa para uma das partes.
Diante deste cenário bem comum em contratos societários, o questionamento que fica é: a cláusula de eleição de foro poderá sofrer modificações em tempos de COVID-19?
Supondo que uma ou ambas as partes não possam se locomover até o foro eleito na cláusula para a resolução do conflito, devido, por exemplo, à decretação de medida de fechamento de fronteiras e estradas, poderão as partes eleger outro foro mais adequado? Parece claro que será necessário que as partes recorram a outros caminhos alternativos para resolver a questão de forma mais eficaz.
No cenário hipotético acima, assim como em muitos outros, visto a necessidade existente, vontade e boa-fé dos contratantes, surge a possibilidade de se eleger, por meio de aditivo contratual, um foro mais oportuno e apropriado para e resolução dos conflitos, visando dessa forma, a efetivação do direito, e, maior acessibilidade à jurisdição pelas partes.
Entretanto, devem os contratantes ter atenção na escolha do novo foro, contabilizando todos os ônus e bônus dessa mudança, havendo a manutenção dos requisitos de validade acima, e a análise de questões como a especialização do novo foro eleito, na matéria objeto do contrato.
Caso a ação já tenha sido distribuída e as partes não conseguirem se locomover até o foro eleito contratualmente devido aos efeitos sociais da COVID-19, as partes poderão solicitar ao juiz do foro da ação (juízo deprecante), a expedição de uma Carta Precatória para um juízo (juízo deprecado) mais próximo e conveniente para as partes, possibilitando então, que determinados atos processuais que não podem ser realizados de forma online, sejam enfim realizados.
Se ainda assim não for possível a realização do ato, deve-se ainda ter em mente que caberá ao juiz competente decidir pela suspensão da diligência, após a correta comunicação feita pelo advogado com a devida fundamentação.
É sabido que alguns tribunais como o Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP (Comunicado CG nº 284/2020) e o Tribunal de Justiça do Estado Paraná – TJPR (Decreto Judiciário nº 227/2020) já possibilitaram a realização de audiências de conciliação e instrução de maneira virtual, mediante prévia concordância das partes. Inclusive, o CNJ disponibilizou a Plataforma Emergencial de Videoconferência para Atos Processuais, que permite a ampliação dos atos a serem realizados.
Entretanto, o panorama exposto acima mostra-se o ideal para quando há a possibilidade de: (i) alteração do foro por meio do aditivo, (ii) realização virtual do ato, (iii) expedição de carta precatória quando o ato não pode ser realizado virtualmente, bem como, e principalmente, o consenso entre as partes.
O principal problema surge quando não há consenso entre as partes quanto a definição de um novo foro de eleição, sendo possível ocorrer a distribuição por uma das partes, de uma ação em foro diverso do eleito no contrato. Nesse caso, deve-se ter em mente que poderá a parte autora alegar a impossibilidade de acesso ao foro eleito devido aos efeitos da COVID-19, suscitando se tratar de caso fortuito ou força maior, que impossibilita o acesso ao foro eleito.
A pandemia da COVID-19 e seus efeitos sociais e econômicos são fatos já amplamente conhecidos. No entanto, de forma geral e, registra-se que nem por isso, a excepcional ocorrência da pandemia obrigará ou autorizará o deferimento de pretensões inadequadas, desleais, irresponsáveis ou desprovidas da indispensável boa-fé pelas partes.
Dessa forma, deverão os contratantes considerar que, caso optem pela alteração do foro, se o novo foro eleito não poderá causar problemas futuros, e, caso não haja concordância entre as partes, se preparar para situações inadequadas como a possível distribuição de ação em foro diverso do eleito, alegando a parte autora caso fortuito ou força maior como justificativa para tanto.
O artigo 421-A, inciso lll da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) determina que os contratos deverão ser revisados somente em situações excepcionais. Considerando a excepcionalidade da pandemia em curso, parece-nos razoável que em determinados casos, analisados individualmente, seja necessária a alteração ou desconsideração do foro eleito.
Assim sendo, deverão os contratantes diante de um cenário de impossibilidade de acesso ao foro eleito contratualmente, recorrer a alternativas sugeridas ao longo do artigo, tais como aditivo contratual, realização de atos virtuais, carta precatória, assim como outros meios de resolução de conflitos como a mediação e conciliação, sendo a alternativa de se recorrer ao Poder Judiciário considerada somente em última instância.
Carolina S. Melnik Blicharski
Trainee no setor Corporativo do escritório Marins Bertoldi Advogados
Caio Corso Quincozes
Advogado no setor Corporativo do escritório Marins Bertoldi Advogados
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